3 de novembro de 2022

 



A OUTRA VENEZA - PREDRAG MATVEJEVITCH


Um livrinho pequenino que trouxe da feira do livro de Lisboa. Veneza, a outra Veneza foi o primeiro livro que li desta coleção da Terra Incognita da Editora Quetzal.

Confesso que já espreitei as outras obras e existe por lá um título ou outro que figurará nas minhas estantes.
Porque veio este e não outro? Porque não as praias de Portugal ou os banhos das Caldas? Porque Veneza é Itália e Itália é um luxo na minha imaginação.

Não é este livro que nos abre os olhos para Itália dos sonhos românticos, mas tem um quê de inocência e prazer associado a uma maneira de viajar e conhecer outras paragens que encanta-me.
De que nos serve visitar uma cidade num dia; os seus monumentos e pontos turísticos se de lá nada registamos. 
Quantos de nós conhece Óbidos para além das duas ruas principais?
Este breve livro de Predrag Matvejevitch explica isso mesmo; não nos dá uma visão panorâmica de Veneza, mas um deslumbre das sombras que nela habitam. Fala-nos do nascer e por do sol, do vento, dos reflexos, da ferrugem e da patine; as cores e as suas nuances. Os filtros da bruma que não veremos em nenhuma cidade, nem mesmo na nossa se não nos dispusermos a olhá-la.
Fala dos jardins, flores, arvores e plantas; refere o esquecimento.
Tem palavras doces com que trata a Sereníssima.
Não esquece o mar e os marinheiros; os judeus, eslavos e o entrelaçado de línguas e culturas que construíram Veneza.
Fala do pão; O pão dos judeus, dos otomanos dos arménios e dos venezianos - o pão das lágrimas, o pão da nostalgia, o pão do exílio e o pão da humildade; não esquecer o pão de Pádua e o pão da paciência.  
Relembra os albergues e tabernas, os asilos psiquiátricos onde "os internados nessa instituição, como relata uma das suas crónicas, acusavam-se mutuamente de não regularem bem da cabeça, troçando uns dos outros. Cada doente andava à procura de outro mais doente que ele, cada louco de outro mais louco."
E fala dos barbeiros, "Em Veneza, mais do que em qualquer outra cidade, dava-se-lhes o nome de figari."
"Em parte alguma ele eram mais numerosos, mais hábeis ou mais loquazes, nem sequer em Sevilha."

Para conhecer esta Veneza ou qualquer cidade do mundo a lógica da nossa própria existência teria de ser diferente. A quem o consiga só posso apelidar de afortunado; muitas vezes passamos os olhos e não vemos.