não te mexas - Margaret Mazzantini
É angustiante o início do livro, e por sê-lo, vou fazer uma espécie de diário de leitura, porque acho que o livro vai dar-me cabo dos nervos.
1º Dia - O início da história é arrepiante. A descrição pormenorizada do acidente e do socorro médico da filha de 15 anos da personagem principal revolta o estômago.
Não sei se será assim com todos os que lerem o livro, mas a mim tocou-me particularmente.
Esta angustia vai-se estendendo quando surge na história Timóteo. O pai de Ângela, o cirurgião que toma conta da história e que no seu desespero de pai, senta-se à espera de uma salvação para a filha, e desfia os seus erros.
Tenta manter com a filha que não está ali, mas na sala de operações ao lado, um monologo. Tenta manter com a filha um fio de sobrevivência para os dois.
Nesse monologo, vamos descobrindo que Timóteo tem "porras"! Sim! Não é um homem perfeito.
Começa por revelar os contornos de uma história sórdida que aconteceu à quinze anos atrás. No tempo em que a filha nasceu. No tempo em que ele violou uma mulher.
Quando ele conta a história fico perplexa... porque a violas-te, Timóteo? Nem sequer te atraia.
Chamas-a de espantalho! Onde tinhas a cabeça?
Desculpas-te com o álcool que bebeste enquanto esperavas pelo arranjo do carro. Transformar-te num monstro foi tão fácil.
2º Dia - Timóteo a tua história e a tua confissão revoltam. Não percebo qual a tua intenção nem sequer as tuas motivações. Neste segundo dia de leitura revelas-te uma faceta humana da tua realidade. Mostras-te que vives nos bicos dos pés como a maioria dos homens. Sem tocar verdadeiramente em nada.
Revelaste que gostas do que te faz mal e que não percebeste o que te aconteceu. Não percebeste porque não cabe no teu mundo perfeito que a vida dos outros não seja perfeita.
Apesar de a violares, voltaste para o espantalho como tua a chamas! Começou a fazer-te falta e não conseguiste lidar com o sentimento que nascia em ti. Quando voltas-te deste-lhe dinheiro, e ofendeste-a. Quando quiseste voltar outra vez, quando o teu corpo e a tua alma pedia mais, descobriste a delicadeza, descobriste não um espantalho mas uma mulher que não usou o teu dinheiro, que se preocupou contigo e que era capaz de te amar sem mais nada... só amar... só pensar em ti, no teu bem estar.
Achaste que eras importante, que eras único. Que eras amado. Não que não fosses em casa. És mais amado do que amas.
A tua ilusão de ser o único homem na vida do teu espantalho é patética e quando a voltaste a ofender ela colocou-te a um canto da tua insignificância
3º Dia - Italia, assim se chama. É apenas uma menina assustada. De "puta", não tem nada, e apenas o disse para o magoar a ele.
A menina feia e desajeitada é de uma beleza interior comovedora, e Timóteo já se perdeu nos seus braços. Neste meio terceiro dia de leitura a história surpreende porque as personagens evoluem muito. Principalmente Timóteo, que põem em causa a sua vida, os seus amigos, a sua mulher.
"Porém, agora parecia-me que a vida paralela era esta, não a outra. Aquela com a Italia, nos sussurros, na segregação, era essa a vida verdadeira. Clandestina, sem céu, assustada, mas verdadeira."
Quanto a Italia descobrimos uma mulher que não é mais do que uma criança que se entrega desmesuradamente e sem reservas e sem pedir nada em troca a um amor que sempre julgou que não lhe estava destinado.
A questão aqui é, como é que ela o consegue amar?
Costumo dizer que na vida não existe só o preto e o branco, o bom e mau, mas o que predomina é o cinzento. Pessoas boas que fazem coisas más.!
Timóteo foi assim, Uma pessoa aparentemente boa que fez uma coisa má, e que depois voltou para se desculpar. Italia que pensa que qualquer um a pode levar para um camião e fazer porcarias com ela, vê naquela delicadeza posterior um caminho novo.
É interessante caminhar pelas memórias de Timóteo nesta altura. Dou por mim a pensar na disparidade das circunstâncias.
De um lado Timóteo tem a sua legitima mulher, Elsa, bonita, altiva, simpática, bem sucedida.
Uma mulher inteligente que qualquer homem desejaria. Do outro lado Italia, menina, inocente, não tão bonita, mal vestida, sem gosto, com uma vida simples, pobre, limpa, muito limpa.
Uma menina sem auto estima, que tem noção que não é atraente. Verdadeiramente bonita por dentro.
Quantas meninas perdem aos pontos na vida nesta batalha? Quase todas.
Os homens vêem pouco para além da vista.
Não estou a generalizar. Há muitas mulheres bonitas por dentro e por fora. Conheço umas tantas. Mas conheço outras tantas, das outras.
Timóteo percebe que ama Italia, mas a distância social que os separa é grande, e Timóteo não se apercebe que nos momentos chave, nas aparições públicas de Italia ele sente um desconforto chamado vergonha. Ela está a outro nível e sente-se bem no seu mundo, e esconde-se cada vez mais no seu canto porque apesar de ser inocente percebe essas delicadezas e indelicadezas.
Italia aparece grávida, mas a sua mulher, Elsa também.
4º Dia - Timóteo não deixa Italia abortar no último momento. Tem momentos em que acredita que a sua vida é ao lado e Italia. Mas vai adiando. Nem sequer tem certezas. As dúvidas assaltam-no. Com esta indecisão é confrontado com a gravidez da mulher e perde-se neste labirinto.
Por esta altura dou por mim a perguntar. E tu Elsa, não sabes mesmo de nada? Ou não queres saber? Ou foges do confronto directo. Da dor?
A dúvida de Timóteo, traduz-se em ausência e Italia que não foge da dor dá conta do abandono. Mas ama! Tem um momento de subjugação, de súplica. Timóteo sente nojo dessa súplica e ela compreende essa nojo e afasta-se. Abdica!
Quando se decide a procura-la, já Italia abortou. Assume para si a responsabilidade.
Pois é, Timóteo! Mais uma vez não tomas decisões, és tomado por elas. Forças que os outros as tomem por ti. Assistimos a um monologo do teu sofrimento e das tuas desculpas, mas é em Italia que penso. No seu imenso amor, na sua desmesurada entrega. Ela é capaz de tudo para que as coisas te corram bem a ti. Arranca dentro de si o seu ser, desfeche-se por dentro e por fora para que tu, Timóteo possas viver sem sobressaltos. Nem sequer lhe dizes que também engravidas-te a tua mulher.
Afastas-te dela, como ela se afasta de ti. Sem o vosso filho o vosso relacionamento diluí-se.
Segues a tua vida, tens as tuas realizações profissionais, vais ser pai de uma menina.
Mas Italia está lá no teu subconsciente, e não te deixa sossegar.
Timóteo procura-a de quando em vez, mas os sentimentos não são os mesmos. Existe um afastamento. Um muro intransponível.
Mas a rapariga ama-o, e sofre com isso. É uma menina que Timóteo partiu o coração.
Uma menina que acredita que Deus nunca a vai perdoar!
5º Dia - Não esperava que Italia morre-se. Já esperava o teu abandono. A tua indecisão era constante, mas não esperava que Italia morre-se por ti.
Quando a tua filha nasceu, nessa mesma noite foste procura Italia. Ela estava de saída, ia voltar para a sua aldeia. Decidiste dar-lhe boleia até ao comboio e depois a meio do caminho decidiste leva-la até ao seu destino.
A viagem era longa, e o tempo permitiu-te acreditar que terias coragem para largar toda a tua vida e ficares com Italia.
Sempre a amas-te mas não tinhas coragem. Italia estava fraca e esquisita. Tinha dores no abdómen que disfarçava. Não saía do carro, não queria comer.
Acabaram por parar à noite numa pensão e no Restaurante, Italia cheia de febre vomitou. No quatro já deitada desmaiou sem dar por isso. Tinha o ventre duro, não sentia nada nessa zona. Chegou a urinar sem dar conta.
Descobriste um hospital no meio do nada e uma infecção generalizada. Tinha a barriga cheia de sangue, uma hemorragia interna. Operaste-a, mas no fim de tudo, morreu nos teu braços.
Deste-lhe um funeral digno. Amaste-a!
No fim voltas-te para a tua mulher como se nada fosse.
A história parece que roda sempre da mesma maneira. Parece que existe sempre alguma coisa que faz com que Italia e Timóteo nunca fiquem verdadeiramente juntos. Como se não fossem destinados!
A vergonha inicial da sua presença humilde é o primeiro entrave. A gravidez de Italia, como primeiro impacto é outro entrave.
A gravidez da mulher destapa a cobardia de Timóteo, e este deixa Italia aos seus pensamentos e à sua sorte.
É ela que tem de decidir porque ele não está nos momentos que precisa de estar. Italia acaba por fazer um aborto nos ciganos, que meses mais tarde lhe há-de tirar a vida com uma infecção generalizada.
No último momento de aparente coragem de Timóteo, Italia morre-lhe nos braços.
Em todo o livro Timóteo desabafa a sua dor, o seu arrependimento. Espera que quem o leia, tenha pena dele e o perdoe. Ele próprio tem uma atitude de auto comiseração. Afastou-se da vida para expiar os seus erros.
Mas a minha simpatia vai para Italia, e até um pouco para a sua mulher Elsa.
Uma esperou num canto, no seu silêncio. Aguardou o percurso do seu marido. Ela sabia que ele ficava. Daí não questionar, daí não confrontar. Apenas esperar. Quanto às descrições sórdidas, as justificações, preferiu silencia-las para não ter de lidar com elas.
Italia foi diferente. Era uma menina. Era inocente. Era feia à primeira vista. Abdicou de tudo... abdicou até da vida. Sem esforço, sem ressentimento.
Era impossível não amar Italia. É o meu amor neste livro!
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