24 de junho de 2020

Manual de sobrevivência de um escritor ou o pouco que sei sobre aquilo que faço


É difícil falar deste livro. Particularmente.
Podemos considerar um manual de iniciação a quem queira ser escritor, ou uma ténue e fugaz autobiografia do escritor.
Essencialmente João Tordo explica-nos que a literatura está dentro da sua pele.
Está no fundo da sua alma, e ele não trocará a escrita nem por um pote de ouro no fim do arco íris.

Sinceramente e meio que citando um dos seus capítulos, as sua palavras criaram-me a inveja necessária e quem sabe o alento perdido há décadas.    

Espero que seja tão inspirador para quem o leia como foi para mim. 
E não falo apenas e só de literatura e de ser escritor.
Falo dos sonhos, de todos os sonhos que temos cá dentro.

Está TOP!

20 de junho de 2020



A Educação de Eleanor - Gail Honeyman

Um livro sobre a fragilidade humana


Uma coisa boa que este blog me trouxe foi a plataforma GOODREADS.
Para os incautos como eu, Goodreads é uma plataforma tipo "rede social", mas apenas para quem gosta de ler. "Que maravilha!". Podemos pedir amizades, trocar críticas e dar a nossa opinião sobre os livros que lemos e aquilo que queremos ler. Serve também como agenda literária onde vamos actualizando as nossas leituras e no futuro sabemos perfeitamente quando foi que lemos determinado livro e a opinião que tivemos e a opinião que os outros tiveram. A parte que nos estimulamos a nós próprios com objectivos de leitura não deixa de ser engraçada e encorajadora.

Foi nessas andanças que descobri o livro "A Educação de Eleanor" de Gail Honeyman, escritora de Glasgow.
Com diversos prémios internacionais foi inclusive nomeado em 2017 como livro do Ano pela Goodreads. Asseguro, o livro tem mais prémios, e garantidamente na minha opinião todos merecidos.
A opinião de um "amigo" do Goodreads, João Sampaio deu-me o empurrão final para a compra do livro. 
Não aqueceu na prateleira á espera de vez. Eleanor Oliphant, na fila de livros para ler, ria-se para mim, com a urgência de menina mimada de quem não pode esperar pelo seu doce de chocolate!

Dividido em duas partes, começamos por perceber o quotidiano e o modo de pensar e agir de Eleanor.
É extremamente peculiar a personagem. Cheguei a pensar em certas situações que estaria a contactar com um ser humano de outro espaço. 
Comecei por considerar a personagem invulgar pelas suas atitudes e pelos seus pensamentos.
"Sempre me orgulhei muito de conseguir gerir a minha vida sozinha. Sou uma sobrevivente solitária: sou Eleanor Oliphant. Não preciso de mais ninguém: não há nenhum grande vazio na minha vida, não falta peça nenhuma no meu puzzle particular. Sou uma entidade autónoma."

É uma mulher jovem que vive sozinha. Quando digo sozinha não me refiro ao facto de morar sozinha, mas Eleanor é mesmo um ser humano sozinho.  Vive só no seu apartamento, trabalha numa empresa há 9 anos onde não mantém amizade, conversa ou relação com ninguém. Vai sempre ás mesmas lojas ou cafés. Não se arranja por ali além, nem investe em si, ou no seu meio ambiente (casa).
É essencialmente uma mulher "limpa" "embora não seja elegante nem virada para a moda, estou sempre asseada: assim, pelo menos, posso estar de cabeça erguida quando assumo o meu lugar no mundo, por mais insignificante que seja." e considera-se insignificante aos olhos do mundo.
Preocupada com os micróbios, com o tabaco e os seus malefícios, com os alimentos que fazem bem á saúde. 
Não entende nem aceita a linguagem moderna e em algumas opiniões sobre o comportamento ficou lá atrás no tempo. "Acho a falta de pontualidade de uma extrema má-criação; é uma grande falta de respeito, pois sugere, sem margem para dúvidas, que a pessoa se considera, a si própria e ao seu tempo, mais valiosa do que os outros.".
Seria até irritante e desagradável, mas há determinados contextos na história que Eleanor é tão engraçada e cruelmente lógica que nos vamos encantando por este personagem disfuncional. 
Dei por mim a rir com certas respostas que dá, e certos pensamentos que têm, pois parece que estamos perante uma velhinha de 90 anos que se desloca de andarilho.! "-afinal de contas de que serve comer fora se nós é que temos de levantar a mesa? Assim, mais valia ficar em casa."

A sua solidão que de inicio parece uma consequência destas suas atitudes desconexas com a realidade actual, vai-se transformando não numa consequência, mas algo que a personagem alimenta. Por volta da página 82 fiquei com essa opinião, mas já aí tinha a sensação que muito havia por revelar.

Não quero aqui contar toda a história, acredito que o livro merece a leitura de todos nós. Todos que temos vidas normais, com amigos e família e cujas adversidades atravessamos como aprendizagem, e todos a quem a vida, ou o espírito não deu nada disso e vivem com dificuldade de adaptação, com falta de amor, com visões distorcidas. 
Eleanor tinha uma maneira de viver que a protegia da dor, de mais dor, mas eliminava tudo o resto.

Lá pela página 220, assistimos ao desmoronar psicológico e físico de Eleanor. 
É um vazio que nos entra no corpo e na alma. "... desprovida de amor, indesejada, danificada para lá de toda a esperança."
Confesso que tive que me recostar no sofá para atravessar aquelas páginas e aceitar aquela realidade.
Saber que existem momentos na vida das pessoas que o fio da lucidez se parte criou-me para além de um vazio, a capacidade de perceber que somos todos diabolicamente frágeis. 

Raymond, o amigo improvável, aquele que comia com a boca toda, aquele que ao longo do livro não teve mais do que gestos e atitudes de compaixão, amizade, protecção, resistência e amor desinteressado, foi a pessoa que dentro da sua atitude meiga lhe mostrou o caminho de volta.

Eleanor descobre que ao contrário do que julgava é respeitada e admirada por muitos. O caminho será amar-se e respeitar-se a si própria. Eleanor calca dentro de si a tragédia que lhe aconteceu quando tinha 10 anos. Aceita ainda dentro do seu subconsciente as reprimendas da mãe. Vive ligada a um estigma cuja libertação é dolorosa.

O livro é uma história de amor, não a história de amor entre um homem e uma mulher, mas de como a amizade pura e desinteressada entre um homem e uma mulher, entre os seres humanos, pode transformar a vida das pessoas.

É um livro a ler. Sempre a ler. Há muitas Eleanor Oliphant que passam por nós na rua. 

   







19 de junho de 2020


Carlos Ruiz Zafón


Também hoje, não venho falar de um livro mas de um escritor. Carlos Ruiz Zafón.
Foi com alguma perplexidade e profunda tristeza que soube da morte de Zafón.

Neste Blog tenho já dois Post´s sobre livros do autor. Lidos muito recentemente. 
Como referi quando referenciei o livro A Sombra do Vento, demorei anos a convencer-me que merecia a pena tentar ler Zafón.
Já fiz a minha meia culta aqui também, por ter perdido tanto tempo em indecisões. 
Há anos que poderia admirar Zafón, mas faço-o apenas há alguns meses.

Marina ficará sempre no meu imaginário. É particularmente arrepiante a referencia que o autor faz do livro. "À medida que avançava na escrita, tudo naquela história começou a ter sabor a despedida e, quando a terminei, tive a impressão de que qualquer coisa dentro de mim, qualquer coisa que ainda hoje não sei muito bem o que era, mas de que sinto falta dia a dia, ficou ali para sempre."  

Marina era um dos seus livros favoritos. Li-o o mês passado, encantada com as palavras do escritor na contra capa. 
Editado pela primeira vez em 1999, é a história que precede o universo de O Cemitério dos Livros.
É um livro marcante, com aquele final de história que nos atravessa por inteiro, e que nos deixa sem palavras.
Zafón tinha muito disso, frases e textos que nos deixam sem argumentos, completamente desacautelados.





Deixo aqui as frases que mais me marcaram! Um pequeno caminho para a grande descoberta de Zafón!


"Aqui estão as recordações de centenas de pessoas, das suas vidas, dos seus sentimentos, das suas ilusões, da sua ausência, dos sonhos que nunca chegaram a realizar, das decepções, dos enganos e dos amores não correspondidos que lhes envenenaram as vidas..." 

"Não se pode entender nada da vida enquanto não entendermos a morte."

"As derrotas em silêncio sabem melhor..."

"... a vida de artista é uma vida de risco, incerteza e, quase sempre, de pobreza. Não se escolhe; ela escolhe-nos a nós."

"-O tempo faz ao corpo o que a estupidez faz à alma-"

"-A verdade não se encontra, meu filho. Ela encontra-nos a nós."

"O que fica de nós são as nossas acções, o bem ou o mal que fazemos aos nossos semelhantes."

"...ninguém merece ter um cêntimo a mais do que aquilo que está disposto a oferecer àqueles que precisam mais do que ele... a vida nos costuma oferecer aquilo que não procuramos nela."

"O tempo não nos torna mais sábios, apenas mais cobardes."     





"Cada livros, cada volume que vês, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma de que os leu e viveram e sonharam com ele. De cada vez que um livro muda de mãos, de cada vez que alguém desliza o olhar pelas páginas, o seu espírito cresce e robustece-se."

"As palavra com que se envenena o coração de um filho, por tacanhez ou por ignorância, ficam endurecidas na memória e mais tarde ou mais cedo queimam-lhe a alma."

"Dizia-me que existimos enquanto alguém nos recorda."

"...com o tempo verá que o que conta ás vezes não é o que se dá, mas o que se cede."

"Falar é de ignorantes; calar é de cobardes; ouvir é de sábios."

"O coração da fêmea é um dédalo de subtilezas que desafia a mente grosseira do macho trapalhão. Se quiser de facto possuir uma mulher, tem de pensar como ela, e a primeira coisa é conquistar-lhe a alma. O resto, o doce envoltório macio que nos faz perder a razão e a virtude, vem por acréscimo."








18 de junho de 2020


José Saramago


Hoje não venho falar de um livro em particular mas de José Saramago. 
O escritor particular. Não um escritor, mas O escritor.

Hoje comemora-se 10 anos sobre a morte de Saramago, e o meu post de hoje, não é para falar da Terra de Pecado, ou do Manual de Pintura e Caligrafia, nem do Levantados do Chão, tão pouco do Ano da Morte de Ricardo Reis. Também não quero falar de O Evangelho segundo Jesus Cristo, nem de Todos os Nomes, nem do seu Discurso de Estocolmo, muito menos do Conto da Ilha desconhecida.
Ficará para outro dia falar de O Homem Duplicado e de As Intermitências da Morte.

A minha vontade de ler começou cedo, mas a minha vontade de ler José Saramago não.
Atravessei toda a minha adolescência e grande parte da minha idade adulta a colocar de lado qualquer titulo que me aparecesse de José Saramago. 
O único livro que comecei a ler foi o famoso Memorial do Convento, que na altura não estava inserido no programa escolar, mas não passei dos primeiros capítulos completamente desiludida com a narrativa.
A polémica em volta de O Evangelho segundo Jesus Cristo, provocada pelo Governo de Cavaco Silva não ajudou e as "farpas" trocadas com António Lobo Antunes, meu escritor de eleição nessa época moldaram e distorceram a minha opinião sobre o escritor.

Nós mudamos tanto ao longo dos anos... é difícil prever quais serão as nossas mudanças.

Há alguns anos, creio que em 2017, a minha irmã fez uma viagem a Lanzarote, visitou a casa de Saramago, a Biblioteca onde escrevia e todas aquelas imediações, e veio de lá no mínimo eufórica, deslumbrada e completamente apaixonada por Saramago. Trouxe impresso o Discurso de Estocolmo que me emprestou e já fazia projectos dos livros que queria comprar e ler.

Estranhei tanta euforia e depois entranhei...
Movida pelo entusiasmo comprei As Pequenas Memórias num alfarrabista numa feira e deixei-me levar pela criança que fui.
Não sei se comecei pelo melhor ou pelo pior, sei que As Pequenas Memórias antes de ler e ver as histórias de Saramago permitiu-me ver e ler o escritor.
Dentro do ar altivo e a raiar a arrogância que mais não era do que timidez, estava um ser humano que tinha tido uma infância igual aos meus avós e há minha mãe. 

"A criança que eu fui não viu a paisagem tal como o adulto em que se tornou seria tentado a imaginá-la desde a sua altura de homem. A criança, durante o tempo que o foi, estava simplesmente na paisagem, fazia parte dela..."

Foi um bom começo, ou recomeço.
Hoje a minha relação com José Saramago é de profundo respeito e admiração. Aos poucos fui lendo outras obras do escritor e as ideias ataviadas que tinha foram-se dissipando e esfumando para o buraco da vergonha.
Compreendo hoje, que muitas vezes fazemos juízos de valor baseados em ideias importadas de outros e que nem sempre temos a coragem ou a vontade de tentar perceber a sua razoabilidade.
Vivemos presos pela opinião dos outros. Temos dificuldade em nos separar dos rebanhos.

"Não se sabe tudo, nunca se saberá tudo, mas há horas em que somos capazes de acreditar que sim, talvez porque nesse momento nada mais nos podia caber na alma, na consciência, na mente, naquilo que se queira chamar ao que nos vai fazendo mais ou menos humanos."

A minha prateleira José Saramago, hoje está quase completa e de vez em quando acrescento um titulo do escritor ás minhas leituras. Aos poucos lá vou preenchendo as lacunas de anos e anos de ausência, mas desgraçadamente não consegui acabar O Memorial do Convento...não consigo, não consigo.

Compartilhando a opinião no Blog literário da WOOK, "José Saramago, um dos mais importantes escritores portuguesas e um dos maiores romancistas da segunda metade do século XX, morreu há precisamente uma década. Ainda que ele nos tenha deixado, continua entre nós. Porque algumas pessoas morrem e outras, não."

Deixo-vos um paragrafo (mais um!), do livro As Pequenas Memórias, para nunca nos esquecermos que mesmo por detrás de um escritor passou uma criança e aquilo que nós fomos, é aquilo que nós somos.

"Não sei como o perceberão as crianças de agora mas, naquelas épocas remotas, para as infâncias que fomos, o tempo aparecia-nos como feito de uma espécie particular de horas, todas lentas, arrastadas, intermináveis. Tiveram de passar alguns anos para que começássemos a compreender, já sem remédio, que cada uma tinha apenas sessenta minutos, e, mais tarde ainda, teríamos a certeza de que todos estes, sem excepção, acabavam ao fim de sessenta segundos..."








13 de junho de 2020


Chuva Miúda - Luís Landero



Tudo na capa merece a compra do livro. Adoro as capas dos livros!
Um cavalinho de madeira da nossa infância e duas frases do escritor Manuel Vilas que mereceram a minha atenção.
Nunca considerei que o livro pudesse desiludir, e a verdade é que se revelou de variadíssimas formas.

Uma família aparentemente normal com três filhos. Uma mãe que fica viúva cedo. Caminhos que se cruzam e descruzam sem soluções.

A personagem que mais impressiona é Aurora. A sua capacidade de encaixar é estóica. Pela sua originalidade, creio que é a mais bem conseguida. Não encontramos no nosso caminho muitas pessoas assim.

O livro acaba por nos ser demasiado familiar, expõem-nos até nas nossas fragilidades.
Dei por mim a relembrar certas situações de conflito familiar e a entender que a maioria dos nossos caminhos não são construídos por atitudes boas ou más, mas muito depende como cada um de nós encara o momento e enfrenta o perigo.
Um acontecimento têm várias leituras, tantas quanto o número de pessoas que o assiste.

Sónia, Andrea e Gabriel, os três irmãos que crescem com uma mãe viúva. Todos juntos, não tem o mesmo conceito da realidade que existiu e as suas memórias e lembranças são tão dispares e difusas que nos ariscamos a opinar que não viveram a mesma realidade. Mas viveram!
Aurora, mulher de Gabriel é a confidente de todos eles. 

Rancor, é a palavra para os definir aos três.
A meio do livro, lá pela página 127, cheguei á conclusão que Sónia e Andrea eram aquelas que nunca se contentavam com nada e Gabriel aquele que se contentava com pouco.
Mudei algumas vezes de opinião, especialmente em relação ao Gabriel.
A mãe no entanto é a que menos desabafa, a que menos se expõe nos seus sentimentos, mas a que é mais exposta pelas filhas. Tida como fria e sem amor, é a desculpa perfeita para os erros cometidos, e as vidas perdidas.
O seu comportamento pode ou não ser justificado, depende do ponto de vista de quem lê. Uma liberdade que o autor nos deixa.
A mãe é uma personagem de extremos... ou se ama, ou se despreza. 
É também uma personagem forte, alguém que teve de fazer de mãe e de pai, colocar comer em casa, dinheiro, educar e pensar no futuro. Faltou-lhe o amor declarado, a palavra amiga, o carinho, um beijo, um abraço. Mas tem de sobra convicção, capacidade de se reinventar, arregaçar as mangas e caminhar em frente.
A perfeição humana é algo que nunca alcançaremos.

Sónia escondeu-se na dor, Andrea revoltou-se no seu imaginário, e Gabriel criou um mundo de teorias filosóficas para fugir da realidade. 

Todos eles fogem... 
A falta de capacidade que tiveram para viver. A desordem das suas vidas. Os seus sonhos desfeitos. Os erros cometidos. A culpa nos outros.
Todos nós em demais ou em de menos nos sentimos assim. Faz parte da vida.
Aquilo que eu vejo e sinto, apesar de ser aquilo que quem comigo partilha o momento, não é aquilo que eles vem ou sentem.
A desordem deles é que nunca saíram deste pé. Ficaram agarrados a esta muleta da culpabilização alheia para as suas desgraças e a vida passou por eles, sem se darem conta.

O ciúme. O egoísmo...
Aurora apresenta-se como a personagem normal dentro da anormalidade familiar, mas sucumbe ao peso do sofrimento e egoísmo alheio. Está ali para ouvir, ouvir e ouvir...
Todos estão tão preocupados com os seus próprios dramas, que se transformam em egoístas e não tem qualquer empatia pelos outros. Têm alguma, mas muito pouca. Breves frases... nenhum gesto!

Luís Landero é extraordinário nisto. Numa história sem grande enredo, mostra-nos de uma forma ligeira, a verdadeira natureza de todos nós.
Aquilo que eu vivo e como o vivo e assimilo para mim própria é bem diferente daquilo que quem vive ao meu lado vive e assimila.

Isto explica muita coisa! Aí se explica!

Uma nota especial á capa do Livro!
Gosto muito das capas dos livros. São a minha primeira paixão! Compro livros pela capa. 
Esta é verdadeiramente bonita!  




10 de junho de 2020


Valéria ao espelho - Elísabet Benavent





"A minha geração já se sentia muito livre; éramos mulheres trabalhadoras, com preocupações intelectuais e um certo grau de ambição profissional. Controlávamos a maternidade, relegando o papel de mães para o momento em que nos apetecesse, se nos apetecesse. Estávamos bem formadas academicamente e preparadas para o mundo laboral. Falávamos de sexo com naturalidade e já não dependíamos de ninguém. Mas... em muitos casos, isto mais não era do que uma enorme falácia. A verdade é que continuávamos a depender de forma doentia dos homens no plano sentimental..., questão que afectava tuuuudo o resto. Lola era, sem dúvida alguma, um exemplo de mulher evoluída."

Arriscadamente e como tem sido sempre o meu defeito fui a correr ler a Valéria ao espelho, para não deixar esfriar a paixão e a dependência causada pelos Sapatos de Valéria.

Com tudo encaminhado no primeiro livro, achava eu (ignorância pura!), que este livro seria um edílio de felicidade de todas as personagens. Bem! Não de todas... Mas dentro das expectativas de cada uma considerava que talvez a mais difícil de realizar seria a de Carmen. (Puro engano!)

Pois bem! Nada disso... engane-se quem vai para este segundo livro da vida de Valéria a pensar que vai acompanhar ao vivo uma lua-de-mel constante e a felicidade permanente.

Gostei particularmente do primeiro livro e o já referi aqui no Blogue. Foi talvez dos Post´s que mais prazer me deu em escrever de tão entusiasmada estava com a leitura.
Considerei o livro fantástico pela forma como foi contada a história. Considero que a forma estóica como a Valéria "resistiu" ao avanços sedutores de Vítor, tornaram toda a história apetecível.
Dos outros sentimentos já referi no outro post, e não quero repetir-me, até porque ele está mesmo há mão de semear para quem queira deitar uma vista de olhos.

Neste Valéria ao espelho, a minha sensação já é mais contraditória, e o livro nem sempre me agradou.  
Começou por ter uma primeira parte carregada de sexo, e sem conteúdo. Aquilo que tinha sido trabalhado com paciência no primeiro livro tornou-se nesta primeira parte do livro bastante corriqueiro e aborrecido. 
As personagens evoluem pouco até meio do livro, e a relação de Valéria e Vítor torna-se bastante repetitiva.
A sorte são as amigas de Valéria, que nesse entretanto começam a definir as suas próprias personagens. 
Carmen avança para a sua relação com Borja de uma forma mais madura (nunca pensei!), Lola, assume o comando da sua vida sentimental (coloca Sérgio no seu lugar), e volta a ser a mulher que é e sempre será, e Nerea tem um percalço na sua relação com Daniel que lhe começa aos poucos a abrir os olhos para as suas fragilidades.

No entanto Valéria parece-me contraditória e as suas atitudes começam a desafinar.
No final dos Sapatos de Valéria a personagem acaba com o seu casamento de 6 anos com Adrián.
Sem pensar Valéria, segue o seu romance com Vítor, e essa relação começa a ser regulada pelo medo. 
Medo de estar a ser usada, medo dos seus sentimentos, medo de se perder mais uma vez.
Com tantos medos e tantas dúvidas, Valéria abandona Vítor sem razões aparentes quando tudo estava a ficar encaminhado para uma relação duradoura.
Vítor que começava a aprender a amar e a assumir compromissos...
Não culpo Valéria... Vítor mostra-se nos pontos chave também ele contraditório e deixa Valéria meio perdida. 

Confesso que em muitas passagens do livro, não entendi nem as reacções nem as atitudes de Valéria.
É a personagem mais insegura da história, e neste livro, demonstrou em certas alturas alguma banalidade.
Demasiado receosa a partir de certa altura, paga caro a sua impetuosidade inicial.

Para Valéria o final do livro tem um sabor amargo porque já nada será como foi! A desconfiança mata, o medo mata!

Pela positiva temos a história de Carmen, que a meu ver foi a mais bem conseguida em todo o livro. Ainda nos ensina muita coisa.

P.S.
Tal como no Post  que escrevi sobre Os Sapatos de Valéria, também neste quero deixar um aparte. 
Não considero que estes dois livros serviam como fim maior julgar ninguém, nem sequer as atitudes das suas personagens. 
Também não me considero ninguém para saber se a vida da maioria das pessoas é assim ou não, nem tenho e nem quero fazer juízos de valor. Acho que estas histórias de Valéria não servem para isso.
Apenas sou uma pessoa que gosta muito de ler e escrever sobre o que leio, e que tenta fazer uma crítica construtiva daquilo que eu penso do livro que li. 
Também considero que a leitura para além de ser um prazer, também nos deve ensinar alguma coisa e ver aquilo que se passa há nossa volta com outros olhos.
Sei, por experiência própria que a cabeça da mulher deriva muito da sua natureza, e que a evolução do próprio conceito feminino não retirou á mulher a capacidade de amar e muito menos a dependência sentimental.
Apesar de todos os riscos e de todas as perdas que isso traz há Mulher, é sem dúvida um bem maior!

Haverá mais livros de Valéria, isso é certo.
Temos mais de 600 000 exemplares vendidos só em Espanha e uma série na Netflix que promete ser um sucesso.
O meu profundo desejo é que Valéria no próximo livro, recupere, sem perder o seu prazer (porque também a isso temos o direito), o equilíbrio.

Depois disto, bora lá ver a série no NETFLIX!!!! 

Hãaa! Três vivas há Lola... personagem descomunal!


5 de junho de 2020


Nos Sapatos de Valéria - Elísabet Benavent



Sei que não devia... que prometi a mim mesma que esperava para acabar de ler o segundo livro "Valeria ao espelho", para criar um post conjunto sobre as duas obras.
Mas acreditem, é mais forte do que eu e não posso esperar!

Estou como Valeria, mas não me interpretem mal, estou como Valeria, mas noutro sentido. 
Estou incapaz de me controlar e esperar seja que tempo for.

A capa do livro é bem razoável...  não nos mente. "AVISO: PODE CAUSAR DEPENDÊNCIA!"
A verdade é que não falha, e a dependência criou-se.

Lola, Carmen, Nerea e Valeria. Quatro amigas!
Quem não queria ter um grupo de amigas assim! Acho que é o sonho de qualquer mulher, ter um grupo de amigas onde se possa falar de tudo, sem condenações. E quando digo, falar de tudo, é mesmo expor tudo!

O livro é ousado por isso mesmo, pela exposição clara e franca que faz da mulher. 
Da maneira como mostra quatro mulheres na sua total essência e sem condenações. 
Os sentimentos das mulheres são uma teia de aranha diferente, mas a elas também não falta prazer.

Que murro no estômago!

"Que a tua mão esquerda não saiba o que fazes com a direita; se não quiseres que uma coisa se saiba, não a contes."

NOTA - 
Antes de terminar gostaria de dizer uma coisa!
Acredito que algumas pessoas (muitas!) terão ao ler o livro uma ideia diferente da minha. Aparentemente e se me debruçar um pouco mais sobre a história diria até que as personagens parecem pela idade que tem (roçam os 30 anos), um pouco infantis nas atitudes que tem e na forma como se relacionam com os homens. 
Algumas atitudes podem pelo exagero como são contados apelidadas de "promiscuas". 
Á parte disso, como mulher, e porque as mulheres acima de tudo são julgadas por todas as suas acções vejo na história que é contada, não uma cedência a desejos contidos, mas aquilo que mais acontece nos lares familiares... maridos e mulheres que se desenganam (deixam de se amar!) sem terem a noção de quando ou porque aconteceu.
O amor muitas vezes acaba, desaparece, e o que sobra são duas pessoas que vivem na mesma casa.
A traição, o desejo e a luxuria, são apenas as consequências disso e não a causa.

Quando falo em murro no estômago, falo na capacidade que a escritora teve de apresentar essa verdade.
Como mulher vou acreditar sempre que nenhuma mulher olha para o lado quando ama e é amada em casa.
Das críticas que li sobre o livro aquele que mais me salta á vista é que estamos perante uma leitura leve. 
Não acho "leve". Considero até que tem muito para reflectir. 
Os sentimentos e os desejos de uma mulher nunca devem ser vistos de forma "leve".

"Porque cada coisa acontece quando deve acontecer."