30 de maio de 2020

Marina - Carlos Ruiz Zafón



Tinha intenções de ler o livro em cinco dias, mas demorei menos de três.
Apanhou-me logo na primeira página, ainda o autor ia no prólogo. 
A história ainda estava por começar.
"de todos os livros que publiquei desde que comecei neste estranho ofício de romancista, lá por 1992, Marina é um dos meus favoritos."
"Marina é possivelmente o mais indefinível e difícil de catalogar de todos os romances que escrevi, e talvez o mais pessoal"
A história é uma vertiginosa alegoria a um amor jovem condenado á nascença. Para nos distrair desse enredo Zafón monta uma história quase fantástica de seres transfigurados que o narrador, Óscar e a sua amiga Marina tentam descobrir.

Quando li o prologo do livro tive a tendência para caminhar apenas por um caminho da história e esperei sempre que o desaparecimento de oito dias e oito noites a que Óscar se refere no inicio, tivesse relacionado com a fantástica história da vida  de Mikhail Kolvenick.
Essa história mirabolante, que roça as histórias fantásticas, com seres estranhos e deformados toma conta do livro e Zafón obriga-nos pelo caminho que nos traça, a colocarmos de lado aquilo que realmente é importante dizer. Isso fica para o fim. Todo o livro é um preâmbulo para o fim que nos espera a todos.
"Só desaparecem as pessoas que têm lugar para onde ir."
Ainda estamos no prologo e estamos longe de perceber a razão desta afirmação.

Óscar e Marina são duas personagens improváveis que se conhecem por acaso. São jovens, devem de rondar os 15 a 16 anos.
Óscar vive num internato, longe e esquecido pela família e Marina vive com o pai, não vai há escola, e habita uma casa antiga, isolada, desprezada e desgastada e sem acesso á electricidade.
Germán, pai de Marina tem uma história de vida cativante, e Marina é uma mulher madura dentro de um corpo de adolescente. Óscar é impulsivo e como toda a juventude age perante as situações de forma irreflectida. 

Marina apresenta a Óscar o mistério da campa desconhecida, mas a sua valentia fica por aqui. Depois as despesas da acção e a procura da verdade ficam por conta de Óscar.
Essa impulsividade de Óscar não retira a Marina o papel principal. Maria é o centro da história.
É como já referi a menina grande. É da sua boca que saem as grandes frases.
"- Não se pode entender nada na vida enquanto não entendermos a morte."
Óscar não passa de um rapaz sem rumo e sem sonhos. Marina dá-lhe esse rumo e esses sonhos.
"Quem não sabe para onde vai não chega a parte nenhuma."

Desde a página 159 que é impossível pousar o livro. Li até ao fim de um fôlego.
O desvendar da história de Mikhail Kolvenick, a morte do Polícia Florian, a verdadeira identidade de Maria, o incêndio do Teatro Real.
A loucura dessas horas. O fim da aventura, e o caminho que se fecha entre Óscar e Marina.
Confesso que não pude conter as lágrimas no final.
"Passamos com frequência horas abraçados sem falar, sem nos movermos. Uma noite, era quinta-feira, Marina beijou-me nos lábios e sussurrou-me ao ouvido que me amava e que, acontecesse o que acontecesse, me amaria sempre!"
Esperei desde o inicio da história por esta frase. Marina amava Óscar assim como Óscar sempre amou Marina.
" À medida que avançava na escrita, tudo naquela história começou a ter sabor a despedida e, quando a terminei, tive a impressão de que qualquer coisa dentro de mim, qualquer coisa que ainda hoje não sei muito bem o que era, mas de que sinto falta dia a dia, ficou ali para sempre."
Este é um desabafo do autor sobre o livro. Vem na contra-capa. Foi das primeiras coisas que li.

Da minha parte só posso dizer, à medida que avançava na leitura, e chegava ao fim, tudo me sabia a despedida, e quando a terminei senti a falta de qualquer coisa que perdi para sempre. Marina.
  

27 de maio de 2020


A sombra do que fomos - Luís Sepúlveda




Que saudades de Luís Sepúlveda!

Em tempos devorava tudo o que aparecia do escritor. Achava as suas histórias envolventes e marcantes.
A escrita era carregada de situações trágicas, vidas amputadas pelas origens da realidade, mas sempre com um travo de esperança. - Sim, para mim, a melhor palavra que define o escritor é esperança.
Sepúlveda consegue arrancar-nos um sorriso, até em cenários de desolação.

Mais tarde vieram as histórias para crianças, mas sempre com candura... ensinou aos nossos filhos entre uma baleia, um gato ou um caracol, aquilo que se tem de procurar, a razão da nossa luta.

Descobri há alguns anos que o escritor Chinelo, participou activamente na Resistência á Ditadura no seu país. Chile.
Foi um exilado politico, e transpôs para a maioria dos seus livros essas experiências. Quando não são estas, são as questões ambientais.
Contudo não podemos dizer que os seus livros sejam gritos de raiva ou de rancor, mas faz-o com aceitação de uma realidade que existiu e da qual não se pode separar dela.
Neste livro " A sombra do que fomos", Sepúlveda retrata mais uma vez a Resistência.
A ditadura Chilena, fez como em outros países por onde passaram Governos opressores exilados políticos. Sepúlveda foi um deles.
Alguns desses exilados regressam ao Chile, e o livro fala da experiência desses homens e mulheres que não se sentem de terra nenhuma, nem no Chile que abandonaram perseguidos, nem nos países que os receberam.
Seremos sempre estrangeiros em terra alheia e desconhecidos na nossa própria terra.

Desilusões, falta de sonhos, ideais políticos sem sentido na veracidade actual.
Agarrados a um passado de luta "Sou a sombra do que fomos e enquanto houver luz existiremos", não sabem caminhar neste novo mundo, que contém a liberdade pela qual tanto lutaram, mas desprovida de tudo o resto.

Sem chocar o leitor, Sepúlveda abre em pequenos diálogos aquilo que terá sido a repressão chilena.
"Muitos homens e mulheres que se conheciam negaram-se a si próprios numa epidemia de amnésia necessária e salvadora"
Resistentes, derrotados. Esta é a história que se conta neste livro "também não tinha qualquer dúvida de que, para os derrotados a vida se tinha transformado num banco de nevoeiro."

A sombra do que fomos também é uma alegoria há vida comum.
Aos nossos filhos que ainda acreditam que o mundo é cor-de-rosa, que a alegria está há distância de um teclado, basta um livro pequeno, quase de bolso como este para perceberem que existe "uma linha fina que separa o delinquente da vítima do acaso." 
Os nossos filhos que não sabem o que é a ditadura, nem o que significa Resistência. 
Vivem num limbo de liberdade e realidade virtual. Mas a ilusão é grande, o perigo é imenso.

Ilusões, não tem nenhuma das personagem deste livro. Esses são os valentes.
Mas como diz Sepúlveda "Os valentes não existem, só as pessoas que aceitam caminhar ombro a ombro com o seu medo."

Que saudades que eu tinha de Luís Sepúlveda! 

25 de maio de 2020


A Morte do Papa - Nuno Nepomuceno



"- A vida que nos foi dada por Deus é infinitamente preciosa!
Ainda mais do que a doutrina feita pelo homem.
O Papa Mateus fez uma ligeira pausa, ganhando fôlego. Concluiu:
- Preservemo-la bem, pois não tem preço."

Fiquei indecisa quando comprei este livro... recebia com frequência publicidade no "Facebook" sobre o autor e o nome não me suava estranho, apesar de não conseguir identificar onde, quando e porquê!

Ainda estive com o titulo "A última Ceia", na mão, mas nesse dia acabei por não comprar nada, e quando voltei á livraria já estava disponível "A Morte do Papa".
 Assim como assim, começava pelo fim! 

Não sou "doida" por Triller´s. Pelo menos nos tempos actuais. Mas já o fui em outras ocasiões. 
Não considero que seja um estilo menor, muito pelo contrário, pois um bom triller agarra o leitor ao livro como uma lapa inoportuna e os nossos níveis de adrenalina ficam visivelmente alterados.

Houve alturas em que a leitura desses livros me proporcionava essa adrenalina necessária, assim como as séries na TV até ás primeiras horas da madrugada.
Com os anos fui trocando tudo isso por leituras com outras realidades e deixei a TV de lado.
Como tudo na vida, volto á TV e ás séries, agora por outra mão (Netflix), e aos Triller´s, mas de uma forma completamente diferente. Mais reflectida e com outra qualidade.

Há bem pouco tempo li o livro de João Tordo, e voltei a interessar-me por este género literário. Daí até ao "A Morte do Papa" de Nuno Nepomuceno foi um passo.

O livro em si está muito bem escrito. A história é envolvente e contada de forma aprazível. 
Tem um andamento coerente e em momento algum nos perdemos em algum caminho. 
O final, ou seja o assassino do Papa é uma surpresa. Não podemos bem chamar assassino, diria mais que foi um descuido. De qualquer das formas o próprio Papa não poderia sobreviver aquela noite, pois as razões para a sua morte eram muitas.

Pelo caminho o autor apresenta-nos outros mistérios por desvendar, que não estando completamente ligados, fazem parte da mesma intriga.
Nepomuceno consegue sempre manter-nos vivo o interesse pela morte do Papa, mas ao mesmo tempo leva-nos para outros mistérios que queremos ver resolvidos.

A história é baseada em factos relacionados com a morte do Papa João Paulo I em 1978. 
Esta sim, uma história real. 
Nepomuceno, agarra nesses factos e reescreve uma narrativa nos nossos tempos actuais. 
A Santa Sé não é aqui representada da melhor maneira, mas quem acredita que os homens estão acima de Deus ou ao mesmo nível de Deus é que ainda poderia ter ilusões na humanidade.
Somos todos homens, e como homens imperfeitos!
No entanto como o próprio escritor já citou em tempos a "Religião pode ser o que de mais perigoso há no mundo."

Pelas pesquisas que já fiz para os outros livros do Nuno, o escritor recupera uma personagem regular, Afonso Catalão. Não sendo a personagem principal encaixa em todo o livro e é a meu ver a personagem mais completa.
Há vários mistérios a resolver. A morte do Papa, o desaparecimento de uma adolescente na Cidade do Vaticano há quinze anos atrás. A identidade de um delator que utiliza uma plataforma digital para enviar informações para os média, e os crimes e ilegalidades que sobejam pelos Cardeais, pelos Padres, secretários e quase tudo o que mexe dentro da Cidade do Vaticano.

Tudo se dá a conhecer no fim, e com imprevisto. 
Considero apenas que a morte do segundo Papa acaba por ser um pouco forçada no final do livro.
Como diz a contra-capa do livro "Pleno de reviravoltas e volte-faces surpreendentes, intimista e apaixonante", e de acordo com a nota final do autor inspirado em sólidos factos reais.

Envolveu um grande trabalho de pesquisa e uma grande capacidade do autor em transformar esses factos reais numa história totalmente original.
Acredito que irei ler em breve os outros títulos do autor. Descobri também e com grande surpresa que o Nuno Nepomuceno nasceu nas Caldas da Rainha. Ora aí está uma coisa que temos em comum! Eu bem me parecia que não me soava estranho!

Uma nota á autora da capa do livro; Belíssima!



20 de maio de 2020



[A]RISCAR EM CASTELO DE VIDE - Luís Pedro Cruz



Foi com surpresa que numa visita á Livraria Ler Devagar, em Óbidos encontrei este livro.
Castelo de Vide é a terra do meu avô paterno, e recordo com ternura algumas férias que por lá passei!

O livro é repleto de desenhos das casas, das ruas, dos fontanários, das paisagens e das igrejas... é o lugar em si, mas em vez de ser pintado numa tela ou imortalizado numa fotografia é desenhado em papel branco e lápis de carvão 2b.





Em 2018, no final de Agosto, e ao fim de mais de dezasseis anos, voltei lá com a minha filha para lhe poder mostrar o que é Castelo de Vide.
Foi um regresso emocionado a uma terra de sossego, que acima de tudo nos traz paz e simplicidade.

Acredito que quem nunca por lá tenha parado o livro diz pouco, mas é um grande guia turístico para quem gosta de explorar os lugares alheios. Pode até criar o bichinho do interesse, e aproveitar o livro para umas férias cá dentro e leva-lo consigo e tentar descobrir cada canto desenhado no livro!






A vila ainda é marcadamente judaica. Aliás estamos numa zona do país em que existem ainda muitas marcas evidentes, tanto dos Judeus como dos Muçulmanos. A própria construção das casas mais antigas, as Judiarias que ainda existem, e mesmo os costumes e tradições. Falo da Páscoa que em Castelo de Vide ainda é celebrada com tradições antigas judaicas. 
Não esquecer... Jesus Cristo era Judeu!

Para quem já lá foi o livro é mais vivo. É engraçado comparar o que se viu e descobrir o que ficou por ver. Pode ser uma desculpa para lá voltar.
E lá voltar, nunca é tempo perdido.


Para mim que tenho Castelo de Vide no coração, o regresso é sempre uma graça. E não o digo por ser terra do meu avô, digo porque sempre que lá fui senti que era lá um dos meus lugares.
Assim como sinto Óbidos como meu lugar, Benedita ou Fátima.
Lugares onde a paz está comigo.


"Já na fonte, esta convoca-nos á concentração e permite retemperar forças. Tudo á volta é íngreme, tudo á volta converge para ela e aqui descansa-se. depois reiniciam-se novos percursos." pág.114

Estes caminhos são verdadeiramente peregrinos.
Voltei a fazê-los em 2018, num final de tarde de calor abrasador e o "bálio" das ovelhas ao longe, a Serra que se estende até perder de vista, a calma e o sossego, enfim a paz que nos invade, nos leva para um retempero do corpo e da alma que até aí não acharia possível em circunstância alguma.


Mais do que aconselhar o livro, aconselho também uns dias em Castelo de Vide e em tudo o que o rodeia.
O Alentejo tem outro aroma!




18 de maio de 2020


Os Herdeiros da Terra - Ildefonso Falcones


Barcelona, 1387



"Dez anos depois de A Catedral do Mar, Idelfonso Falcones, regressa a esse mundo que tão bem conhece, a Barcelona medieval. e fá-lo de forma magistral, numa obra que recria na perfeição a efervescente sociedade feudal, submissa a uma aristocracia volúvel e corrupta, ao mesmo tempo que narra a luta de um homem para sobreviver sem sacrificar a sua dignidade."

Não esperei dez anos para ler o segundo livro de Idelfonso Falcones sobre uma Barcelona medieval.
Li a A Catedral do Mar, há certa de 2 anos, no Verão de 2018, e na altura não iniciei logo este livro devido ao seu tamanho. Não é fácil andar com um livro de 880 páginas, principalmente quando tenho como costume carregar os livros por onde quer que vá.

Este foi ficando para trás, e a oportunidade veio agora com o confinamento imposto pelo Covid-19.

A formula é a mesma da  A Catedral do Mar, a história que começa na infância de Hugo Llor, até ao limite dos seus sonhos... o livro atravessa certa de 40 anos da vida desta personagem, assim como A Catedral do Mar atravessou toda a vida de Arnau Estanyol.

É um livro que se lê de uma forma suave e com alguma paciência. Ao contrário de um Triller não andamos há caça de nenhum criminoso, mas temos há nossa frente um espelho daquilo que é a vida dos homens.

Humildade e fé... fidelidade, perseverança... amor...sofrimento, acima de tudo sofrimento
O limiar entre aquele que comete um crime é muito estreito, e as massas humanas tem muito que se lhe diga.
E não, as classes sociais não são todas iguais. O ser humano não tem todo os mesmos direitos, e a escravidão, a tortura e a religião são linhas que se ultrapassam por vezes sem crer ou pela força das circunstâncias.
Estamos em 1387 e tirando a questão da escravatura que já não faz parte da nossa sociedade, pelo menos há vista de todos, tudo o resto não evoluiu muito.

A cobardia é um tema central em toda a história. Mas a cobardia tem muito que se diga!
Hugo Llor, aos 12 anos fica órfão do pai que morre afogado no Mar. Tem uma irmã e uma mãe que ficam desprotegidas na vida. Arnau Estanyol, personagem principal de A Catedral do Mar, orienta a vida desta família desfeita... arranja trabalho para Hugo no porto, trabalho para a mãe numa casa e o lugar de serviçal para a irmã num convento. Nenhum deles atravessa a vida de forma fácil, despreocupada, serena... 

Arnau Estanyol acompanha muitas vezes Hugo e fala com ele, como se fosse um filho. Orienta-o. Tenta dar-lhe um caminho. E nas conversas que têm Arnau diz muitas vezes a Hugo. " Não te vergues a ninguém!"
Tentamos descobrir durante uma vida inteira a não nos vergarmos a ninguém, principalmente porque somos humildes e pobres e vivemos numa cidade injusta para com os pobres.

Para quem queira ter paciência para 880 páginas, não é de fugir da empreitada. O livro é bom. 
Deixa-nos um travo amargo na boca em algumas passagens, faz-nos ver a realidade indestrutível de um mundo desigual em 1387 em plena Barcelona.

Chegamos a 2020 e não conseguimos ultrapassar as desigualdades... esse é um sabor amargo que nos fica na boca. 

11 de maio de 2020





A vida no campo de Joel Neto

" Aprende a ser visitante na tua terra como a fazer-te de casa em terra alheia.
Cultiva o choque e o contraste, os cambiantes e as camadas. Mas não abandones o teu lugar..."



O livro é um diário dos dias calmos passados no campo, depois do escritor ter decidido trocar a grande cidade de Lisboa, pela terra de Lugar de Dois Caminhos nos Açores, na Ilha Terceira.

Compro livros por instinto, penso que com todas as pessoas é assim. Mas também compro livros depois de os ter namorado muito.
Este, depois de muito namoro, e porque não conhecia o autor, e depois de ter visto muitas críticas e pela capa (mais uma vez a capa). Faz lembrar a casa da minha avó materna... faz lembrar um pouco a minha infância.

Na feira do livro do Palácio de Belém de 2019, comprei-o depois de muito rodar, indecisa no que havia de levar. A lista era considerável e apesar da normalidade ser comprar on-line, esta era a minha oportunidade de ter contacto com os livros e assim poder escolher melhor.
Nunca tinha ido á feira do Livro do Palácio de Belém.Têm a componente livresca e a simpatia do Presidente.
Pode-se dizer que a Feira do Livro do Palácio de Belém de 2019, foi bastante produtiva, e os três livros que comprei, merecem todos uma referencia neste Blog.
Foi nessa feira que tudo começou, pois foi lá que comprei o livro "Ser Blogger". Foram as primeiras luzes de um caminho que agora começa e que espero seja longo e feliz

Enfim... estou a desviar-me do livro.

A Vida no Campo de Joel Neto, um escritor Português, que escreve candidamente.
É bonito ler Joel Neto, é fácil.
Fala da infância. O que temos de mais certo! Mas fácil e mais bonito... O que temos? Os privilegiados. Os amados.
Neste livro que é o primeiro de dois livros o escritor conta-nos em diário a sua vida numa vila da Ilha Terceira nos Açores.
Uma vida diferente, mais calma... mais vida!
Para quem vive numa grande cidade, este livro deve ser profundamente nostálgico. Consigo imaginar muita gente que vive na correria de um grande centro com grande vontade de experimentar esta forma de vida. Plena, simples, básica mas imensamente capaz.
Eu não me posso queixar, porque apesar de não viver na aldeia, vivo ás portas dela, tão ás portas que tenho como vizinhas estas minha amigas que se ouvem ao longe...


Enfim...estou a desviar-me do livro.

Na página 52, encontrei a minha razão do livro... o texto, a narrativa que nos ensina alguma coisa...todos eles têm...

"Aprende a ser visitante na tua terra como a fazer-te de casa em terra alheia."
"Mas não abandones o teu lugar" (não abandones as tuas ideias, aquilo que acreditas!)
"...enquanto puderes, ignora os arquétipos e aquilo que julgas esperarem de ti. Rejeita as unanimidades, as ideias definitivas, as equipas." (Pensa por ti, e não sigas as manadas!)
" E, quando te achares absorto (imerso nos teus pensamentos, distraído) de indignação (injustiça, desprezo, ira, repulsão), procura descer um grau para a perplexidade." (dúvida, indecisão)
"A perplexidade é o gesto mais negligenciado deste tempo. Não construas sistemas filosóficos em torno da tua perplexidade. Aprende a surpreender-te." (Aprende a amar-te, aprende a duvidar e a criar e acima de tudo aprende a entender...tudo. Aceita a dúvida e não tenhas medo das tuas indecisões, dos teus erros, e abre o espírito a todos os caminhos desta estrada)
"Não procures pertencer ao que não pertences. Não te envergonhes daquilo a que já pertenceste. Arrepende-te e tenta de novo. Soma hipóteses, em vez de as excluíres" (Não tires, acrescenta... não duvides, acredita, não te envergonhes, aceita, não te vergues, sê verdadeiro!)
"Deixa-te impressionar por aquilo de que não gostas- encantador será poderes começar a gostar disso também." (Como dizem as nossas mães, nunca digas que desta água não beberei.)
"Não sejas cínico: sê múltiplo" (que não é simples ou único)
"Aprende a povoar-te." (Ocupar, dotar, enriquecer, encher, plantar!)
"Ama o que puderes." (Não te esqueças, ama o que puderes, ama, ama... o que seria deste mundo se todos nós amassemos!)

Hoje, nesta terra que não é grande cidade nem é aldeia está a chover desde a hora do almoço, e agora está a trovejar, mas também aqui nesta terra que caminha mais para aldeia acredito como Joel Neto que "Num dia de temporal estou mais perto de acreditar em Deus."  

8 de maio de 2020

Livro «E, de Repente, a Alegria» de Manuel Vilas








Já aqui tinha falado anteriormente de Manuel Vilas.
Para mim, este autor é um dos grandes exemplos, em como Blog´s como este, críticos de livros, e todas as pessoas que falam de livros são importantes.
Não o encontrei nas estantes das livrarias, nem nas pesquisas exaustivas dos sites de venda on-line, mas na crónica de um jornal. (Não eu, mas meu pai!)
Reli bastantes opiniões em variadíssimos Blogues que pesquisei quando procurei inspiração para concretizar o sonho em construir o meu próprio Blogue.

O livro a que me refiro e que o antecede, é "Em Tudo Havia Beleza", e como melhor o podemos definir é pela palavra "Beleza".
Li algures, que se trata da história de um filho que tem de aprender a viver sem os pais.
É verdadeiramente intenso ler alguém que percebe tão bem o que a morte e a dor significam.
A lembrança evita o esquecimento...

É por isso com bastante alegria e expectativa que aguardo o lançamento deste segundo livro.
Para quem quiser encomendar pode também fazê-lo Aqui   







Criticas da Imprensa Espanhola

"Uma crónica de celebração vital, da procura da verdade e da beleza entre os estilhaços do medo" EL País

"A busca de uma verdade íntima e pessoal colocou Manuel Vilas nesse lugar raro dos escritores literários que sabem falar ás pessoas de tu para tu." EL Periódico

"E, de repente, a alegria é um livro poético e electrizante, que não é propriamente uma sequela de Em tudo havia beleza, mas sim um novo e duro olhar sobre o mundo. Uma dignificação da dor, da perda e dos processos que nos impelem a seguir em frente. Há algo solar neste livro. Há algo curador."
Joaquim Pérez Azaústre, La esfera de Papel, El Mundo

6 de maio de 2020

A NOITE EM QUE O VERÃO ACABOU
JOÃO TORDO

"Estou só a tentar dizer-lhe que, na ganância de encontrarmos um culpado, podemos ter-nos esquecido de que ninguém é inocente"

"Temos saudades de tudo, ou de quase tudo, não é? Infelizmente, a vida está-se nas tintas para os nossos sentimentos."

"Sobre a derrota, afirmei. Sobre tudo o que me aconteceu desde o Verão de 87, desde o momento em que conheci a Laura e provei o sabor do fracasso...a impossibilidade de sair vitorioso desta vida."


O livro tem 666 páginas. Um inconveniente! Dentro da mala, onde costumo carregar todos os livros que leio seria um peso bruto!

À primeira vista a capa também não me agradava, mas em contrapartida o autor sim.
Como dizem os Espanhóis "me agradava muitíssimo! Principalmente porque o livro saiu nas banca quando estava a terminar de ler "Ensina-me a voar sobre os telhados", outro colosso de João Tordo.

Fiquei indecisa, mas a minha irmã decidiu-se por mim, e recebi-o como prenda de anos. Encantada!
Os tempos que correm deram outro empurrão, e já que estou em casa por causa de um vírus, decidi que o melhor era ir lendo as "Bíblias" que tenho na estante, assim não tem de sair de casa e não me dão cabo das costas!

Confesso que já tinha perdido o interesse pelos chamados "Thriller", mas este comeu-me a alma.
Não sendo o crime perfeito, consegui sempre manter-me alerta sobre as várias possibilidades, e o "Thriller" propriamente dito vem também acompanhado por um sentimento de amor.
Quando falo de amor, não falo simplesmente de uma relação amorosa entre um homem e uma mulher, mas o amor na sua plenitude, em todo o seu sentido, em todas as suas formas.
Como o próprio autor diz em certa altura, é de amor que se trata, pois tudo gira á volta desse sentimento que não se consegue explicar.

Só muito no fim do livro, consegui por apenas duas ocasiões adiantar-me ás conclusões do autor, o que me deixou nas nuvens!

Com um livro deste tamanho e com um espaço temporal de 30 anos é normal que existam muitas personagens.
As que mais me marcaram foram o Narrador, o Português Pedro Taborda, que vai atrás na história até aos seus 13 anos. Um Português mesmo Português, cujas características são mais vincadas quando está no meio americano.
Em torno de um Português existe sempre a Saudade, a Tristeza e a melancolia.

Laura Walsh, uma personagem indefinida, distante, isolada no seu caminho.
É digno de nota a paixão de Pedro por Laura em todo o livro e Laura nunca dá conta e até reage com surpresa quando quase no fim do livro Gary List lhe diz na cara.
Poderemos pensar que é impossível que ela não tenha dado conta, 30 anos e não deu conta! Claro que deu, mas o que Laura queria não era paixão. Não era com paixão que ela olhava para Pedro, mas com o amor de um irmão.

No entanto Gary List, um escritor de meia idade em decadência numa América que encontra ídolos e se desfaz deles todos os dias, é para mim a personagem mais marcante, mais inteira, mais perfeita!
É curioso, mas em todos os livros de João Tordo fica-me sempre um personagem, muitas das vezes até secundária, que preenche tudo por onde passa, e nos liberta a alma.
Consegui até rir ás gargalhadas numa conversa entre Gary List e Laura Walsh, algures na página 578.
O encontro inicia-se na página anterior quando Pedro e Laura vão visitar Gary List, antigo professor de Pedro, e estende-se por muitas páginas. Gary List é genial nas suas reflexões.

Resta dizer que apesar de 666 páginas meterem respeito, é um livro muito fácil de ler. Ás tantas dás por ti com 80 /100 páginas lidas e sem vontade de largar o livro.
Mais uma vez João Tordo me encantou!

4 de maio de 2020





ESCREVER SEMPRE A MESMA COISA

Albert Cossery, sobre os escritores, sobre como estes reescrevem o mesmo livro sob roupagens diferentes:
« nunca sei quando vou acabar um livro. Devo dizer-lhe que não me apresso porque escrevo sempre o mesmo livro. [...] A mesma ideia encontra-se em todos os meus livros, trabalhada de formas diversas. O verdadeiro escritor dispõe de um material limitado que é a sua visão do mundo»

Afonso Cruz - Jalan Jalan - Uma Leitura do Mundo