31 de outubro de 2021

 


7 DIAS, 7 POEMAS




Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda muito mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...

Não sabia que caminho tomar
Mas o vento varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.
Assim tem sido sempre a minha vida, e assim quero que possa ser sempre - 
Vou onde o vento me leva e então não preciso de pensar.


Obra completa de Alberto Caeiro

30 de outubro de 2021

 


MENTIRAS CONSENTIDAS - HJORTH & ROSENFELDT



Decididamente o melhor dos seis livros já editados!
Esta é a minha humilde opinião. A mais sincera. Que posso dizer! Não tenho muitas séries de livros concluídas e confesso que a sua empreitada assusta-me, mas ao mesmo tempo tenho muito interesse em livros e histórias que tem continuação. É como o desfolhar da própria vida. Não nos limitamos a ler sobre um determinado momento, mas vamos de gostando aos poucos as suas realidades.
É como voltar a casa de um amigo de quando em vez. 

É só uma ideia, mas acredito que o próximo livro que já se fala que estará a sair nas bancas em breve, será extraordinário. Tudo, neste sexto livro ficou em aberto para que assim seja.

Sebastian Bergman voltou a fazer asneira, mas convenhamos, se ele não fizer as suas asneiras, se ele não for um perfeito idiota, ele perde completamente o interesse.
Eu espero ansiosamente que a cada página Sebastian tenha a coragem de mostrar o que realmente é.
Um homem destroçado e quebrado pela morte da sua filha e da sua mulher.
Mas ele tem repugnância na comiseração dos outros e vai continuamente pondo um pé à frente do outro no caminho estreito da asneira.

Vanja é crua com ele. É filha dele. Está no seu sangue.
A maior parte das suas atitudes são o seu espelho, e eu acho, que na maioria das vezes nem ela dá conta de como a sua personalidade é tão estreita.
Compreendo-a quando se afasta dele. Para todos, ele não tem grande cura. Ele está completamente absorvido pela sua incapacidade de se dar e de receber como uma pessoa normal e condenado a que Deus nunca olhe para ele.
Ele acredita nisso, e acredita que pode fazer o que entender, as asneiras que quiser, alimentar o seu vício sem pensar, porque nada vai mudar para ele. 
As pessoas que o rodeiam só tem a perder se estiverem ao seu lado, por isso, Vanja afasta-se e afasta-se e quando ele não se afasta por ele, ela cruelmente lhe diz que nunca fará parte da vida dela.
Ela, infelizmente para ele, teve a capacidade de compreender isso.
Azar o dele!
Ele não vai mudar se não for verdadeiramente ajudado, e ela, Vanja, é a única que o pode fazer.
Ela não o faz, por agora. Espero que o faça no futuro.

Por incrível que pareça nenhum membro da equipa mostrou grande interesse em resolver o caso policial que tinham em mãos.
Nenhum tirando Vanja e Sebastian.
Conseguiram colocar as suas divergências de lado e fazerem o essencial para o resolverem.
Vai sair caro aos dois. Quer-me cá parecer que vai sair muito caro aos dois no futuro.


21 de outubro de 2021

 


7 DIAS, 7 POEMAS



QUANDO FORES VELHA

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono.
Dormitando junto à lareira, toma esta livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos e com as suas sombras profundas;

Muitos amaram os momentos do teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;

Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.


W.B.Yeats

19 de outubro de 2021

 


7 DIAS, 7 POEMAS



NÃO SEI, AMOR, SEQUER, SE TE CONSINTO


Não sei, amor, sequer, se te consinto
ou se te inventas, brilhas, adormeces
nas palavras sem carne em que te minto
a verdade intimida em que me esqueces.

Não sei, amor, se as lavas do vulcão
nos lavam, veras, ou se trocam tintas
dos olhos ao cabelo ou coração
de tudo e de ti mesma. Não que sintas

outra coisa de mais que nos feneça:
mas só não sei, amor, se tu não sabes
que sei de certo a malha que nos teça,

o vento que nos leves ou nos traves,
a não que te nos dê ou te nos peça,
o princípio de sol que nos acabes.

Pedro Tamen


 




O CASTIGO DOS IGNORANTES - HJORTH & ROSENFELDT









Durante muitos anos o meu principal móbil de leitura foram Triller´s. 
Durante muitos anos depois, deixaram de o ser, e eu passei a considera-los uma pessegada. - Desculpem o termo, mas li um comentário nas Redes Sociais com esta palavra sobre outro livro e ainda hoje me divirto com ela e a palavra não me sai da cabeça. - Mas não conseguimos fugir deles muito tempo, não é? Eu tentei. Eu juro que tentei. Depois veio a curiosidade sobre a obra do Nuno Nepomuceno e estragou tudo.
São acima de tudo vícios.
E Sebastian Bergman é realmente um vício.

Pessegada ou não, entrar no seu mundo é como entrar numa montanha russa e se for muito depressa, significa que a pessegada é mesmo boa.
O melhor deste triller´s de Hjorth & Rosenfeldt é sem dúvida nenhuma, Sebastian Bergman.
Claro que ele já não é um homem tão irritante e isso tira-lhe alguns pontos, mas convenhamos, continua a fazer muitas asneiras.
Umas asneiras até tem um efeito benéfico para o grupo, mas outras! Meu Deus! Eu continuo a pôr a minha mão na cabeça.
A maneira como ele é displicente e deita tudo a perder.
O seu relacionamento com a sua filha Vanja é isso tudo.
Um somar generalizado de asneiras atrás de asneiras. Ele tem muita pressa, ele não compreende e depois compreende, ele caí na tentação.
Como ele caí na tentação!!

A construção das personagens é o melhor que o livro, ou a série em si, têm.
O caso de polícia propriamente dito é algo secundário. Não nos arrepia, não nos provoca repulsa, não é macabro.
Eles são tudo menos certinhos. Cheias de defeitos e ambiguidades.
Em algum ponto desta série já as amamos, mas também já as odiamos profundamente.
Vanja é o primeiro exemplo disso mesmo. A menina do papá que não sabe perdoar.
Já gostei muito dela, mas também já a odiei. Já gritei para aquelas páginas e lhe disse: "Vá lá. Não sejas tão dura. Ele está a tentar!"
Mas compreendo a sua fragilidade.

Enfim! Como devem de compreender, já comecei a ler "Mentiras Consentidas". É o último livro da série editado em Portugal, por isso mais vale despachar o assunto. Parece que o próximo saí em Novembro!!
   

18 de outubro de 2021

 


7 DIAS, 7 POEMAS
O TEMPO





O TEMPO

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...




Mário Quintana


12 de outubro de 2021

 



LOBA NEGRA - JUAN GÓMEZ-JURADO



Se Juan Gómez-Jurado quiser continuar a escrever sobre Antónia Scott, eu também vou continuar a ler sobre Antónia Scott.

Pessoalmente gostei mais do livro "A Rainha Vermelha" do que este "Loba Negra", principalmente no caso de polícia que é retratado.
Considero que o no primeiro livro, nesse aspeto temos um caso mais sólido e até mais interessante. 
Não vimos uma Antónia Scott a pensar muito nas cenas do crime, e tudo ou quase tudo lhes chega às mãos por acaso.

Ela é a única no entanto que vai tentando fazer alguma coisa e é ela que descobre o contentor de tráfico de mulheres e faz algumas "cócegas", ao mafioso.
Acho por isso, que este livro vale pela Antónia Scott. A sua inteligência acima da média em contraste com tudo o resto.
É claramente um livro dedicado a Antónia Scott. À essência desta personagem e às suas virtudes e defeitos. 
Gosto particularmente da relação entre ela e o inspetor Jon. Aquela capacidade que ele tem de a proteger, porque gosta muito dela. E repare-se, é um amor platónico... ele é assumidamente gay.
E o bonito da relação deles é isso mesmo, a forma desinteressada como ele consegue gostar dela, uma pessoa tão diferente de si mesmo, uma pessoa em que ele consegue encontrar a mais profunda das essências.
Os diálogos entre os dois é a parte mais rica deste livro. A forma carinhosa como ela a trata "amor, linda, querida", o espaço que lhe dá, a maneira como a apoia.
Ela ultrapassa muitas vezes essas regras e caminha deixando-o para trás.
Ela tem fortes convicções, fortes capacidades, mas é muito, muito limitada nas relações humanas.
Não é propriamente uma boa colega, Antónia Scott. Ela não tem noção das coisas simples, do que é uma simples conversa, de como se verbaliza sentimentos, de como se diz, gosto muito de ti.
Ela dá e tira logo a seguir como diz Jon.


Antónia Scott vale qualquer livro. Espero que o próximo não demore muito!

6 de outubro de 2021

 


UM QUARTO SÓ MEU(3)





Há uma semana fiz algo impensável. Fui vê-la. Ou melhor, fui atrás dela depois de sair triste e desamparada daquele almoço que lhe deveria ter sido sufocante. Ela não conhece quase ninguém e vê-la encheu-me de pena, abandonada no canto da mesa, metida consigo própria e trocando frases soltas com um ou dois.
Fiquei com o coração apertado quando saiu cedo, mais a mais porque eu não tive a dignidade de me dirigir a ela, nem para um cumprimento.
Bati à sua porta e ela recebeu-me cabisbaixa mas cheia de generosidade.
Fui um desastrado com ela. Fiz graças sem sentido e magoei os seus sentimentos. Para a compensar terei que a ajudar nas suas dificuldades. Vou tentar! Prometo que vou tentar!
Consegui convencê-la a caminhar comigo e com o meu cão Dali. Ele é velho e respigão e já não gosta tanto assim de se mexer. Ela tem medo de cães, e mostrou um certo receio dele quando nos conhecemos, mas ele respigão ou não, gostou muito dela.
Provavelmente até será mais fácil ela gostar dele do que de mim. Ele não é desastrado, nem da sua boca saem disparates pegados como a minha debita continuamente.
Perguntei-lhe se conhecia o Parque João José Luis. Respondeu-me que não.
Não! Fiquei confuso, afinal o parque fica em frente à paragem da carreira e ela vai nela todas as quartas-feiras.
-Porque não? Não sabes onde fica? Como não sabes? Expliquei-lhe e respondeu-me que não, nunca lá entrou.
Como podem reparar eu faço muitas perguntas e estou sempre a falar. Ela gosta de estar calada.
-Porquê? Acho que foi o primeiro sítio onde fui quando cheguei. 
Não soube responder. Olhou-me com um ar de descaso. Vi a sua mente a fervilhar, quem sabe a procurar uma resposta decente. Acabou por afirmar que estava frio, que tinha muito frio e que não se queria constipar, não podia constipar-se, foi a expressão que utilizou como se fosse algo que ela tivesse muita atenção para que não acontecesse.
-Talvez no Verão. Agora está muito frio para andar por aí.
Tem uma voz suave e doce. Gostaria muito de a ouvir com mais frequência, mas ela é meticulosa e refugia-se no seu próprio sorriso discreto e no seu olhar assombroso de um azul profundo como os mares da Escandinávia.
Convencê-la foi tão difícil como conseguir ouvir a sua voz, e depois de muita argumentação da minha parte, lá aceitou encontrar-se comigo na terça-feira seguinte, pelas sete e vinte e cinco da manhã. 

O meu turno no Hospital terminava pelas sete da manhã e eu parecia um menino de escola a olhar para o relógio de cinco em cinco minutos.
Foi o primeiro dia que saí a horas. Fiz as rondas com uma solicitude feroz e despedi-me da Branca e da Virginia dois minutos antes das sete.
-Onde vai o moço tão alegre?! - Branca é um doce e muito traquina. Perspicaz. Já teria topado o brilho no meu olhar.
Apenas sorri-lhe e disse-lhe que precisava de acompanhar alguém. Ela devolveu o sorriso. Como são desenvolvidas as mulheres, como as subtilezas não lhes escapam. Como são atentas e entendem, deduzem à mínima diferença.
Como ela entendeu-me apenas com um pequeno olhar, com uma atenção displicente que nos observa sem que se dê conta.
Eu tinha uma disponibilidade mais sentida para o doente, um olhar mais íntimo, fiz mais rondas do que o costume. Não me deitei a noite toda e troquei conversas profundas com dois ou três que tinham um ar assustado por terem de passar a noite nas urgências.
Um médico não faz isso. Um médico trata e vai-se embora. Deixa essas miudezas para as enfermeiras e para as auxiliares.

Vi-a ao longe sentada no banco do Parque. Deveria ser pontual. Deveria cumprir com as sua obrigações com empenho e responsabilidade.
Encolhia-se sentada no banco. Vestia um casaco largo e aparentemente quente, mas não o suficiente para a proteger do frio. Porque teria tanto frio? O medo também produz frio, e por vezes eu descobria-lhe umas expressões de medo no olhar.
Estava distraída quando cheguei, porventura no mundo dela, que estava a léguas de distância do meu.
Agora ao olhá-la a uma distância tão curta, -quase que a toco se esticar o meu braço,- entendo que ela vive sensações e sentimentos que eu nunca tive e isso, de certa forma torna-a mais rica e fascinante do que eu.
-Bom dia Alice!
Sobressaltou-se com a minha voz, mas sorriu.
-Bom dia Elias.
-Estás cá?
-Sim! Não sou um ardil. Sou mesmo eu.
-Não foi isso que eu perguntei. Parecias distante. Quero saber se trouxeste o corpo, e se trouxeste também a tua alma.
-Oh! Isso.
Fez um ar sério, como se eu tivesse tocado num assunto intocável.
-Vai-se lá saber. A alma faz o que quer.
Sentei-me ao seu lado, sem pedir licença. Eu não tenho essas subtilezas. Sou muito prático, quem sabe, a raiar a arrogância e um pouco insensível. Os dramas são apenas isso, dramas! Tento dar sempre uma realidade diferente às preocupações e angustias das pessoas. Quero ser o contrabalanço para o seu desespero. Por vezes é apenas isso! Momentos de desespero infundado que terá de ser travado.
Por vezes o melhor que dizem de mim é que sou pouco dado. 
-Vamos comer ou vamos andar? O que queres fazer primeiro? - acabei por perguntar-lhe.
Olhou-me confusa e não soube o que responder. Senti-lhe um ar de descaso, aquela expressão que fazemos quando sentimos alguém a meter-se na nossa vida.
Não queria a sua resposta, por isso levantei-me e pedi que esperasse por mim.
Fui ao café mais próximo e trouxe duas boleimas de maça e dois copos de papel com leite e café bem quente. 
Comemos em silêncio. Ela come devagar. Apertava o copo entre as mãos. Uma tentativa inútil de as aquecer.
Reparei que estavam frias quando lhe entreguei o copo e consegui roçar as minhas nas dela.
-O frio aqui é tramado não é?
Respondeu-me com o olhar e com um leve assentimento de cabeça.
Era doce olhar para ela. Era como uma melodia, uma canção de embalar que se ouve e que nos dá vontade de chorar pela sua beleza.
Ela não é particularmente bela, mas tem um olhar de resignação e pouca vontade em se embelezar. Nenhuma maquilhagem, nenhum verniz nas unhas, um leve batom do cieiro nos lábios, um leve perfume a rosas, e aqueles olhos penetrantes diferentes de tudo o mais.
Não se expõe, mas acredito que arrebata olhares quando entra numa sala. Basta o seu olhar, basta o seu despreendimento.
Como é que eu entro lá dentro? Estes pensamentos assolavam-me a mente enquanto mastigava a minha boleima.
De repente, também eu, precisei de um pouco de silêncio. Era aqui que consistia a dignidade humana. A capacidade ou não de suportar e entender as razões do silêncio.
Ela já tinha chegado lá. Ela entendia-o perfeitamente. Ela era enamorada dele. Eu tinha muito que caminhar.

Comecei por falar das pessoas da vila, das que ela não conhecia e que seriam quase todas.
Procurei algo que a pudesse interessar e reparei que gostava de ouvir-me. Gostava também de ficar calada, por isso não fiz perguntas. Falei simplesmente.
Ficou profundamente curiosa com o António. Descrevi-o como um fora da lei, mas uma flor de pessoa.
Incentivei o seu desejo de saber. Ela precisava de procurar, de sentir-se no meio de nós.
Ela não poderia continuar ali, inacessível, sozinha. E eles, eles estavam pelados por conhecê-la, por dizer-lhe mais do que um simples bom dia, mas do que um simples e maroto sorriso.
Ela tem um sorriso maroto. Parece uma menina a esconder uma asneira que lhe deu muito prazer cometer, mas deve ser a mulher mais bem comportada que eu conheço.
Levantei-me e pedi-lhe a mão com um gesto.
-Anda! Vamos conhecê-los. 

1 de outubro de 2021

 


da meia noite às seis - patrícia reis




A Patrícia Reis tem uma escrita luminosa. Consegue abordar um tema, hoje em dia Universal, com um impacto ainda tão presente na nossa vida sem nos amargurar profundamente. 
O seu livro é uma ode à esperança no ser humano.

Um dos temas abordados e o mais presente é esta pandemia de Covid-19 que entrou dentro da casa de todos sem nos pedir licença. Os que foram infetados e que sofreram e morreram pela doença e aqueles que vão fugindo ao vírus mas não podem fugir à "bolha" criada em torno de tudo isto.
Quase dois anos depois dos primeiros casos terem sido noticiados, assistimos a uma escalada de mortes a nível mundial. A comunidades devastadas como se de uma guerra falássemos. 
Por curiosidade fui ver os números de mortes em Itália por este vírus, (131 mil) e comparando com a segunda guerra mundial (140 mil), deixa-nos no mínimo cabisbaixos.
Eu só posso lamentar. Vou lamentando diariamente, e eliminando da minha mente a profundidade da realidade, tal como fiz durante muito tempo em relação à segunda guerra mundial.
Depois deste tempo todo, acho que todos tentamos fazer o mesmo, e ao dia de hoje que escrevo esta resenha e que nas notícias ouvimos a palavra libertação, eu apenas olho para trás um pouco desastradamente e não sei muito bem como vou libertar-me. 
Será que posso? Será que realmente posso libertar-me?

Mas não é este o sentido que a Patrícia Reis quis dar a esta história. 
Ela quis dar-lhe uma ideia de esperança, uma ideia de pertença a um mundo que por mais que se desmorone, não morre.
Convenhamos, poderemos não caminhar para um café durante meses, poderemos não entrar dentro de uma discoteca durante anos, poderemos não visitar nem jantar com os nossos amigos, nem passar o Natal com a nossa família, mas nunca deixaremos de ser feitos de ternura e afinidade.
Este poder da ternura e da afinidade não se desvanece e é alimentado pelos estranhos que nos acompanham diariamente sem nos darmos conta. 

Patrícia Reis lê-se devagar, sem atropelos. Por volta da página 88, 90, tive de fechar o livro. Senti que se continuasse naquele momento, eu própria me desfazia na tristeza da Susana Ribeiro de Andrade. Aquela voz que era perfeita porque estava repleta de tristeza.

É o segundo livro que leio da Patrícia Reis, e sei que estou a perder muita coisa de todos os livros que ainda não li desta escritora.