Um Gentleman em Moscovo - Amor Towles
Se quando pegarmos no livro virarmos a contra capa, aparece um texto muito interessante, sugestivo até;
"Amor Towles, oferece-nos um dos mais requintados e (melancólicos) romances dos últimos anos. Uma obra épica, habitada por uma galeria de personagens inesquecíveis e servida por uma escrita de uma elegância cada vez mais rara nas letras contemporâneas."
Para mim, foi isso mesmo!!
Aleksandr Rostov, conhecido para os mais íntimos por Sacha, é uma personagem bafejada pelo optimismo.
A história decorre entre os anos de 1922 e 1954, e durante 32 anos aquilo que mais salta há vista em toda a história foi o profundo optimismo com que o Conde Rostov encarou a sua vida e todas as suas contrariedades e incómodos. São 540 páginas dedicadas ao optimismo.
É um livro lento, ou melhor um livro para se ler devagar.
Têm passagens memoráveis, e ensina-nos algumas coisas, aliás muitas coisas, que no comum dos nossos dias, na nossa labuta diária, tomamos como certo e não nos apercebemos da subtileza da vida.
Rostov é um conde Russo, que devido a um poema que escreveu, ficou em prisão domiciliária no Hotel Metropole. Quanto tempo? Definitivamente.
Sim! Perceberam bem. Para o resto da vida. Estamos na Rússia (centralizem-se no espaço), e estamos em 1922 (centralizar também no tempo).
A história atravessa a Segunda Guerra Mundial e termina em 1954.
Ou seja sobre o mundo, sobre as convulsões e as transformações muito há a contar. Em todo o mundo existiram transformações incalculáveis, políticas, sociais e até de saúde, no entanto este homem viveu todo este tempo fechado num hotel de luxo, numa vida simples.
Aquilo que o deveria matar por ironia do destino é o que o mantém vivo.
Lá dentro Rostov reinventa-se. Começamos por ter uma primeira parte do livro em que temos que assistir há transformação de um homem perante uma realidade diversa.
Os momentos iniciais de tédio são chamuscantes. O tomar de consciência que aquilo que nos pode muito bem apetecer fazer não nos é permitido.
Mas Rostov não perde muito tempo neste tédio e lá dentro de onde não pode sair, reinventa-se e posiciona ao longo dos anos os seus sonhos.
"Quando a vida impossibilita um homem de realizar os seus sonhos, ele inventa uma maneira de os realizar, seja como for."
Sem nunca deixar de ser um Gentleman, alguém que vem de outro estatuto social, passa a ser chefe de mesa do melhor restaurante do hotel. Convive com o porteiro, o barbeiro, o Chef de cozinha e a costureira. E mantém uma relação amorosa com uma actriz russa de uma forma secreta anos e anos a fio.
Confusos? Uma actriz? Uma relação amorosa em segredo durante anos e anos? Sacha, para os íntimos gosta de guardar cada botão na sua caixa!
"Por natureza, os seres humanos são tão caprichosos, tão complexos, tão deliciosamente contraditórios que merecem não só a nossa consideração, mas também a nossa reconsideração... e a nossa inabalável determinação em nos abstemos de uma opinião até termos interagido com eles em todos os contextos possíveis, a todas as horas possíveis."
Como alguém que não sai das suas 4 paredes, não se apercebe das transformações exteriores, (a rua que se alterou, o prédio que foi demolido, o hospital de referencia) mas pelo que ouve lá dentro consegue ter uma percepção do mundo e das suas convulsões.
Nos primeiros anos trava amizade com uma menina de 13 anos, Nina, que aí está, lhe devolve a garotice, e refina ainda mais o seu optimismo.
As conversas e as refeições entre os dois são momentos deliciosos.
"As boas maneiras não são como os Bombons, Nina. Não podemos escolher só aqueles de que gostamos mais. E acima de tudo, não podemos dar uma dentada nos bombons e depois voltar a guardá-los na caixa..."
Mais tarde Rostov recebe a filha de Nina de seis anos, Sofia, para uma temporada curta que se transforma numa temporada até há sua vida adulta.
Sofia passa a ser a sua filha, e o seu quartinho no quinto piso, com 9 metros quadrados é pequeno e grande para uma relação de incómodos que como Sacha diz, são aquilo que realmente é importante na sua vida.
Tenho muita estima por histórias que desfilam quase a vida inteira de uma personagem. Consegue-se ver a essência do ser humano. Não ficamos pela perspectiva de carácter momentâneo, ou de uma fase da vida. Temos a vista toda!
Que mais posso dizer. O Conde Rostov é uma aprendizagem, um exemplo. Nestes tempos atípicos é até um conselho para quem o lê, e para quem gosta de ver aquilo que está para além da história.
Explicando isto de uma forma crua, e sempre, sempre na minha perspectiva, de 1922 a 1954 o Conde Rostov vive em prisão domiciliaria no Hotel Metropole por causa da autoria de um poema.
(Poderia ser pior, podia ter sido morto!). São 32 anos, em que se reinventa, sempre de uma forma lúcida, sempre com esperança no futuro, nunca com mágoa ou ressentimento.
E nós? Estamos fartos de quê?
Será que não sabemos adaptar-nos? Caminhar em frente dentro das expectativas e exigências que nos dá a realidade de hoje?
Um livro de leitura obrigatória. Parece uma peça musical de um concerto clássico. Uma melodia de 540 páginas que me deixou completamente rendida a Amor Towles. Um poeta que escreve prosa. Que cria personagens perfeitas e diálogos que nos deixam um sorriso no canto dos lábios.
"Dissera que as nossas vidas se regem por incertezas, muitas das quais são disruptivas ou até assustadoras, mas que, se perseverarmos e nos mantivermos generosos, podemos ser agraciados com um momento em que, se repente, percebemos que tudo o que nos aconteceu foi necessário, sobretudo quando nos encontramos no limiar de uma vida nova e arrojada que estávamos destinados a viver desde o principio."
Há! E já agora, (eu sei que não devia dizer isto, porque vou tirar a graça toda a quem não leu o livro, mas não resisti!), não foi o Conde Rostov que escreveu o poema que o deixou em prisão domiciliaria. Ele apenas fez um favor a um amigo, ou apenas quis proteger um amigo.
Temos muito que aprender com Sacha!
Mas será que queremos mesmo? Tenho fé que sim!