28 de abril de 2022

 


NADA - CARMEN LAFORET



Perturbador.
Esta palavra estranha, saí da minha boca assim que termino o livro.
Mário Vargas Llosa classifica-o de belo e terrível.
Fui atrás dele pelo sublime prefácio de Llosa e ao belo e terrível acrescento-lhe a palavra, perturbador.
Provavelmente estou a interpretar mal a narrativa, mas isso acontece-me com a mesma agilidade subtil que teimo em procurar os subterfúgios do que está lá.
E estou a titubear perante esta resenha que se mostra densa como a própria Andrea, a protagonista desta história.   
Tento encontrar o pensamento de Andrea no meio das suas contradições humanas. Compreendo que a condição social, a sujidade onde é colocada, a fome a que subjuga e a loucura como vizinha do seu quarto, não lhe augura nada de bom. 
Andrea, órfã de pai e mãe chega a Barcelona diretamente para a rua de Aribau, a casa da sua avó, dos seus tios e tia. Nela encontrará um mundo interior devastado, talvez pela guerra que foi, pela ocupação franquista e pela desilusão contínua da realidade.
Nada, é um passeio percorrido por uma jovem de dezoito anos, não sei se demasiado ingénua ou demasiado pura. Talvez queira separar duas palavras que não são mais do que a extensão uma da outra.
A tia Angustias, carrega-a de conselhos e apelida-a de rebelde.
Não consigo encontrar-lhe nenhuma rebeldia, mas falamos de uma realidade pós segunda guerra mundial.
Aos conselhos da tia Angustia, Andrea faz orelhas moucas, não distingue o trio do joio das suas palavras por vezes duras, por vezes meigas. 
É talvez a personagem mais ambivalente. Não consigo gostar dela, mas não a detesto pela totalidade. 
Angustia não nos favorece com a sua presença por muito tempo e quando Andrea suspira de alívio pela sua partida, coloca no saco das coisas inúteis todos os seus discursos. Sem escolhas, sem seleção, sem diferenciar o bom do mau, o importante do supérfluo. 
Uma das consequências dessa surdez é a fome. 
A fome que Andrea suporta em quase todo aquele ano, não é apenas consequência da sua estranha forma de gerir as suas prioridades, mas de uma realidade demasiado dura.
Flores para a amiga e boas refeições assim que recebe a pensão, não duram o mês inteiro e Andrea é vítima da sua própria incapacidade em compreender o dinheiro.
Falta que parece ser reciproca em toda a casa da rua Aribau. A fome é recorrente, não um caso isolado.
Toda a envolvência na rua Aribau é desconcertante e as personagens que compõem a sua pobre família revestidas de algo mais do que a simples loucura. 
Duvidei que Andrea chegasse ao fim, com a mesma lucidez com que ali entrou.
Contado na primeira pessoa, como um sussurro íntimo em que ela toca subtilmente na loucura. É aí, nesses pontos cruciais, que a história ganha a perceção do belo e terrível de que Llosa fala. 
Será que Carmen Laforet o escreveu num sopro de arrebatamento? Num momento de genialidade? Ou remexeu ela própria dentro das suas próprias entranhas e arrebatou-as cá para fora?
Nada, é uma história de nada, banal. Desigualdade social, fome, sujidade, violência doméstica, submundo psicótico, patéticas cenas de uma realidade incompreensível.
A loucura domina, arranha a pele, mostra-se descaradamente. Atrás dela, da loucura, contextos completamente surrealistas. A violência que sobressaí, a incompreensão, a manipulação e pasme-se! a pureza de uma avó demasiado cansada e frágil, mas com força suficiente para abdicar do seu bocado de pão pelo outro. Todos eram bons, todos eram filhos, todos mereciam o amor.
Román é talvez o mestre no meio da orquestra difusa e já dispersa. Bom, mau, louco, são! Não sei dizer com toda a clareza. Não sei se é da música, se dos gestos, a voz, a falta de princípios. No egoísmo da morte, quando se percebeu subjugado e incapaz de voltar a subjugar. 
Acreditei que Andrea, pelas suas privações, também ela sucumbiria ao teatro da loucura da qual era espectadora privilegiada.  
Quando voltei a aperceber-me de que estava viva, tive a sensação de que acabava de subir do fundo de algum profundíssimo poço, do qual conservava a cavernosa sensação de alguns ecos na escuridão.

Não recordo o contexto em que este, Nada, me pareceu interessante. A opinião de Llosa foi sem dúvida a chama impulsionadora, mas esse reconhecimento imediato e assombroso do público à época da  estreia, teve a sua parte de fascínio.
Não é um livro que se veja nas estantes das livrarias nem em destaque. Relembra que já terá de ser procurado e descoberto.
O título cru, em que tudo afirma e nada diz. A necessidade de acreditar que tudo é possível.
Que histórias banais e sem nexo podem estar enraizadas de algo mais apaixonante, e é no revestimento dessa narrativa que não é nada, que está genialmente, o tudo.



23 de abril de 2022

 


DIA MUNDIAL DO LIVRO E DOS DIREITOS DO AUTOR





Hoje comemora-se o Dia Mundial do Livro e dos Direitos do Autor. 
É dia de deixar os livros falarem.
Não eu, tu ou ele. 

O livro!
A rebelião, a obscuridade, o deslumbramento, a salvação, o alimento. 
A chama, o sacrilégio, a imaginação e a sabedoria.
O mito, a Deusa, uma imensa devastação.
A inquietação, o quase alívio.
O fim do medo, o eliminar da dor, talvez, talvez a alegria imensa, mas a ninguém digam.

Vamos deixá-los falar!



Cresci, mas continuo a manter uma relação muito narcisista com os livros. Quando um relato me invade, quando a sua chuva de palavras penetra em mim, quando compreendo de forma quase dolorosa o que conta, quando tenho a segurança - íntima, solitária - de que o seu autor mudou a minha vida, volto a acreditar que eu, especialmente eu, sou a leitora de quem esse livro andava à procura.
Irene Vallejo

As pequenas coisas nunca são realmente pequenas.
Matt Haig

Um escritor é alguém para quem escrever é mais difícil do que para outras pessoas.
Thomas Mann

Deus odeia os cobardes.
Stephen King

É bom abandonarmo-nos assim às coisas.
Valério Magrelli

... o amor, ou o prenúncio dele, sempre encontrou nicho de florescimento nas brechas das maiores agruras, sempre é ele que nos sustenta nos passos sobre as agudezas, rudezas e friorezas da vida e na falta dela.
Rute Simões Ribeiro

Nunca aprofundava demasiado as coisas. Roçava as superfícies.
Virginia Woolf

O amor tem sempre o que quer que seja de crime; ou uma pessoa ama como quem se perde, ou não sente realmente o amor
Isabel Rio Novo

Para mim, a escrita verdadeira é isto; não um gesto elegante, estudado, mas um ato convulso.
Elena Ferrante

Toda a biblioteca é uma viagem; todo o livro é um passaporte sem data de caducidade.
Irene Vallejo

"Se um livro não nos magoa e esfaqueia não tem interesse"
Kafka

Os livros amados misturam-se no pão que comes.
Christian Bobin

Sem qualquer emoção ou sentimento, o mundo é fugaz e volúvel, é frágil e friável.
Afonso Cruz

Escrever é uma forma de viver.
Flaubert

Tentei não fazer nada que envergonhasse a criança que fui.
José Saramago

A vida tem essa estranheza.
Patrícia Reis

Diz as coisas como elas são
Elena Ferrante

Sinto-me perdida nesta irrealidade. Alguém sabe dizer-me, por favor, como faço para ir para casa?
Dulce Maria Cardoso

Quero escrever livros, quando for grande quero escrever livros.
Maria Teresa Horta

São os outros que nos fazem viver, principalmente se nos amam.
Afonso Cruz

Quando voltei a aperceber-me de que estava viva, tive a sensação de que acabava de subir do fundo de algum profundíssimo poço, do qual conservava a cavernosa sensação de alguns ecos na escuridão.
Carmen Laforet

Nós só vemos bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
Antoine de Saint-Exupéry

Perguntas porque existes.
Rute Simões Ribeiro

Esse amor à literatura, à língua, aos mistérios da mente e do coração que se revelaram nas ínfimas, estranhas e inesperadas combinações de letras e palavras, na tinta mais negra e fria... esse amor que escondera como se fosse ilícito e perigoso começou ele então a mostrar, hesitantemente a princípio e depois com ousadia e, por fim, com orgulho.
John Williams

Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se na minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vezes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas, submissas como a minha ao destino do quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios.
Fernando Pessoa

Porque pertenço à raça daqueles que percorrem o labirinto,/sem jamais perderem o fio de linho das palavras.
Sophia de Mello Breyner Andresen

Dos diversos instrumentos do homem, o mais surpreendente é, sem dúvida, o livro. Os restantes são extensões do seu corpo... o livro é uma extensão da memória e da imaginação.
Jorge Luís Borges

A beleza é indiferente à dor. Por isso vigio-a.
Dulce Maria Cardoso

Os livros são seres pacientes. Imóveis nas suas prateleiras, com uma espantosa resignação, podem esperar décadas ou séculos por um leitor.
Afonso Cruz

Um dia encontrarei as palavras e elas serão simples.
Jack Kerouac

Livro é palavra. 
A alma do Diabo no nosso ombro direito e de Deus no nosso ombro esquerdo.
O renascer dos mortos nas suas palavras eternas.
Simples, pacientes, belas, imaginativas. A palavra, o sonho inútil, o pão que comemos.
Íntima, solitária, reduzida a pequena coisa.
Um amor que nos esfaqueia, que nos sustenta os passos, que roça as entranhas.
Palavra, ato convulso, uma viagem.
Um hábito de vida. Simples, fugaz, frágil.

Livro, aquele objeto tão simples e tão extremo.





 


15 de abril de 2022

 


A LENDA DO ALECRIM




Maria fugiu para o Egipto e levou o menino Jesus nos seus braços.
As flores no caminho abriam-se à medida que eles passavam por elas. 
O lilás levantou os seus galhos soberbos e majestosos, o lírio abriu o seu vaso. O alecrim, sem beleza aparente, flor ou pétalas, ficou triste e lamentou a sua impossibilidade em contentar o menino Jesus.
Cansada, Maria parou junto ao Rio e, enquanto Jesus dormia, lavou as suas modestas roupinhas.
Era preciso estendê-las para que secassem e Maria olhou ao seu redor. 
Onde colocar as roupinhas do menino a secar? 
Maria viu o lírio que quebraria com o peso, e o lilás que era alto demais para a tarefa. Restava-lhe o alecrim e Maria gentilmente coloco-as sobre o alecrim que suspirou de alegria.
Aquele suspiro do alecrim era um agradecimento. O alecrim também podia agradar ao menino Jesus e assim as manteve ao Sol toda a manhã.
Maria agradeceu.
-Daqui por diante exibirás flores azuis como o meu manto, e todos os teus galhos serão aromáticos. Eu abençoo folha, caule e flor, que a partir deste momento terão aroma de Santidade e lançam alegria.

Feliz Páscoa!

14 de abril de 2022

 


VOZES DE CHERNOBYL - SVETLANA ALEXIEVICH


"Haverá algo mais assustador do que o homem?"
Acredito que não. Por estes dias, neste tempo real, nestes últimos pares de anos, o homem tem sido o que de mais assustador aparece por aí.

A política está um pouco a leste do meu paraíso, e talvez por isso, oiça-a e leio-a muitas vezes com aquela sensação de desfoco de algo ensurdecedor e sem sentido.
Acho "graça", aos debates políticos e à contradição humana (volto a citar Afonso Cruz) das suas vestes e do seu palavreado. Talvez seja um pouco criança quando os oiço e não entenda onde eles realmente querem chegar. Ou não entenda onde eles me querem levar.

Nesta realidade desfocada, tenho a perceção de que uma linha divide o Ocidente de países como a Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, (mais uns tantos, eu sei!). Tenham um pouco de paciência, acabei de dizer que a política ultrapassa-me em larga escala. 

Ainda há poucos dias li na imprensa escrita que o valor da vida humana na Rússia, e passo a citar " é percecionado de forma diferente do que nos países ocidentais." 
Confesso que é dificil de assimilar. A vida humana, qualquer uma é acima de tudo uma dádiva sagrada.
Este valor da vida humana como um todo e não como um individuo, descartável na soma ou nas divisões transforma o nosso conteúdo ligeiramente alterado.

Bem! Desvio-me do livro em si. E isso eu não quero. A sua leitura no contexto atual não é coincidência.
O que li, porém, deixou-me ainda mais perplexa. A ingenuidade, o encobrimento, as vidas, as não vidas. O que se destruiu e o que ficou por dizer.
Nada do que ali está é oficial. Meros desabafos de quem lá viveu, quem vive, dos familiares. Das mulheres deles, dos filhos deles.
Do mundo em desintegração, do isolamento de um povo. 1986.
Aquele povo foi enganado. Continua enganado.
Depois entra a política. A ideologia, o fundo, a base com que se movem. A renúncia, a necessidade de um todo e não de um individuo.
A linha que separa do Ocidente. 
Há quem diga que seja inocência. Que a ideologia contamina. Que o comunismo iludiu um povo. 
Dois terços da Bielorrússia assenta em território contaminado. 
A minha pergunta é. E se fosse no Ocidente?
O que teria acontecido se fosse no Ocidente. 1986!

Svetlana Alexievich ganhou o prémio Nobel de Literatura em 2015.
Utiliza entrevistas para a construção das suas narrativas. Aproxima-nos não da história em primeiro lugar, mas de quem a conta. Demite-se da função de narradora e entrega aos outros a capacidade de revelarem a sua própria alma. 
Tem relatos comoventes, duros, cruéis, ingénuos. Fiquei com uma sensação de impotência perante toda a força humana dentro das circunstâncias.
Confesso que apesar de tudo continua a ser uma realidade dificil de alcançar. Inatingível. Tão inatingível como quando ouvimos o discurso de guerra nuclear. Como quando vemos guerra a civis, carne humana, a vida que tem uma perceção diferente. 
Está além da minha capacidade materializá-lo e perdoem-me, defini-lo como uma ameaça.
Talvez porque viva no Ocidente, talvez porque por aqui e por este dias existe uma definição diferente para o valor da vida humana.

"Uma solitária voz humana" é o primeiro texto contado por Liudmila Ignatenco, mulher de um falecido bombeiro que foi chamado para apagar o fogo em Chernobyl como se de um simples incêndio se trata-se. Só para terem uma ideia, os primeiros bombeiros foram apagar um fogo nuclear com o "fatinho que tinham no corpo" e nada mais.
Síndroma Aguda de Radiação matou-os a todos em catorze dias.   
A minha pergunta é. E se fosse no Ocidente?

A escritora tem vários livros publicados, todos neste tom. Testemunhos. Tema principal? A Guerra. Parece que a Leste a perceção da vida faz-se pela existência ou não da guerra. Sempre a guerra. 
Foi muito importante ler este livro. Não há melhor maneira de compreender os outros do que ler o que eles contam, a sua voz.
Não vou voltar a ler Svetlana. Não porque não gostei, mas precisamente porque gostei.

7 de abril de 2022

 

A BONECA DE KOKOSCHKA



É sempre bom descansar a vista nas letras de Afonso Cruz. A sua melodia. Um contador de histórias.
A Boneca de Kokoschka é mais uma obra que o autor combina os seus textos com imagens e desenhos.

Os livros dentro do próprio livro. As histórias que se misturam e se juntam como se fossem uma só.
Uma sucessão de acontecimentos completamente alheios que caminham inevitavelmente para o mesmo ponto.

O fim é construído no principio, ou melhor o principio foi contruído para o fim.
O que este livro tem de profundamente fascinante é a finitude do infinito. Cada um torna-se o todo e sobrepõem-se a si próprio na construção da incoerência humana.

Faz poucos dias, desfolhei e reli o seu livro infantil "A Contradição Humana"
É subtil a voz infantil que desponta naquelas página e ainda mais subtil como ela floresce neste livro na voz de Isaac Dresner. A personagem que começa por ser criança num cenário de guerra e termina a narrativa como um adulto feito. A sua voz infantil e de pura contradição humana mantém-se apesar da desproporção da sua altura entre o principio e o fim.

Permitam-me talvez, provavelmente vou dizer uma grande asneira, mas eu sinto, e repito, sou eu que sinto, que Afonso Cruz transporta para todas as suas narrativas essa mesma contradição humana que todos aqueles que são crianças veem com clareza, e os outros, que abandonaram a infância num campo deserto da sua própria finitude já não a imaginam sequer.

Para mim, e volto a repetir, é o que eu sinto, Afonso Cruz também compreendeu que o ser humano tem vários ângulos sobrepostos e que dificilmente se compreende a si próprio.
Que essas camadas, essas margens nos escapam na derradeira necessidade de mantermo-nos ignorantes de nós próprios.
Quem se quer conhecer? É que para o fazer destapamos muita coisa viscosa e maledicente.
Mas se não nos compreendemos e conhecermos a nós próprios, como poderemos ser?
Afonso Cruz tira essa parte do contexto. Faz-te entender pelos outros, abre em ti a necessidade de ser compreendido. De te conheceres e quem sabe até justificares. O caminho para o teu próprio ser, contraditório ou não. 
Sem ilusões. Seremos sempre uma contradição humana.
"São os outros que nos fazem viver, principalmente se nos amam." 
Esta frase para mim é perfeitamente contextualizada. Espero que um dia, possam compreender porquê.  
Filosófico não!
Está entranhada nestas páginas e em toda a obra do autor. A filosofia. Não a filosofia de vão de escada. Não o ser ou não ser que meditamos no sofá em plena hora de aborrecimento. Não a fugacidade que damos à nossa própria vida.
Não digo simplicidade, porque para mim simplicidade é outra coisa.

Gosto sempre de regressar a Afonso Cruz.

5 de abril de 2022

 


OS AMORES DIFÍCEIS - ÍTALO CALVINO



Livro de pequenos contos sobre os desencontros do amor.
Falam essencialmente de solidão e da linha ténue que separa o sentimento da realidade.

Várias histórias que não me absorveram da mesma maneira. Mas um livro de contos é assim. Talvez por isso, um género que não cultivo muito, que relego para segundas ou terceiras oportunidades. 
Não consigo gostar dele como um todo, porque ele não é um todo, mas vários fragmentos. Várias partes de uma realidade completamente diferente. 
É um género maldito que eu tento inverter nos dias que correm. Afinal, um dos meus autores favoritos, Miguel Torga conquistou-me por aqui, pelos contos...

Voltemos a Ítalo Calvino e a este seu "Os Amores Difíceis".
Gostei particularmente da "Aventura de uma banhista"; "Aventura de um leitor"; "Aventura de uma mulher casada" e acima de todos eles "Aventura de um casal".
É o conto mais simples e sofisticado de todo o livro.
De uma melodia e doçura extrema. Talvez o mais breve, mas o que incorpora nas suas palavras tudo o que é necessário.
Cortejo a sua forma e o seu conteúdo. A fórmula do amor simples, puro. As dobras da cama em que cada um se deita na ilusão de encontrar o outro que está ausente. O fascínio dos seus breves momentos a dois.

É o meu primeiro contacto com Ítalo Calvino, autor italiano.
A minha irmã em tempos, teceu maravilhas do seu "As Cidades Invisíveis", mas eu assobiei para o lado, distraída nos meus próprios fragmentos. Não lhe dei muita importância.
Vou ter que dar. Há pelo menos mais dois ou três livros do autor que são intransponíveis.

  

2 de abril de 2022

 


DIA INTERNACIONAL DO LIVRO INFANTIL - 2 DE ABRIL




Hoje não vos quero maçar muito. Apenas dizer que somos todos crianças e que os centímetros que nos separam do chão vão variando com a idade, com os cabelos brancos, com o casamento e os filhos, com a vida que se transforma num emaranhado de correrias e canseiras, mas que nunca deixamos de ser crianças.

Eu não corria quando era criança. Talvez para a brincadeira! Para jogar à bola com os rapazes no recreio da escola, ao berlinde e ao toca e foge, à apanhada. Para o resto não!
Sempre fui a última a sair da mesa nas refeições, a última a atravessar a rua para o passeio da escola, a última a chegar ao pé da mãe junto ao muro que trazia o lanche. A última a entrar na conversa dos adultos. A última a dar conta que a carreira que nos levava da praia até a casa estava quase a partir e que eu ainda estava no mesmo sitio.
Quem me conheceu nessa época só se poderia referir a mim como parada. 
Se não era brincadeira não corria, andava. Devagar, devagarinho que o dia é longo e dá para tudo.
Deixamos de acreditar que dá para tudo quando crescemos.
Eu acreditava que poderia ter um casal de formigas. Era um assunto sério esta minha demanda para adquirir um casal de formigas. 
Mas enfim! Eu disse que não queria maçar muito.
Apenas quero mostrar aquilo que guardo na gazeta da minha mesa de cabeceira.
Os meus primeiros livros infantis. Um meu, dois da minha irmã que era mais velha, recebia primeiro e eu herdava depois.
Fiquei com os três na hora de mudar de casa e trazer o que é nosso. 
Colecção Pintarroxo. Editora Infantil Majora
Ainda há por aí alguém que se lembre?
Adaptação de lendas e contos.
Estão amarelinhos do tempo, quase desfeitos do uso. 

Hoje em dia o que não falta nesta casa são livros infantis, com capas coloridas e lombada dura. Histórias que já foram lidas e relidas.
Poderia referir muitos, mas fico-me pelo "O Tubarão na Banheira" de David Machado. Foi lido tantas vezes em voz alta. Decorei-lhe os cantos. As cores, as imagens, o avô e o neto, o tubarão dentro de uma banheira. Decorei-o tanto como o meu "O Conselho do Chimpanzé Barbaças" 
Isto também é ser criança, e a que eu tenho cá em casa (ela não vai ler isto, por isso eu posso ainda chamá-la de criança!), também não tem muita pressa nem se dá a grandes correrias.

Um dia feliz para todos vós neste dia Internacional do Livro Infantil.