Eleanor & Park - Rainbow Rowell
Diário de uma leitura;
Este livro foi escolhido por acaso. Quando falo de acaso, é mesmo acaso. Passei os olhos, e voltei atrás. Ups! Este é capaz de ser bom!
A primeira impressão dá ideia de um livro puro. Dois inadaptados. Um amor extraordinário.
E de repente hoje preciso mesmo disto.
Por inadaptação os meus dias ultimamente estão cheios.
Como o inicio da história mostrou-se tão genuíno como imaginava vou fazer um diário da leitura. Quero ler Eleanor & Park com a maior lucidez possível.
Preciso que eles não esbarrem na minha obscuridade e se percam para sempre.
Dia 1)
Sermos novos numa escola é uma treta! Principalmente quando somos inadaptados. Sermos inadaptados de nascença é outra treta. E acreditem, sei do que falo. Eleanor é a miúda nova do liceu, é nova na cidade também, e a família dela... bem, a família dela ainda é mais disfuncional. Se calhar utilizo mal o termo, deveria dizer cruel. Já perceberam tudo não!... ou quase tudo.
Como agravante Eleanor é roliça, tem cabelo ruivo, e veste de forma estranha... roupas largas, camisas de homem, calças velhas... gravatas como assessórios e outras coisas que tais... tudo disfuncional que chama a atenção da dita normalidade e que provoca troça.
Tem tudo para ser gozada. Ela gostava muito que não reparassem nela. Eu também gostava muito que ela passasse despercebida. Não propriamente despercebida, mas que tivesse as mesmas oportunidades dos outros de se integrar e fazer amizades. De ter uma vida em paz.
Park é coreano. Não é propriamente gozado mas é invisível. É preferível ser invisível do que ser gozado.
É um rapaz isolado como ponto de partida. É como uma opção. Park prefere que não o vejam do que o façam e que corra mal.
Park não tem a verdadeira noção da diferença entre gozado e invisível, pelos menos por agora. Estas duas palavras para ele são quase a mesma coisa.
Os dois vão no mesmo autocarro, e no primeiro dia em que Eleanor lá entra o destino, ou o gozo dos outros, ou a reação protetora, ou sei lá mais o quê, colocou os dois sentados lado a lado.
Park ia sempre sozinho e aquela proximidade, aquele ocupar de espaço do seu meio, e o facto de ter sido ele a permitir e até a incentivar, causa-lhe estranheza. Para Park, Eleanor parece-lhe ridícula, mais uma vez disfuncional, completamente fora de contexto. Pronta para o matadouro do gozo escolar. E ela ali sentada ao seu lado!
Começam por nem se falar, cada um tem uma ideia depreciativa do outro. Park, vai sempre a ouvir música e a ler. É uma forma de se isolar dos outros, mais agora que tem ao seu lado alguém tão longe da realidade.
Eleanor vai sempre de cabeça levantada com medo da opinião dos outros. Aos poucos ela começa a ler pelo canto do olho o que ele lê. Bando desenhada. Um dia ele empresta-lhe o livro para ela acabar de ler em casa, e no outro dia mais livros.
Mas a conversa? Essa é difícil. Primeiro conhecem-se em silêncio, depois começam a tentar conversar.
Dia 2)
E não consigo ler o livro depressa. Não é uma questão de não fluir ou de ser maçador, mas é preciso beber cada palavra porque Eleanor e Park tem uma relação que tem de se levar devagar. A sua aproximação, a sua intimidade mutua constrói-se um bocadinho de cada vez, um bocadinho muito pequenino em cada dia que passa.
"Quando entrou para o autocarro nessa manhã, levantou logo a cabeça em busca de Park. Ele também estava a espreitar, como se estivesse à espera dela. Ela não pôde evitar sorrir. Só um segundo."
A ternura com que se descobrem e descobrem os seus sentimentos é comovente. E a escrita é tão simples. Pura.
"Além disso, não era que eles estivessem só de mão dada. Park tocava-lhe nas mãos como se elas fossem algo raro e precioso, como se os dedos dela estivessem intimamente ligados ao resto do corpo. Claro que estavam. Era difícil explicar. Ele fazia-a sentir-se mais do que a soma das sua partes."
Dia 3)
Neste terceiro dia de leitura, os sentimentos entre Eleanor e Park começam a definir-se e a desabrochar. Parece começar a existir entre os dois uma necessidade de estarem um com o outro. Por vezes os sentimentos são tão confusos e a forma de os expressarem é tão a medo que atrapalham-se naquilo que dizem um ao outro.
É um tempo de descoberta. É um tempo de abandonarmos o egoísmo de eu.
A realidade em que cada um vive desfigura a forma de agirem e pensarem.
"Porque é que gostas de mim sequer?" Esta é a pergunta que Eleanor faz a Park, porque Eleanor não consegue assimilar que possa haver alguém que goste dela. É um sentimento abstrato dentro do seu universo.
O dialogo entre os dois quando Park liga para Eleanor pela primeira vez, é enternecedor. Pela primeira vez ouvem apenas as suas vozes, estão longe e ao mesmo tempo perto. Tem a distancia que lhes permite largar o medo e ser o mais sinceros possíveis.
"Eu não gosto de ti - disse ele - Eu preciso de ti."
A forma como expressam os sentimentos, é a pureza da idade ou a realidade do primeiro amor?
"- Podes perguntar-me porque é que eu preciso de ti - sussurrou ele. Já nem tinha de sussurrar. Ao telefone, ás escuras, ele só tinha de mexer os lábios e respirar. - Mas eu não sei. Só sei que preciso... tenho saudades tuas, Eleanor. Quero estar contigo o tempo todo. Tu és a rapariga mais inteligente que eu já conheci, e a mais divertida, e tudo o que fazes me surpreende. Quem me dera dizer que essas são as razões para gostar de ti, porque isso me faria parecer um ser humano realmente evoluído."
Eleanor é um pouco mais fechada,, mais triste, mais sombria, mas acreditem tem razões para o ser. Eleanor está fechada dentro de si mesma, com medo de tocar seja no que for, com medo de partir seja o que for. Eleanor é uma criatura constantemente magoada e esconde-se. Deus! Como eu entendo esta rapariga. Tem tanto medos dos seus próprios sentimentos, tem tanto medo de os dizer em voz alta.
"Eu não gosto de ti, Park - disse ela e, por um segundo parecia a sério. - Eu... - a voz dela quase que se desvaneceu - acho que vivo para ti."
Dia 4)
" Se tinha saudades dele?
Ela queria perder-se nele. Pôr os braços dele à volta dela como um torniquete.
Se lhe mostrasse o quanto precisava dele, ele fugiria."
Hoje é Domingo e pude mimar o livro durante mais tempo, por isso a história avançou bastante.
Eleanor acima de tudo esconde-se "E se Park se apercebesse de que todas as coisas que ele achava misteriosas e intrigantes acerca dela eram afinal apenas... uma desolação?"
Até certa altura e até em determinadas circunstâncias até Park teve a sua relutância em assumir os seus sentimentos por Eleanor. Até certa altura Eleanor teve muita dificuldade em expor a sua desoladora realidade.
O caminho deles vai ser difícil!
Mas acredito que possível.
Dia 5)
Terminei o livro neste dia... A profundidade de Eleanor vai ficar durante muito tempo na minha memória.
Este amor simples, completamente adolescente. Introvertido por vezes.
Eleanor nunca diz ao Park que o ama. Não é por falta de sentimento, é mesmo incapacidade de o expressar. Eu acredito, sinceramente que Eleanor também ama o Park, tanto ou mais quanto o Park a ama a ela.
Para Eleanor encontrar a paz é necessário que os dois se separem. Esta separação é consequência de problemas em casa de Eleanor, ao qual Park e Eleanor nada podem fazer. Eleanor vai então viver com os tios noutro estado da América separando-se assim de Park. Esta realidade torna-se também muito difícil para Park.
Park ama Eleanor, mas provavelmente não entendeu a complexidade do seu amor em Eleanor.
"Tinha a certeza que lhe iria agradecer por lhe ter salvado a vida. Não apenas no dia anterior mas, tipo, praticamente todos os dias desde que se tinham conhecido. O que a fazia sentir-se a rapariga mais parva e fraca. Se não se consegue salvar a própria vida, valerá a pena salvá-la de todo?
Os príncipes encantados não existem disse ela de si para consigo. Os felizes para sempre não existem.
Olhou para Park. Para aqueles olhos verdes-dourados. Tu salvaste-me a vida, tentou ela dizer-lhe. Não para sempre, mas em definitivo. Talvez só temporariamente. Mas salvaste-me a vida, e agora eu sou tua. O que eu sou neste momento é teu. Sempre."
Eleanor tinha essencialmente medo de encarar o que sentia. De se magoar e magoar o Park.
Amadurecer nestas circunstâncias é acima de tudo doloroso.
Foi um dos melhores livros que li este ano. E eu que comprei o o livro por acaso!