29 de abril de 2020


A Sombra do Vento - Carlos Ruiz Zafón

"Todos tememos um secreto escondido bajo llave em el ático del alma."



Já aqui tinha referido este livro e também tinha dito, que provavelmente voltaria a falar dele.
Assim é! Acabei a Sombra do Vento hoje depois de uma leitura viciante de 7 dias.
Abrandei o ritmo nos últimos dois dias, pois estava incapaz de separar-me dele.
Tenho como medida a paixão do livro pela capacidade que o mesmo me prende ás suas páginas e á mágoa que tenho em deixá-lo.
Este é sem dúvida um desses livros, que ficam colados á nossa pele, e aí vão prevalecer até aparecer outro tão viciante.

É dito nas críticas ao livro, que o mesmo é uma carta de amor á literatura. 
A minha opinião é a mesma!
O Autor é riquíssimo nas referências que faz a outros escritores e a outras obras literárias, clássicos ou não.
A descrição da cidade de Barcelona é minuciosa e as personagens tem uma estrutura emocional e descritas de forma exemplar. 
Até a vizinha da rua da Livraria dos "Sempere", até a porteira do prédio da Chapelaria "Fortuny".
Personagens que afloraram momentaneamente na história são descritas até á alma.

A trama, como lhe chamam. Gosto mais de referir história, pois é de histórias que os livros tratam, atravessa 2 gerações e cruza um passado com um presente que a certa altura parece que se repete.
Para situar, o livro atravessa os anos de 1919 a 1966. Um tempo lá longe para o nosso entendimento.

O que surpreende é que em cada capitulo o autor consegue espantar-me ao seguir por um caminho completamente diferente do que eu estava á espera.

A historia fala do amor aos livros. Primeiro ponto. A história fala do amor a uma mulher. Segundo ponto. A história fala de uma vida perdida como ser humano depois de perder esse amor. Terceiro ponto. A história fala de amizade entre os homens. Quarto ponto.
Pelo meio, como já referi o amor aos livros e ás histórias.
A guerra, o ódio, a avareza, a coragem e cobardia, e até o amor de um povo que neste caso é Espanhol, mas podia ser qualquer outro.
Qualquer outro se calhar não, que há por aí muito povo sem alma.

Atravessa a Segunda Guerra mundial mas aflora de uma forma muito lúcida a Guerra civil espanhola.
"A ideia de que a morte caminhasse a meu lado, com rosto humano e coração envenenado de ódio, vestindo uniforme ou gabardina, que fizesse fila no cinema, risse nos bares ou levasse as crianças a passear ao parque da Ciudadela de manhã e á tarde fizesse desaparecer alguém nas masmorras do Castelo de Montjuic, ou numa vala comum sem nome nem cerimonial, não me entrava na cabeça. dando voltas, ocorreu-me que talvez aquele universo de cartão-pedra que julgava ser bom não passasse de uma decoração. naqueles anos roubados, o fim da infância, como os comboios espanhóis, chegava quando menos se esperava."   
A primeira tentação pós-guerra é tentar esquecer a guerra e isola-la em silêncios nas gerações futuras.

Tem personagens devastadoras como Núria Monfort, que vive uma vida de entrega.
"De tanto temer, esqueci-me que envelhecia, que a vida me passava ao lado, que sacrificara a minha juventude amando um homem destruído, sem alma, que não passava de um fantasma"

Como Fermín Torres, talvez uma das personagens mais completas. Fermín dizia muitas vezes "Tenha fé".
A personagem é apresentada de uma forma muito rica. Um mendigo que é resgatado das ruas, mas com uma sabedoria que aparenta ser de trazer por casa. Têm uma capacidade de ler o mundo e mais do que isso, ler as pessoas.
No fim do livro numa conversa entre ele e Daniel Sempere, a propósito de irem cumprir uma promessa que fizeram a um velho de um Lar de Idosos, temos este pequeno tesouro;
"- Fala como a Rocitto, Fermín.
  -Não se ria, que são pessoas como ela que fazem deste mundo-cão um sítio que vale a pena visitar. 
  - As P...?
  - Não. P... somos todos nós, mais tarde ou mais cedo. Eu digo as pessoas de bom coração."
Arrisco-me a definir Fermín, para além de tudo o mais como uma pessoa de bom coração.

Depois temos Julian Carax, uma incógnita em todo o livro. O livro gira á volta desta personagem e da sua vida. Na descoberta daquilo que lhe poderá ter acontecido.
Aquele que parece ser um homem frio e oportunista, um escritor de "beira de escada" pela pouca aprovação do público e das vendas, mais não é, que um homem só a quem lhe foi roubado o amor e por isso incapaz de voltar a amar. As edições dos seus livros tem muito poucas vendas, mas apesar disso a editora que os vende continua a fazê-lo, mas são poucos os que o lêem mas ficam viciados na sua escrita, nas suas histórias.
"... a arte de ler está a morrer muito devagar, que é um ritual íntimo, que um livro é um espelho e que só encontramos nele o que temos dentro, que ao ler empregamos a mente e a alma, e que estes são bens cada dia mais caros."
O livro atravessa toda a sua vida, apesar de Julian não ser a personagem central. Atravessa também outras vidas, como Daniel Sempere, como Fermín Torres, e muitos mais.
Mas é esta personagem que faz girar a história e a sua vida é desfiada aos poucos. Chegamos ao fim do livro a saber tudo dele... o bom, mas também o mau. O amor, mas também a ganância, a destruição mas também a esperteza, a morte mas também o amparo. 
Como alguém me disse um dia, a maioria de nós não somos brancos nem pretos, mas cinzentos! Uma mistura de que existe de bom e de mau na humanidade.

Tive anos de relutância quanto a este livro. 
Foi editado pela primeira vez em 2001, e em Portugal já vai na 33ª edição. Ouvi vezes e vezes sem conta a Mariana Alvim da "RFM" a referir-se a esta livro como um dos melhores livros que leu. E eu relutante! Vezes e vezes sem conta!

Reconheço que ás vezes tenho grande dificuldade em ter fé, mas como dizia Gustavo Barceló, outra personagem do livro, "falar é de ignorantes, calar é de cobardes, ouvir é de sábios" 

A Sombra do Vento é uma melodia aos nossos sentidos.
É por livros como este que eu gosto tanto de ler. Faço parte desta história.





23 de abril de 2020


Para comemorar o dia mundial do Livro, vamos abrir as páginas a várias obras...


Terminei a sua leitura á dois dias. Fazia parte da minha lista de leitura á muito tempo, mas despertou-me o interesse depois de ter lido outro livro sobre D. Sebastião.
A um Rei do qual não sabemos o verdadeiro destino, transforma-se num labirinto de imaginações possíveis.
E afinal D. Sebastião não morreu.
No caso deste livro de Catherine Clement, o Rei não morreu, mas tornou-se irreconhecível, limitando o seu regresso. O seu destino seria igual a tantos outros que se fizeram passar por ele. A morte.
O livro é muito envolvente e fascinante e de leitura fácil. Acabei de o ler sem dar conta que estava a chegar ao fim.




Comecei ontem Zafón...
Mantive sempre uma obstinada teimosia em não ler Zafón apesar de todas as criticas que lia e ouvia sobre o autor e sobre este livro em particular.
Esteve por diversas vezes nas minhas listas de próximas compras mas tinha sempre desculpas para acabar por não adquirir o livro... ou porque estava esgotado, ou porque era muito caro para o plafon do momento, ou porque não queria começar a seguir outro escritor. Dizia para mim mesma que não teria tempo para mais um escritor... puf!? Desculpas!
Adquiri o livro enfim já este mês com um vale de desconto que tinha disponível, e o preço deixou de ser desculpa, e assim que chegou passou automaticamente para a leitura seguinte.

"- Os livros são chatos.
- Os livros são espelhos: Neles só se vê o que possuímos por dentro."

Comecei ontem, ainda não li muito, mas o livro é deveras absorvente;

"Nunca confies em ninguém, Daniel, em especial nas pessoas que admiras. São essas que te darão as maiores punhaladas."

Quando acabar de ler, creio que voltaremos a falar dele neste Blog.

E como hoje é o dia do livro, é uma óptima oportunidade para adquiri livros. 
Aproveitar os descontos e as ofertas que estão no mercado.



Estas foram as aquisições de hoje, todas encomendadas no conforto de uma cadeira e á frente de um computador.

- A Sombra do que fomos - Luís Sepúlveda
Já tinha falado deste escritor no blog, aquando da sua morte, e esta é uma justa homenagem. Como referi, era um escritor que seguia desde os anos 90, e por nenhuma razão em especial deixei passar algumas obras ao lado. Esta é a primeira oportunidade para voltar a esse caminho de "Resistência"

- Chuva Miúda - Luís Landero
Mais um escritor desconhecido para mim, ao qual vou-me atirar de cabeça. Não vou completamente ás escuras já que a capa do livro tem uma critica do autor Manuel Vilas. E se Manuel Vilas diz que é bom, eu acredito.

- Marina - Carlos Ruiz Zafón
Este foi o mais difícil de escolher. Entre mais 3 ou 4 possíveis escolhas escolhi este titulo pela frase do autor sobre o livro. 
«Por qualquer estranha razão, sentimo-nos mais próximos de algumas das nossas criaturas sem sabermos explicar muito bem o porquê. De entre todos os livros que publiquei desde que comecei neste estranho ofício de romancista, lá por 1992, Marina é um dos meus favoritos.»

"Todos tenemos um secreto escondido bajo llave em el ático del alma."

Agora reparo que por um acaso, as minhas aquisições são de escritores de língua Espanhola.
Será a musicalidade da língua na Série La Casa de Papel, que me ficou na cabeça?

Mas...


algo me espera na mesa de cabeceira que também partilho convosco, caso precisem de ideias;

  • A noite em que o Verão acabou - João Tordo
  • O Pianista de Hotel - Rodrigo Guedes de Carvalho
  • A Traição de D. Manuel I - Jorge Sousa Correia
  • A Educação dos Gafanhotos - David Machado
  • O Império dos Pardais - João Paulo Oliveira e Costa
  • Ecologia - Joana Bertholo
  • Biografia involuntária dos Amantes - João Tordo
  • Ensaio sobre a Cegueira - José Saramago
  • O evangelho segundo Lázaro - Richard Zimler
  • Introdução ao Cristianismo - Joseph Ratzinger

Que Deus nos dê vontade para ler!...






Vamos comemorar o Dia Mundial do Livro... com boas leituras!




20 de abril de 2020


Escola Vertical






"Um bom leitor não dá necessariamente um bom escritor, mas um bom escritor é quase sempre um bom leitor (tendo a perfeita noção de que há excepções).
A escola dos seus escritores está nas suas prateleiras."


Jalan Jalan - Uma Leitura do Mundo
Afonso Cruz

19 de abril de 2020


Ainda Luís Sepúlveda...
( Parte I )

Recebi a noticia da morte de Luís Sepúlveda, com mágoa.
Acompanhei desde o inicio a informação, e acreditava sinceramente que o escritor iria conseguir resistir a mais uma prova.
A 14 de Março vi na RTP, a entrevista que ele e a sua esposa deram no evento "Corrente d´Escritas", e tomei como certo que um homem que politicamente tinha passado por tantas dificuldades e duras provas, não seria o Covid-19 que o iria levar.
Mas tarde surgiu a noticia que tinha melhorado, e não pensei mais no assunto. Dei-o como mais uma batalha ganha por Luís Sepúlveda, e que muito em breve teríamos um novo livro do escritor.

Nos finais da década de 90, inícios do novo milénio, Luís Sepúlveda era um dos meus escritores preferidos;
O Velho que lia romances de amor, História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar, Encontro de amor num país em guerra, Nome de Toureiro, Mundo do fim do mundo, As rosas de atacama, Diário de um killer sentimental, Patagónia Express.
Tenho todos eles em edições antigas, ainda das Edições ASA.

Mais tarde, muito mais tarde, depois da minha filha ler História de uma Gaivota e do gato que a ensinou a voar, foram aparecendo cá por casa outros títulos História de um cão chamado Leal, História de um caracol que descobria a importância da lentidão, História de um gato e do rato que se tornaram amigos e História de uma baleia branca.
Todos para ela ler, mas que eu lia também.

Em pesquisa recente, descobri que me falham alguns títulos.
Que houve uma época que me desviei deste propósito de seguir Sepúlveda.
Nas redes sociais neste últimos dias, várias homenagens tem sido feitas ao escritor, mas existe uma pela qual tenho muito respeito, uma frase dita pelo escritor;

"admiro os resistentes, os que fizeram do verbo "Resistir" carne, suor, sangue, e demonstraram sem espaventos que é possível viver, mas viver de pé, mesmo nos piores momentos"

Esta é uma razão que me faz continuar a seguir Sepúlveda... a Resistência!

Cada um tem a sua. A de Sepúlveda, e de muitos outros que lutaram pela liberdade de um país é de certo maior que a resistência do dia a dia.
Mas acredito, que quando Sepúlveda disse o que disse, não se referiu só aos presos e perseguidos políticos, mas fala de todos os tipos de Resistência, e principalmente há nossa Resistência diária.

Para que não esqueça a Resistência diária, vou trazer aqui ao blogue todos os livros de Sepúlveda.
Começo pelo primeiro que li na década de 90, e o primeiro que fui buscar agora para ler ou reler Sepúlveda.

O velho que lia romances de amor



- Ainda não morreste, António José Bolívar?
Antes de responder, o velho cheirou os sovacos.
- Parece que não. Ainda não deito mau cheiro

António José Bolívar é o velho desta história que vive no principio da Amazónia.
O livro é uma homenagem ao mundo da Amazónia.
Fala do respeito que devemos uns aos outros e quando falamos de outros, não se limita aos nossos irmãos, seres humanos, mas a toda a criação. Há Natureza e aos animais.
Fala de um homem que no nosso mundo dito civilizado não passa de um ignorante e simplista, que nunca foi á escola, que nunca trabalhou numa empresa, e que a casa é sempre uma barraca... sem luxos nem adereços. Só com o que é preciso.
No entanto é um homem que sabe aquilo que nós não sabemos, pois viveu com os Índios mas não é um deles. Vive na Amazónia e compreende o significado do ambiente que o rodeia com simplicidade e sem insolência.
Compreende os animais, mas muitas vezes não compreende o homem.
Bicho difícil de compreender... o homem!
Com a passagem breve de um missionário pela aldeia, descobre o livro, e a partir desse momento vemos um velho que se reinventa para aprender a ler, descobrir o seu género literário e fazer do livro o seu momento de contentamento.
Há parte desta história poética, corre também a história da caçada a uma Onça que vai matando por onde passa em vingança pela morte da sua ninhada.
Esta narrativa paralela em que o velho participa como caçador, não por queira, mas porque é levado a fazê-lo denuncia a fraqueza de carácter humano do administrador da localidade, do medo de quem não compreende o lugar onde vive e a natureza daquilo que o envolve.

O velho compreende e sabe como pensa o animal e caça-o a principio contrariado, mas quase até ao fim de igual para igual.
Quase até ao fim...
"O velho acariciou-a, ignorando a dor do pé ferido, e chorou de vergonha, sentindo-se indigno, envilecido, de modo nenhum vencedor daquela batalha."
A Onça faz todo o seu caminho, um percurso limpo e honesto.
Quem dera que a maioria dos homens soubessem fazer o mesmo!


 

17 de abril de 2020


O Regresso do Desejado - Ricardo Correia



Sempre gostei de romances históricos.
Para além da parte histórica que por norma é sempre bem trabalhada pelos escritores, aliar isso ao romance é notável.
É como contar uma história em cima de outra história que sabemos que foi real e que se passaram noutros tempos no nosso país. 
Digo nosso país, porque por norma escolho romances históricos sobre a história de Portugal. 
Mas também os há de outros países como França e Inglaterra. Esses ficarão para outra altura
É a melhor forma de conhecermos o nosso passado, e de nos orgulharmos ou não dele.

Há uma parte da história de Portugal que nos é especialmente amarga. 
A Batalha de Alcácer-Quibir, a derrota, e a perda de D. Sebastião e a independência para o Rei de Espanha.
Culpamos D. Sebastião por ter sido tão imaturo, mas continuamos a suspirar por ele cada vez que temos nevoeiro. E digo-vos, aqui para os meus lados, temos sempre muitos dias de nevoeiro!

Mas depois existe o livro, o escritor e a inspiração... e se na derrota de Alcácer-Quibir, o rei não tivesse morrido? E se em vez dos Espanhóis terem controlado os territórios portugueses na Europa e nas colónias, tivesse sido Portugal que tivesse controlado os territórios Espanhóis?
Há pois é! 
Interessante, não é?

A história será uma trilogia, e o primeiro volume intitula-se Ascensão e o segundo volume Inquisição.
O primeiro volume foi editado em 2018, e tive de esperar por 2019 para poder ler o segundo volume.
Tendo em conta que não passam de ficção, e é nessa base que temos de partir para a sua leitura, as personagens retratadas são as da época, como o Rei D. Sebastião de Portugal, o Rei D. Felipe de Espanha e até a casa de Habsburgos.
Este segundo volume é particularmente interessante porque retrata a época -  na minha opinião mais vergonhosa da Santa Sé - da Inquisição. 



Assim como nos dias de hoje, também no tempo de El-Rei D. Sebastião, a maioria das ideias estavam ultrapassadas. "Precisamos de paz, da ciência, dos desenvolvimentos, do ouro. É nesse sentido que precisais de estabelecer um governo forte e capaz, de vos rodear daqueles que vos são fiéis, e de mostrar que o rei está acima de todos, não como uma estátua, mas como protector."

14 de abril de 2020


Em tudo havia beleza [Ordeza] - Manuel Vilas



"Ter alguém á nossa espera algures é o único sentido da vida, e o único êxito."

O meu pai, leu algures uma nota sobre este livro á pouco mais de um mês, e perguntou-me se tinha o livro ou conhecia o livro.
Confessei a minha ignorância. Nunca tinha visto o título, nem sequer o autor, e pensei cá para os meus botões onde "raio", ele o tinha encontrado.
Confesso que quando procurei informações a capa atraiu-me automaticamente. 
A minha primeira paixão são as capas dos livros... raramente compro um livro se não gostar da capa.
A minha mãe faz pior, tem de gostar da capa e da última página do livro. 
São crenças irracionais que nem sempre dão certo e produzem as melhores escolhas, mas são crenças inevitáveis na minha condição de ser humano imperfeito.
Seja como for, para além da capa o resumo ou texto na contra-capa indicado na "Wook", manteve a minha curiosidade activa e respondi ao meu pai, que sim, que o livro deveria ser BOM. 
Queres comprar? Não... acho caro, mais de 20,00€. Não existe disponível na Internet?
Havia 29 páginas disponíveis no site da "Wook", que imprimi e lhe dei. 
Que não li, porque não gosto de ler primeiras páginas e depois? 
Se é mesmo bom e não tenho o resto do livro para ler?! Mais crenças irracionais!!?
Assim que pude comprei o livro e assim que deu comecei a ler.

A história assenta nas lembranças e memórias que o autor tem dos progenitores. Do pai e da mãe.
Os dois já morreram e o autor vive uma vida sem sentido, porque perdeu ainda em vida dos mesmos o elo que o ligava a eles. Perdeu em vida, procura após a morte. E essa procura é inquietante e dramática. É ao mesmo tempo uma alegoria de ternura por aquilo que ser perdeu.
A história é contada de uma forma muito simples e subtil e o livro até está incluído no PNL (Plano Nacional de Leitura), para formação de jovens adultos.
Fala de uma Espanha igual a qualquer outro país, em que as desigualdades económicas trazem um desalento á alma humana.

" Nunca me habituarei a ser pobre. Chamo pobreza ao desamparo. Confundi pobreza e desamparo: têm o mesmo rosto. Mas a pobreza é um estado moral, um sentido das coisas, uma forma de honestidade desnecessária. Uma renúncia a participar no saque do mundo, é isso a pobreza para mim. Talvez não por bondade ou por ética ou por um qualquer ideal elevado, mas por incompetência na hora de saquear."

"Se cheiras a limpo, é porque outros estão sujos, não te esqueças."

Fala de como a sociedade encara certas profissões e as desumaniza, como é o caso da profissão do autor (Professor), ou melhor, fala de como as próprias pessoas se desumanizam ao longo da vida, naquilo que fazem e naquilo que são

"Aqueles miúdos eram humilhados e ofendidos pelos professores, esses medíocres com rancor pela vida. Nem todos eram assim. Havia professores que amavam a vida e tentavam transmitir esse amor aos seus alunos. É a única coisa que um professor deve fazer: ensinar os seus alunos a amar a vida e a entendê-la, a entender a vida a partir da inteligência, de uma festiva inteligência; deve ensinar-lhes o significado das palavras, mas não a história das palavras vazias, antes o que significam; para que aprendam a usar as palavras como se fossem balas, as balas de um pistoleiro lendário.
Balas apaixonadas.
Mas eu não via isso a ser feito.
Os professores estão mais alienados do que os seus alunos."

Quantos de nós estão encerrados nas páginas deste livro. 
Em quantas camadas da nossa pele estão os nossos mortos.
O autor fala de muitas coisas que eu identifico na minha vida, que todos nós, acredito que suportamos.
A morte de alguém próximo, o fim da juventude, o termo da inocência, a cessação dos sonhos. 
Mais do que tudo, o desmoronar das certezas.

" Lembrei-me de quando o tinha, quando tinha um futuro.
É a sensação mais valiosa da vida, quando ainda nada começou. Quando o pano ainda não subiu, esse momento.
Sei que há pessoas que nunca mais verei, pessoas que foram importantes na minha vida, e que já não voltarei a ver, não por terem morrido, mas porque a vida tem leis sociais, culturais, sei lá, na realidade são o leis políticas, são leis atávicas, leis que ajudaram a montar isto a que chamamos civilização.
Funcionam assim os seres humanos: há pessoas com as quais, embora estando vivas, nunca mais voltaremos a relacionar-nos, e que alcançam assim o mesmo estatuto que os mortos."

A meio do livro, a escrita flui para um ponto de convicção. O valor do amor, a importância daquilo que somos e a certeza daquilo que nos define.

"...Daí ser tão importante a paternidade, porque anula a dúvida, nunca duvidamos. Daremos sempre a nossa vida pelo nosso filho. Tudo o mais que há no mundo é confusão, vacilação, perplexidade, egoísmo, indecisão, incerteza, nenhuma grandeza..."
"A paternidade e a maternidade são as únicas certezas. Tudo o mais quase não existe."

Mais do que isso, a importância da vida, não se define pela quantidade de objectos que acumulamos ao longo desta, mas pelo amor que temos pelos outros e pelo amor que esses nos tem a nós. 

"Enfim, mamã, não sabia que te amava tanto.
Já tu sabia-lo, porque sempre soubeste tudo."

É de certeza um livro a ler e a guardar com carinho.


   

10 de abril de 2020


O Principezinho - Antoine de Saint-Exupéry
Parte I

Anotado por José Luís Peixoto, Ilustrado por Hugo Makarov



Comprei esta edição em 2016 por acaso e até então nunca tinha lido O Principezinho! 
Que falha grave... nunca ter lido O Principezinho.
É interessante verificarmos como a nossa evolução tem tendência a seguir certos caminhos que consideramos mais sérios e mais evolutivos e deixamos para trás as coisas simples e belas.
Na época em que deveria ter lido O Principezinho, não o li, porque achei que o livro era demasiado infantil. Nessa altura não havia o PNL (Plano Nacional de Leitura), e na escola não se incutia o gosto e a diversificação da leitura. O livro era o nosso livro de Português.
No tempo em que deveria ter lido O Principezinho, lia Agatha Christie e policiais, Eça de Queirós e romances.
Sinceramente, olhava para o livro O Principezinho, como um livro fútil e demasiado abonecado.
Mas é como o próprio autor escreve. " O essencial é invisível aos olhos."

O livro é um livro de valores. 

Um livro povoado de pessoas crescidas e muito sérias. 
Damo-nos conta que as crianças vivem sempre sós, sem ter alguém com quem realmente pudessem falar, porque os seus pensamentos não são compreendidos pelos adultos.
Percebemos que os adultos procuram a pressa, o lucro, a segurança, a lógica, a precisão e que as crianças procuram a imaginação.
Pior que crescer é esquecer!
"O sítio de onde eu venho é muito pequeno. preciso de uma ovelha. Desenha-me uma ovelha. E eu desenhei.
Ele examinou o meu desenho com atenção e disse: 
-Não. Essa já está muito doente. Faz outra.
E eu fiz.
O meu amigo sorriu meigamente, com indulgência.
-Olha lá... Isto não é uma ovelha, é um carneiro. Tem chifres...
Refiz o desenho mais uma vez.
Mas ele foi recusado, tal como os anteriores.
-Essa é velha de mais. Eu quero uma ovelha que viva muito tempo.
E foi então que, prestes a perder a paciência, porque tinha pressa de começar a desmontar o motor, rabisquei este desenho:
e disse-lhe:
-Aqui tens uma caixa. A ovelha que tu queres está lá dentro.
Quando vi o rosto do me jovem juiz iluminar-se, fiquei muito admirado.
-Era mesmo isto que eu queria! Achas que esta ovelha precisa de muita erva?
-Porquê?
-Porque o sitio onde vivo é muito pequeno...
-De certeza que é suficiente. A ovelha que te dei é pequenina.
Ele inclinou a cabeça na direcção do desenho.
-Assim tão pequena também não... Olha!
Adormeceu...
E foi assim que eu conheci o Principezinho"








7 de abril de 2020



HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
na Basílica de S. Pedro, a 27 de Março de 2020)



«Ao entardecer…» (Mc 4, 35): assim começa o Evangelho, que ouvimos. Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo dum silêncio ensurdecedor e um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos. À semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos. Tal como os discípulos que, falando a uma só voz, dizem angustiados «vamos perecer» (cf. 4, 38), assim também nós nos apercebemos de que não podemos continuar estrada fora, cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos.
Rever-nos nesta narrativa, é fácil; difícil é entender o comportamento de Jesus. Enquanto os discípulos naturalmente se sentem alarmados e desesperados, Ele está na popa, na parte do barco que se afunda primeiro... E que faz? Não obstante a tempestade, dorme tranquilamente, confiado no Pai (é a única vez no Evangelho que vemos Jesus a dormir). Acordam-No; mas, depois de acalmar o vento e as águas, Ele volta-Se para os discípulos em tom de censura: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» (4, 40).
Procuremos compreender. Em que consiste esta falta de fé dos discípulos, que se contrapõe à confiança de Jesus? Não é que deixaram de crer N’Ele, pois invocam-No; mas vejamos como O invocam: «Mestre, não Te importas que pereçamos?» (4, 38)   Não Te importas: pensam que Jesus Se tenha desinteressado deles, não cuide deles. Entre nós, nas nossas famílias, uma das coisas que mais dói é ouvirmos dizer: «Não te importas de mim». É uma frase que fere e desencadeia turbulência no coração. Terá abalado também Jesus, pois não há ninguém que se importe mais de nós do que Ele. De facto, uma vez invocado, salva os seus discípulos desalentados.
A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projectos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de «empacotar» e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente «salvadores», incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades.
Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso «eu» sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos.
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Nesta tarde, Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a todos. Neste nosso mundo, que Tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: «Acorda, Senhor!»
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Senhor, lanças-nos um apelo, um apelo à fé. Esta não é tanto acreditar que Tu existes, como sobretudo vir a Ti e fiar-se de Ti. Nesta Quaresma, ressoa o teu apelo urgente: «Convertei-vos…». «Convertei-Vos a Mim de todo o vosso coração» (Jl 2, 12). Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de decisão. Não é o tempo do teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de decidir o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros. E podemos ver tantos companheiros de viagem exemplares, que, no medo, reagiram oferecendo a própria vida. É a força operante do Espírito derramada e plasmada em entregas corajosas e generosas. É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espectáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho. Perante o sofrimento, onde se mede o verdadeiro desenvolvimento dos nossos povos, descobrimos e experimentamos a oração sacerdotal de Jesus: «Que todos sejam um só» (Jo 17, 21). Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas responsabilidade! Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia-a-dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos! A oração e o serviço silencioso: são as nossas armas vencedoras.
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» O início da fé é reconhecer-se necessitado de salvação. Não somos auto-suficientes, sozinhos afundamos: precisamos do Senhor como os antigos navegadores, das estrelas. Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida. Confiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo, experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: fazer resultar em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas ruins. Ele serena as nossas tempestades, porque, com Deus, a vida não morre jamais.
O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e activar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do seu amor redentor. No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de afectos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não apaguemos a mecha que ainda fumega (cf. Is 42, 3), que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança.
Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades da hora actual, abandonando por um momento a nossa ânsia de omnipotência e possessão, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é capaz de suscitar. Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade. Na sua cruz, fomos salvos para acolher a esperança e deixar que seja ela a fortalecer e sustentar todas as medidas e estradas que nos possam ajudar a salvaguardar-nos e a salvaguardar. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança. Aqui está a força da fé, que liberta do medo e dá esperança.
«Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» Queridos irmãos e irmãs, deste lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de vos confiar a todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do seu povo, estrela-do-mar em tempestade. Desta colunata que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade. Continua a repetir-nos: «Não tenhais medo!» (Mt 14, 27). E nós, juntamente com Pedro, «confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque Tu tens cuidado de nós» (cf. 1 Ped 5, 7).



Por Amor




Sou Cristã, mas a religião é algo difícil de explicar hoje em dia.
Se acredito em Cristo? Muito, muitíssimo...tenho razões na minha vida para acreditar. 
Sempre tive uma vida relativamente tranquila, e nas dificuldades ele esteve sempre lá, e nunca me deixou de ouvir.

Não vou á missa todos os domingos, nem faço parte de uma comunidade paroquial... não rezo sequer todos os dias, mas acredito em Deus Pai. Acredito que não estamos sós, nunca estamos sós.
Acho também que o nosso caminho espiritual deve ser feito na nossa própria solidão e deve ser feito sempre em consciência com aquilo que acreditamos e aprendemos. Não podemos só dizer que acreditamos em Cristo, sem procurarmos saber quem foi Cristo e aquilo que ele nos ensinou.

Faço parte da geração que nasceu e cresceu com o Papa João Paulo II. 
Posso dizer que cresci a admirar João Paulo II, mas não conheço o que pensava e o que escrevia. Ainda não li nenhum texto seu. Espero que quando o fizer continue a admira-lo também pelo que escrevia.

Bento XVI, no entanto pareceu-me sempre um desengano... não é fácil vir atrás de João Paulo II.
Foi apelidado de Nazi, alemão, e era visivelmente pouco dado e de olhar vazio. As aparências iludem. E meus amigos, podem iludir mesmo. Todos somos filhos de Deus.

Tenho alguns livros de Bento XVI, inclusive o "Jesus de Nazaré", que ainda não li, ao contrário dos livros do Papa Francisco que leio com bastante regularidade.
À bem pouco tempo peguei neste "Por Amor" de Bento XVI e descobri que nada é o que parece;

"Ressuscitei, e estou contigo para sempre." Di-lo a cada um de nós: "Não há uma noite em que Eu não esteja contigo. E, por mais assustado que estejas e por mais distante que Deus te pareça estar, Eu estou contigo. Consola-te, ressuscitei e estarei sempre contigo."
Sim, "ressuscitei, e estou contigo para sempre", onde quer que os teus caminhos te levem. 


4 de abril de 2020



As mais belas coisas do mundo




Existe um conto de Valter Hugo Mãe, intitulado "As mais belas coisas do mundo".
O conto cai na nossa alma pela extrema sabedoria. 
É uma lição de inocência, é um grito do livro dos conselhos...Deixa-te levar pela criança que foste.

Deixa-te levar pela criança que foste.

"O meu avô sempre dizia que o melhor da vida haveria de ser ainda um mistério e que o importante era seguir procurando. Estar vivo é procurar, explicava."

"Explicava sempre que aprender é mudar de conduta, fazer melhor."

"Elogiava insistentemente o cuidado."

"Estava constantemente a pedir-me que prestasse atenção. Se prestares atenção vês corações e podes tirar medidas á felicidade."

Se prestares atenção vês corações...presta atenção a quem te olha nos olhos, olha para as rugas grossas das mãos de um "velho" e aí verás um ser humano sábio, não um "velho"!

"Comecei por entender que nenhuma vitória me gratificava mais do que descortinar uma resposta e aceder a um abraço. De cada vez que a nossa cabeça resolve um problema aumentamos de tamanho."

"O meu avô pedia que não me desiludisse. Quem se desilude morre por dentro. Dizia: é urgente viver encantado. O encanto é a única cura possível para a inevitável tristeza."

Se não te desiludires a cada passo que dás, a cada tombo que levas, a cada desgosto que tens, podes descobrir se quiseres que apesar de tudo não morres por dentro, estás vivo, e podes continuar o teu caminho.

"Um dia, explicou-me, eu passaria a ser capaz de colocar as minhas próprias questões, ofício mais difícil ainda do que procurar respostas."

Se conseguires colocar as tuas questões não precisas pensar aquilo que os outros querem que tu penses. Não compres tudo empacotado, mas descobre o teu caminho. E não tenhas pressa... o caminho faz-se caminhando...

"... não devemos dar tanta atenção ao preço mas ao valor."

"A quietude é uma cerimónia do pensamento, mas logo é fundamental bulir. Fazer qualquer coisa."

O trabalho é a única coisa que nos dá dignidade, seja ele qual for.
Não há floreados para o trabalho. "Fazer qualquer coisa." "É fundamental bulir"

"Naquele tempo, o meu avô perguntou-me quais seriam as coisas mais belas do mundo.Eu não soube o que dizer... Ele sorriu e quis saber se não haviam de ser a amizade, o amor, a honestidade e a generosidade, o ser-se fiel, educado, o ter-se respeito por cada pessoa. Ponderou se o mais belo do mundo não seria fazer-se o que se sabe e pode para que a vida de todos seja melhor."

Amizade, amor, honestidade, generosidade, fiel e respeito...amizade, amor, honestidade, generosidade, fiel e respeito...
Tão fácil. É tudo tão simples.

"Para a beleza é imperioso acreditar. Quem não acredita não está preparado para ser melhor do que já é. Até para ver a realidade é importante acreditar."

"Jurei acreditar. Acreditei sempre, mesmo antes de saber o quanto."

Que será de nós sem os nossos velhos... onde estão as crianças que fomos? Nem nós acreditamos!

" E entendi que fazer-lhe justiça era acreditar que, um dia, alguém poderia reconhecer a sua influência em mim e, talvez, considerar de mim algo semelhante. Com maior erro ou virtude, eu prometi tentar." 

Nos dias de hoje que o medo, ocupou o lugar de todos estes valores, aqueles que nos ensinaram tudo o que é essencial estão á distancia de uma porta que não se pode atravessar.
Mas as coisas mais belas do mundo foram os nossos avós que nos ensinaram...o legado que eles nos deixam tem de ser maior do que o medo!

1 de abril de 2020


Ainda sobre Fernando Pessoa...

Existe um poema de Fernando Pessoa datado de 1932, em que ele escreve o seguinte;

"Eu sou uma antologia
Escrevo tão diversamente
Que, pouca ou nenhuma valia
Dos poemas, ninguém diria
Que o poeta é um somente."

e existe um livro editado pela primeira vez em 2013, da autoria de Jerónimo Pizarro, intitulado Eu sou uma antologia - 136 autores fictícios
O livro apresenta textos escritos por Fernando Pessoa, em 136 autores de criação imaginária do próprio escritor.
Ainda não li o livro todo, mas não resisti a transcrever para o blog esta "Equivocal Love Letter" [Carta de Amor Equívoca], assinada por H.W.M. e datada de 2 de Abril de 1901, quando o escritor teria 12 anos.

Carta de amor equívoca

À-
O grande amor que até agora te comuniquei
é falso, e creio que a minha indiferença por ti
cresce a cada dia. Quanto mais te vejo, mais
apareces a meus olhos como digna de desprezo,
sinto que estou inteiramente disposto e determinado a 
odiar-te. Acredita que nunca tive intenção de
conceder-te a minha mão. A nossa última conversa
deixou-me com uma monotonia tediosa, que de forma alguma
me proporcionou a mais exaltante imagem do teu carácter,
o teu temperamento tornar-me-ia extremamente infeliz
e ao unirmo-nos, não sentiria senão o
ódio dos meus pais, juntamente com o interminável des-
agrado de viver contigo. Eu tenho, de facto, um coração
para oferecer, mas não podendo dá-lo a ninguém mais
inconsistente e caprichoso que a ti e menos
capaz de honrar a minha escolha e família.
Sim, espero que fiques persuadida de que
falo de forma sincera e far-me-ás um favor ao
ignorar-me. Dou-te licença de evitares o trabalho de
responder a isto, as tuas cartas são sempre cheias de
impertinências, e não tens a mais pequena noção de
génio e bom senso. Adieu!Adieu! Imagina-me
tão adverso a ti que me é impossível alguma vez ser 
o teu mais afectuoso amigo e humilde servo.


Nota Breve: Após ler, começar de novo na primeira linha e ler, cada linha alternadamente até ao final.

Digam lá... é mesmo uma carta de amor ou não é?