RUMO AO FAROL - VIRGINIA WOOLF
São seis da tarde, tenho a janela aberta do meu quarto, os pássaros cantam nos beirais das janelas e nas cordas do meu estendal. Hoje o som do balidos das ovelhas não se ouviu; devem ter escolhido outro caminho para o pasto, há vários dias que só lhes oiço o silêncio.
Rumo ao Farol perde-se ainda em cima da minha secretária embora já tenha terminado a sua leitura à dias; ficará ainda mais algum tempo aqui, ficará porque preciso dele. Preciso de lhe sentir os passos e preciso da esperança, do ridículo, da subtileza, da beleza e da simplicidade de Mrs. Ramsay.
Mais do que Mrs. Ramsay, necessito de Virginia Woolf; da sua maneira única de escrever, da sua falta de confiança na realidade - também não a tenho - na sua abordagem com particular valorização na personagem, neste ser humano vivo, pulsante e controverso a quem a alma também de si humana se remexe e desfaz.
Ela; Virginia Woolf, compreendeu essa alma difusa que se distancia da realidade e questiona-a melhor do que ninguém.
A subtileza com que dilui a condição da mulher; o que dela se espera em comparação ao que se espera do homem. Aquele irmão que cresceu e está ao nosso lado está sujeito a outras pressões e a outras divisões dos sentidos.
A mulher que nunca casou, talvez porque era bastante fria, distante e independente; e todos esses adjetivos tornavam-se um rasto de qualquer coisa, algo único que agrada a outras mulheres que a conseguem compreender, mas que não agradará decerto a nenhum homem.
Virginia Woolf desenha a vida de Mr. Ramsay e Mrs. Ramsay como um casal perfeito aos olhos alheios; ele professor, escritor, filosofo de relativo sucesso; ela mulher, mãe de oito filhos e extremamente bela.
Ele, por vezes, impulsivo e desagradável, ela, contida, amante, mulher, serena e respeitada, enfim, mais do que tudo, amada.
O livro é uma ode à palavra amada; Mrs. Ramsay tem uma magnitude espontânea perante todos e todos a amam. É dificil compreender como uma mulher com este estatuto consegue ser subjugada pelo marido; o seu temperamento difuso, a sua falta de humanidade, os seus gestos bruscos subjugavam-na e ela sente-se pequenina e jamais consegue dizer-lhe o que sente; nem sequer a palavra amor.
É intuitivo a maneira como ela, perante ele, se cala. Fica o silêncio, cavo e profundo de alguém que se sente acuada pelo próprio amor, profundamente marcada pela complexidade das coisas.
Aqui vai um exemplo; "... dos dois, era ele infinitamente o mais importante, e aquilo que Mrs. Ramsay dava ao mundo, em confronto com aquilo que o marido dava, era desprezível; mas, uma vez mais, era também o resto - o não ser capaz de lhe dizer a verdade, o ter receio, por exemplo, de lhe falar do telhado da estufa e da despesa que levaria..."
Há alguns anos, se alguém me perguntasse qual ou quais os meus escritores favoritos eu calava-me e procurava nas minhas estantes; para mim, na maioria das vezes o último livro lido era um exemplo.
Hoje, posso dizer que Virginia Woolf faz parte de um grupo de escritoras mulheres de quem eu tudo quero ler; a obra, a vida, os diários.
Virginia Woolf é garantidamente uma referência e uma paixão; é também uma inspiração.