25 de junho de 2021

 


CONTRA MIM - VALTER HUGO MÃE



Tenho com Valter Hugo Mãe uma relação estranha.
Não tenho por ele um carinho desmedido como faço com outros escritores portugueses, contudo ele é autor de alguns dos meus livros favoritos. 
"Contos de cães e maus lobos", "Desumanização", "O paraíso são os outros", deixaram uma marca profunda.

A sua escrita é mais poética e intrincada e talvez por isso, por essa complexidade na voz de um menino perdi-me neste "Contra mim".
Nele, Valter Hugo Mãe desfia a sua infância e acima de tudo os seus pensamentos.
Ele sempre foi um menino crescido, talvez por isso não lhe tenha parecido descabido utilizar a mesma linguagem de homem grande enquanto fala de si com seis anos.
É uma grande ode à poesia das palavras, e eu senti-me pequenina na imensidão deste universo que nunca vou alcançar e que é tão próprio deste autor.

A disponibilidade e o desapego para ele tem de ser grande, e se a tivermos, descobrimos verdadeiras obras de arte no meio das suas palavras.
Afinal, deve de ser isso que qualquer escritor procura e anseia. Ver a arte transformada em palavras.


19 de junho de 2021

 


LAYLA - COLLEEN HOOVER




Há muito tempo, que um livro chegava a casa e não passava tempo na estante antes de ser lido. Mas não resisti! Foi assim que chegou.
Colleen Hoover é completamente alucinada e este livro é completamente alucinante.
Foi preciso chegar quase à fase final do livro para sentirmos uma adrenalina que se tinha acumulado desde o inicio.
É que a Colleen foi-nos dando o veneno em pequenas doses, e eu pelo menos passei por várias fases e vários sentimentos diferentes até chegar ao fim.

Layla e Leeds, uma história de amor à primeira vista numa pousada distante.
Um ataque que lhes acontece alguns meses depois, deixa Layla transformada numa pessoa diferente. 
Numa tentativa de recuperar a vida anterior, Leeds leva a namorada para o local onde se conheceram.
Lá Leeds conhece Willow, com quem estabelece uma "ligação".
Se disser mais vou matar o texto e a vossa curiosidade, mas posso dizer que a história está muito bem construída. 
Para quem já passa os olhos com alguma frequência pelos livros da Colleen, sabe a forma como ela escreve e como as suas histórias vão de mansinho nos enlevando. O final é sempre o culminar muito bem construído de algo que se vai compondo.
É por isso que é frequente eu sentir coisas diferentes ao longo das histórias da Colleen.

Eu tive um sentimento estranho por Leeds. É uma personagem que me desperta atitudes ambivalentes.
Passa por piedade, e caminha até há traição, mas os seus instintos são coerentes com o seu amor por Layla.
É esta reviravolta que torna a história alucinante, e sim! já consigo antever algumas decisões da autora antes delas chegarem.  E eu gosto tanto disso!
É como se eu tivesse um pequeno poder, perante o poder avassalador de um livro.

Ainda não me desiludi com esta autora e é a primeira vez  que leio um livro seu assim que é publicado. Não resisti!
Ainda tem o cheiro forte do papel que saiu da máquina.
Para quem gosta da Colleen Hoover recomendo vivamente, para quem não conhece, será sempre um bom começo. 


17 de junho de 2021

 


O VÍCIO DOS LIVROS - AFONSO CRUZ



Para mim um dos melhores escritores portugueses da actualidade.
Felizmente tenho a minha própria lista de autores portugueses que vou acarinhando e alimentando sempre que publicam. E não! Não acho que tenham menos valor que escritores estrangeiros que vendem milhares de cópias e são traduzidos por todo o mundo. 
Quando este livro saiu nas bancas fiquei um pouco "chateada", com ele. Queria um livro, livro. Uma história. Sei lá! Queria uma personagem. Outra coisa. Amuei e retirei-o da minha lista de compras.

"Literacidades", um Bookstragam que circula no Instagram, fez então um live com o autor que vi mais tarde e devolveu-me a vontade de o ler.
E que leitura! Que leitura!! Um pedaço de céu.

Logo nas primeira folhas Afonso Cruz fala de uma coisa curiosa. Passo a citar;
"Há leitores que anotam os livros, que sublinham, que arrancam páginas [escrever nas margens, por exemplo, parece-me uma espécie de tatuagem de que envergonharei no futuro, quando voltar - ou se voltar - a encontrar-me com ele]"
Não arranco páginas e raramente dobro ou marco a página onde fiquei com um dobrar de folha. Uso sempre separadores, os que vem com o livro que mantenho no livros, ou se não tiverem, eu tenho um de cortiça que comprei em Óbidos, velho e gasto e outro que comprei em Castelo de Vide.
Mas sublinho e escrevo nas margens. Sublinho muito. Tenho livros povoados da escrita e sublinhados até mais não. Que me perdoem os livros que eu não lhes faço mal. Mas preciso disso e não me sinto envergonhada. Adoro pegar num livro de alguém que tenha feito o mesmo e ler o que escreveu. O que acho disto e daqui. É outra vida para além da própria vida do livro.
É o meu coração a sentir. É a minha ligação com eles. É o melhor que eu consigo.

Afonso Cruz aflora muitos assuntos e de forma inesquecível.
O livro é pequeno e leve. Acho que vai caber eternamente dentro da minha mochila.
A luz dos velhos. A sua beleza interior e as histórias que eles tem para nos contar. A sua "luz por dentro".
O poder das personagens. O poder para o autor e para o leitor. "De facto, a solidez de uma personagem bem construída consegue arrebatar-nos, sejamos seus criadores ou seus leitores, e de algum modo transformar-nos."
A receita média da leitura que nos prolonga a vida. Não sabiam? Eu também não.
Está documentado por diversos estudos "pessoas com mais de 50 anos, adianta que ler 30 minutos por dia fará viver, em média, mais dois anos. Se não for por prazer de ler, talvez devamos ler pela nossa saúde."

As voltas que damos para ler mais um bocadinho, para prolongar as páginas do nosso livro. "Um leitor, muitas vezes, tenta encontrar o caminho mais lento entre dois pontos."
É o levantar mais cedo, o deitar mais tarde. A série da TV que não se vê.
A leitura traz liberdade, traz cultura. Evita que sejamos néscio. Pequeninos!
Compreendemos os outros. Aprendemos a estar na pele deles.
Nas detestáveis notas de rodapé encontrei duas frases de outros autores inesquecíveis;
"Se um livro não nos magoa e esfaqueia não tem interesse."  Kafka
"Os livros amados misturam-se no pão que comes." Christian Bobin
Aliás, o livro está pejado de frases inolvidáveis e também este está carregado de lápis que sublinhou e sublinhou. E eu ainda não acabei. Já li partes vezes e vezes sem conta.
Acabei a primeira leitura com um Post´in e já tenho três.
"As coisas tendem a ficar vazias se são repetidas mecanicamente e florescem quando lhe damos atenção."
É o que está a acontecer. Eu estou a dar-lhe muita atenção porque quero encontrar o meu caminho ali.
Não quero ser uma presença fugaz e friável. Preciso de sentir.
Também eu gostaria de acordar o mundo.

O primeiro Post´in que coloquei no livro foi na pág.81. Fi-lo pela frase de Christian Bobin do livro "Um vestido curto de festa"
"Como rezar. Os livros são como rosários de tinta negra, cada conta rolando entre os dedos, palavra após palavra. E o que é realmente rezar? É silenciar-se. Afastar-se de si no silêncio."
Encontrei Deus nas páginas de um livro e nunca nas contas de um rosário ou nos ditos de um oração. Tenho o vergonhoso hábito de perder-me ou adormecer.
Mas encontrei-o a Ele, quando leio livros de teologia ou religião e moral. E muitos desses livros esperam pacientemente por mim porque não tem pressa. E eu também não.
"Quando penso em todos os livros que tenho para ler, tenho a certeza de ainda ser feliz." É uma frase de Jules Renard que o autor transcreve para o livro.
Eu, também tenho um pouquinho de ansiedade e desejo. Ser feliz é tão abstrato, mas existem livros que nos sugam, nos privam da nossa própria vida, nos alteram como seres humanos.
Guiam os nossos caminhos e tentam fazer de nós pessoas melhores. Quero acreditar que estou a conseguir.

Li algures, não neste livro, que devemos sempre escrever sobre aquilo que vivemos ou sabemos. Até essa altura eu não acreditava no poder da palavra e da escrita para todos.
Para mim, por exemplo. Não tinha experiências, não vivia, com um dia-a-dia vulgar, não viajava, não comunicava.
Quando abri o leque foi interessante ver que podemos não ter nada disso, mas se soubermos ouvir, e se escutarmos, temos uma interminável capacidade de criar histórias e personagens.
"Há grandes viagens que se deitam todos os dias em nossa casas e sonham sozinhas. A essas viagens fundamentais, as mais belas de todas, chamamos simplesmente disponibilidade para ouvir."
E quem não gostaria de ser uma personagem de um livro? Seria eterna.
É a obra para além da morte, é a garantia de que somos mais do que simplesmente isto. 
Como diz Afonso Cruz "Somos pó, como nos garantiu Job, mas também podemos ser tinta. Aos escrever, passamos os nossos pensamentos para outro corpo, como para uma folha de papel, por exemplo. Transferimos a alma para papel, e o mais notável é que é bem possível que essa alma, num corpo tão frágil como uma folha, nos sobreviva."

Quando eu for grande, queria tanto ser como o Afonso Cruz!
  




14 de junho de 2021

 



DEIXA-ME MENTIR - CLARE MACKINTOSH



Fui com expectativas altas para este livro, e apesar de ser um thriller que surpreende com o seu final para todas as personagens, não foi história que me tivesse prendido muito.

Anna nos últimos dezoito meses já perdeu e ganhou muito.
Um pai que cometeu suicídio, uma mãe que lhe seguiu as pisadas da mesma forma e uma filha que lhe nasceu da sua relação amorosa com o seu psicólogo.
No dia em que faz um ano sobre a morte da mãe recebe um postal estranho que põem em causa o verdadeiro suicídio da progenitora. Suicídio? Pensa melhor.

Anna atravessa uma fase dificil da sua vida. A época natalícia não ajuda. O luto que ainda sente pela perda dos pais, a filha que nasceu, destapam uma depressão eminente.
O postal vem confirmar as suas suspeitas e ela vai à polícia.
Quem a recebe é Murray Mackenzie, um polícia já na reforma que esta no serviço público. Ele interessa-se pelo que ela lhe conta e decide investigar pelo seu próprio risco. Afinal já é um civil e na altura dos desaparecimentos o departamento responsável não lhes deu grande importância.

Posso dizer que a partir daqui a história dá muitas voltas. Todos se tornam um pouco suspeitos e nada parece, o que é. O próprio pai da sua filha e o seu mais próximo vizinho podem ser os culpados, ou não!
É que afinal, poderá ser homicídio, mas também poderá ser suicídio, ou nem uma coisa nem outra. 
Mas porque falamos de culpados quando os mortos aparentemente cometeram suicídio?
Será? Pensa bem?
É que a mãe acaba por aparecer e não, não está morta!

O final é bem diferente daquilo que a história nos encaminha.
Os verdadeiros culpados, quem está realmente vivo e quem está realmente morto, é o que mais surpreende no livro, uma vez que o suspense é mantido até ao fim.
O livro é contado em diversas vozes e confesso que isso por vezes nos capítulos da mãe que julguei que fosse o pai, torna-se um pouco confuso.

NOTA IMPORTANTE: Em quase todos os livros existe um história para além da história. Por vezes várias. Neste, é a extraordinária história de amor e dor do detetive Murray Mackenzie e a sua esposa Sarah. Salva o livro. 


10 de junho de 2021

 



PASSATEMPO NO BLOGUE 2021




    Mais um mês se passou e chegou a altura de anunciar o vencedor do passatempo do mês de Maio.
O livro " A Delicadeza de David Foenkinos" vai assim para ternuraseartes by teresinha da silva.

Por isso, Teresinha peço o favor de enviares os teus dados (nome e morada), para o e-mail livrista2020@gmail.com, para eu puder enviar-te o livro o mais rapidamente possível.

A todos agradeço as participações. 

PARA O MÊS DE JUNHO O LIVRO SERÁ;


SINOPSE

Dawson Scott é um jornalista muito respeitado recentemente regressado do Afeganistão. Assombrado por tudo o que viveu, sofre de neurose de guerra, o que é uma ameaça para todos os aspetos da sua vida. Um dia recebe o telefonema de uma fonte dentro do FBI. Houve um novo desenvolvimento numa história que começou há quarenta anos. Poderá ser a GRANDE história da carreira de Dawson, na qual ele tem um interesse pessoal.
Em breve Dawson está a investigar o desaparecimento e alegado homicídio do ex-fuzileiro naval Jeremy Wesson, filho biológico do casal de terroristas que permanece na lista dos Mais Procurados do FBI.
Dawson dá então por si a gostar cada vez mais da ex-mulher de Wesson, Amelia, e dos seus dois filhos. Porém, quando a ama de Amelia aparece morta, o caso toma um novo rumo surpreendente, com o próprio Dawson a tornar-se suspeito. Assombrado pelos seus próprios demónios, Dawson inicia a perseguição dos famosos criminosos...e da verdade surpreendente e secreta sobre si próprio




 



O VÍCIO DOS LIVROS - AFONSO CRUZ

(DIA 2)



Detesto notas de rodapé. Aquela informação útil que a ler nos desvia da própria leitura. Aquelas linhas necessárias mas que eu evito a todo o custo. Por vezes convém não nos desviarmos das notas de rodapé!

Abrir um livro é abrir pessoas e explorar o nosso próprio mundo através da experiência dos outros. O território inexplorado dentro de nós é acessível através dessa imersão em personagens que nunca fomos e jamais seríamos ou talvez venhamos a ser, e em vidas que nunca tivemos e jamais teríamos ou vidas que serão o nosso destino. As personagens dos livros que lemos são o meio de transporte para o que não somos, ou melhor, para o que somos sem ser. Creio que esta noção é fundamental: ser profundamente o que não somos.”

Já li livros que as personagens ultrapassam-me. A história é a base do livro, mas a personagem é a sua alma. Sentirmo-nos na pele deles é dar-lhes vida para além de uma folha de papel. É vê-los sair pela capa e caminhar ao nosso lado.

Quando encontro uma personagem assim, sei que não sou, mas posso vir a ser.


8 de junho de 2021

 


O VÍCIO DOS LIVROS - AFONSO CRUZ 

(DIA 1)



"Suspeito que essa luz por dentro sejam histórias e que a inexplicável beleza dos velhos seja precisamente a prova da existência de uma vida."


O vício dos Livros de Afonso Cruz é um livro de encantar.
Vou falar dele nos próximos 12 dias e perdoem-me se ficar muito maçadora.
Hoje quero falar de um tema que Afonso aborda logo nas primeiras páginas. A luz dos velhos.
Ele transcreve até um texto de Mário Quintana - belíssimo.
"Mas há uma beleza interior, de dentro para fora, a transluzir de certas avozinhas trêmulas, de certos velhos nodosos e graves como troncos. De que será ela feita, que nem notamos como a erosão dos anos os terá deformado. Deviam ser caricaturas mas não fazem rir, uns aleijões mas não causam pena. (...) Eu gostaria de acreditar que essa inexplicável beleza dos velhos talvez fosse uma prova da existência da alma"

Se olharmos bem, e peço-vos! Procurem bem.
Todos os nossos velhos tem histórias para contar. E histórias de outro mundo, porque o tempo deles é outro tempo, outro mundo.
Eles trazem luz dentro de si. Luz que se acende sempre que tem espaço para falar.
Mesmo por baixo dos seus tremores e do seu cheiro de coisa antiga, são inexplicavelmente belos, quando elevam a voz e com vagar desfiam as suas memórias.


7 de junho de 2021

 



INSTINTO - ASHLEY AUDRAIN



Quando comecei a ler o livro tive uma pequena desilusão.
Não encontrei nas primeiras páginas aquela história avassaladora que li em todas as resenhas sobre ele.
Fiquei até sem perceber porque estava classificado como triller.
Os capítulos são pequenos e isso facilita muito a leitura.
O Flash Back  para a vida da mãe e da avó de Blythe é apenas importante porque terá um sentido mais à frente. Mas é a história de Blythe que é importante, envolvente e perturbadora.
Digo perturbadora por tudo o que ela subtilmente destapa, em nós como filhas, como mães e até como irmãs.
A nossa afinidade com o outro que saiu do nosso corpo, e com o outro de quem saímos do seu corpo, e até daquele que saiu do mesmo corpo que nós.
As dúvidas!

Acredito que parte dos seus despojos não serão muito diferentes de qualquer pessoa que é mãe. Que existem mães completamente desconectadas com os próprios filhos que carregaram no ventre. Que não sentem aquele ser como seu, mas como a força destruidora de tudo o que foram.
Atravessar os primeiros tempos de um nascimento é acima de tudo, doloroso.
Aquele ser estava dentro de nós e era nosso.
O parto é doloroso, e as mães como são tratadas, são personagens secundárias. O sermos inexperientes quando é o primeiro, é meio caminho andado para um revirar de olhos.
Mas será que alguém pensa que eles fazem aquilo todos os dias e que nós não? Que para muitas é a primeira vez.

Blythe quando descreve o seu parto descreve isso mesmo, essa comiseração, essa falta de empatia, a perca da identidade.
Quando a minha filha nasceu eu toquei na felicidade com a ponta dos dedos. Não no momento em que ela nasceu. Estava demasiado assustada, muita gente à minha volta, demasiado ruído e entorpecimento.
Quando todos se foram embora, quando deixaram de dar palmadinhas nas costas do pai, quando saí da sala de partos e encostaram a maca a uma janela, quando começou a chover e a minha filha estava deitada sobre o meu peito, eu toquei na felicidade e soube que ela estava lá. Queria que o tempo parasse ali.
Eu não precisava de mais nada. Eu não tinha nada. Estava rodeada de silêncio e solidão, mas tinha um corpo quente e rosado, ainda inchado sobre o meu peito. Afinal, eu tinha tudo.
Quando fui puxada deste desvaneio e encaminhada para o quarto, porque eram horas das visitas, tudo ruiu.
Era dia de Natal, havia visitas à espera, o pai tinha dado autorização e não se tem em conta a necessidade de quem não passa da personagem secundária. O meu tempo era irrelevante.

Este livro podia ter caminhado para aí, mas não caminhou, para as inúmeras situações pós-parto que desencadeiam na mãe aquela sensação de cansaço constante e falta de identidade que destrói a mulher como pessoa. 
Na verdade, caminhar até caminha. Blythe faz um relato muito claro dessa vivência e experiência com a sua primeira filha Violet. Acrescenta-lhe ainda outra complexidade. A falta de ligação efetiva entre mãe e filha.
Podemos estar muito cansadas, podemos não saber o que andamos a fazer, podemos acreditar que como pessoas deixamos de existir. Que o nosso mundo foi absorvido por algo maior de que nós, mas nunca nos falta a ligação. O amor, a alegria, a desilusão nos olhos deles, e a nossa desilusão. As cobranças, os choros e as revoltas. Os abraços e os beijos. Sempre os abraços e os beijos. Sempre o amor.

Muito para a frente na história percebi porque é um triller. Ninguém é o que parece e ninguém quer ver para além dos seus próprios olhos.
Se pus em causa muitas das desconfianças da personagem em relação há filha? Sim.
Parecia irreal que assim fosse. Parecia paranoia contra uma criança pequena em quem ela nunca conseguiu um elo de ligação. 
E afinal, ela era uma criança. Era um jogo demasiado complexo para uma criança.
A única coisa que colocava dúvidas era a forma como a filha respondia e tratava a mãe quando estavam sós.
Mas quando não existe empatia dentro de uma relação não é normal que assim seja? 

O doloroso é imaginar que um ser pode criar este caminho de loucura.
É sem dúvida um livro diabólico e de profundo sofrimento. 
Traz à tona o lado menos bonito da nossa condição humana.
A propensão para a loucura. A desonra na incapacidade de amar e de ser amado, também.   
Posso dizer que o livro chocou-me em diversos aspectos e em diversas passagens.
Acho que muitas vezes acabamos por ser aquilo que fazem de nós.


 



O TIGRE - WILLIAM BLAKE





Tigre, tigre que flamejas
Nas florestas da noite
Que mão, que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria?

Em que longínquo abismo, em que remotos céus
Ardeu o fogo dos teus olhos?
Sobre que asas se atreveu a ascender?
Que mão teve a ousadia de capturá-lo?
Que espada, que astúcia foi capaz de urdir
As fibras do teu coração?

E quando o teu coração começou a bater, 
Que mão, que espantosos pés
Puderam arrancar-te da profunda caverna,
Para trazer-te aqui?
Que martelo te forjou? Que cadeia?
Que bigorna te bateu? Que poderosa mordaça
Pode conter teus poderosos terrores?

Quando os astros lançaram os seus dardos,
E regaram de lágrimas os céus,
Sorriu Ele ao ver a sua criação?
Quem deu vida ao cordeiro também te criou?

Tigre, tigre que flamejas
Nas florestas da noite
Que mão, que olho imortal
Se atreveu a plasmar tua terrível simetria?



2 de junho de 2021

 


RAINHA VERMELHA - JUAN GÓMEZ-JURADO





Antónia Scott é uma mulher diferente, e a sua personagem é indiscutivelmente inesquecível.
Uma mulher com o QI, acima da média, muito acima da média, que atravessa a sua juventude a tentar passar despercebida.
Com as suas capacidades isso é muito dificil e num teste fica com o lugar da Rainha Vermelha.
Para saberem o que é "Rainha Vermelha", aconselho a ler o livro. Aliás, aconselho mesmo a ler este livro, porque a história vale a pena e a Antónia Scott, também.
A história em si, não tem nada de extraordinário. É mais um triller cheio de emoções e que nos leva de um lado para o outro em becos sem saída. Quem vai saído dos becos é a Antónia Scott que vai encontrando o caminho nem sei como. 
O que torna este livro tão interessante é a própria personagem. A sua complexidade e a sua fragilidade. 
Nos dias de hoje e depois de resolver uma série de crimes ao longo de anos, Antónia Scott vive fechada num quarto do seu apartamento durante o dia e fechada no hospital durante a noite ao pé do seu marido que está em coma.
Há três anos atrás alguém disparou sobre eles na sua casa, ferindo Antónia Scott e deixando o marido em coma. O filho de um ano saiu ileso. 
Esta é uma parte da história. O passado. Aquilo que está por resolver.
No presente há um novo caso e o seu Mentor precisa dela. Para a ir buscar manda um polícia de Bilbau que caiu em desgraça, que não é gordo, que vive com a mãe que lhe faz caras de bacalhau ao domingo e que gosta de outros homens.
Um pequeno brutamontes por fora, com um coração mole por dentro.
Trata as mulheres com meiguice. Chama-as de Linda! E com o tempo desenvolve sentimentos de proteção para com Antónia. Antes disso tudo perde a cabeça com ela, e considera que ela está louca. Não é o único.

Este triller é um pouco diferente dos outros, talvez porque Antónia Scott seja um pouco diferente dos outros.
Não é habitual vermos nestas personagens a fragilidade humana permanente, mas em Antónia Scott ela está lá toda, principalmente porque é nessa fragilidade que ela vai buscar a sua força.
É uma personagem que encanta e a sua inteligência leva a que a acompanhemos até ao fim.
Afinal, toda esta história não passa de uma história pessoal contra ela própria.

O livro deixa muitas questões em aberto.
Antónia e Jon vão voltar e eu tenho as minhas suspeitas de quem seja ELE.
Espero que seja em breve, porque a Antónia deixou um bichinho no coração.