QUICHOTTE - SALMAN RUSHDIE
Devo dizer que nunca terminei D. Quixote de Miguel Cervantes.
Acredito que essa falha seja predominante para a compreensão deste Quichotte da era moderna.
Que os dois livros descansam na minha estante à muito tempo também é uma pequena realidade.
E porque dispus-me a ler este Quichotte agora e não o outro?
Bem! Que melhor homenagem poderemos fazer a um escritor quando queremos mostrar que o apoiamos?
Lê-lo.
Que tem a minha solidariedade quando pretendem roubar a sua própria voz? Quando a guerra, a violência, a ignorância e se me permitem, o patriarcado continua a dominar um mundo cansado, esgotado, enojado deste senhores ridículos e importantes. (Assim se acham!)
Escrita é liberdade; o livro, a narrativa transporta-nos para o imaginário, ficção, romance; o que não somos, entretenimento, repito, entretenimento.
Saber; a maior arma contra a profunda ignorância que nos torna vulneráveis.
A escrita de Salman Rushdie é tosca. Estas palavras não são minhas, mas subscrevo-as inteiramente. Acredito nelas.
Nunca coloquei Salman Rushdie entre os meus escritores preferidos. Nunca li " Os versículos satânicos", mas como sou do contra, agora apetece-me lê-lo.
Lembro-me de "Harun", tenho a versão ilustrada e recordo bem que o adquiri em preço de saldo numa época onde não haviam promoções, nem vendas online e nas Caldas da Rainha existia a mística Loja 107 Livraria, Lda.
Depois disso veio "O suspiro do mouro" que eu devorei em duas tardes de Domingo, em pleno Agosto tórrido na esplanada panorâmica da Inatel da Foz do Arelho.
Relembro as circunstâncias desse livro, porque um "familiar" que nos fazia companhia e não se calava, observou pela primeira vez a minha faceta antissocial.
O livro era bom, era muito bom, viciante, pegajoso. Eu não conseguia separar-me dele e o "familiar" perfeitamente dispensável.
Pena não ter poderes sobrenaturais; capacidades transcendentais como nos livros e aplicar o manto da invisibilidade a ele, para todo o sempre.
Deixemo-nos de desvaneios; voltemos a Quichotte.
Há pessoas que falam e falam; a uma determinada altura eu própria senti-me um pouco assim. Meu Deus! Salman Rushdie escreve, escreve.
Histórias intrincadas umas nas outras, narradores múltiplos; o eu narrador que o deixa de ser algumas páginas mais à frente. As personagens que se sobrepõem na história e se desdobram em outras personagens. O tosco da escrita, o narrador escritor que também é ele uma personagem em determinada altura.
Salman Rushdie não esquece as raízes Indianas nem o racismo de países como Estados Unidos ou Inglaterra. Pinta-nos o quadro metafórico do fim do Universo barra Mundo. Escreve como se falasse ao ouvido e as regras, o estilo são remexidos e subjugados ao seu belo prazer.
Quis largar o livro inúmeras vezes pela confusão e falta de paciência (confesso que tenho atravessado dias dúbios e cinzentos), mas nunca conseguia.
Virava a página subcarregada com o discurso longo, remoía de mim para mim, que iria abandoná-lo, mas lá vinha a frase ou o parágrafo que subjugava tudo.
Salman Rushdie não se deixa abandonar, nem vencer, nem domar. Ele próprio investe nessa premissa.
D. Quixote de Miguel Cervantes combatia moinhos imaginários e tinha os seus ideais (terei de ler o livro em breve para consolidar esta medíocre opinião). Quichotte de Rushdie, bate nos pontos todos da era moderna, na busca exclusiva do amor.
Só ele nos salvará. Onde anda meio mundo?
Como devem ter compreendido, tremo na tentativa de dar uma opinião objectiva sobre este livro. Aquele famoso, gostei ou não gostei.
Sim! Gostei muito da narrativa. Gostei de todas as metáforas lancadas cá para fora. Todas as pontas de razoabilidade dentro de um mundo risível e terminal, todos os desaparecimentos e ressurgimentos segregados a um único sentimento puro e cristalino.
Gostei principalmente da capacidade de mostrar o nosso caminho fragmentado, dúbio, opaco. O vazio das mentes subjugadas e a morte como principio, meio e fim.
Mas considero que a escrita de Salman Rushdie é tosca.