BIOGRAFIA INVOLUNTÁRIA DOS AMANTES - JOÃO TORDO
Tardei em ler este livro de João Tordo.
Comprei-o já faz alguns anos, na euforia da leitura de "O Luto de Elias Gro".
Até agora, para mim, o melhor de João Tordo.
Naquela euforia comprei alguns livros dele em segunda mão nesses mercados paralelos e em bancas de alfarrabistas. São eles "As 3 vidas", "O Bom Inverno" e este "Biografia Involuntária dos Amantes".
Acabaram todos por ficar esquecidos na estante, apesar de já ter lido outras coisas do autor.
"O Paraíso segundo Lars D.", "O Deslumbre de Cecília Fluss", o inesquecível "Ensina-me a voar sobre os Telhados", o triller "A noite em que o Verão Acabou" e o seu íntimo "Manual de sobrevivência de um escritor"
Para mim, João Tordo é já um escritor maduro. Tem uma capacidade enorme de construir personagens. Os seus livros estão repletos de personagens.
E fala sobre a solidão, o desespero, e a depressão que está assente em todos nós. Não nos traz personagens completamente limpas mas dá-lhes uma esperança.
Este livro que eu tenho tem edição de 2014.
A história assenta na vida de Teresa, e como a sua desgraçada existência modificou a vida de outras pessoas.
Sem ser a personagem principal é o motor para o desenrolar de toda a narrativa.
Quando a história começa, já Teresa tinha morrido sozinha, vítima de Cancro, mas deixou atrás de si um rastro de desilusão e amor que alteraram definitivamente a vida de quem a conheceu.
O que ela deixa como memórias é um texto incompleto que alimenta apenas mais dúvidas e sofrimentos.
A narrativa mostra a extraordinária imaginação do escritor.
Mas não é a história em si, a história propriamente contada que encerra tudo aquilo que o escritor nos quer dizer.
Tudo neste livro está nas entrelinhas da história, nas frases que lá estão e naquilo que é subentendido .
Este é um livro, não sobre uma história magoada de uma Teresa que nunca conheceu a felicidade, mas um livro sobre a solidão, o desengano, o que podemos e não fazemos por nós, o que podemos e não fazemos pelos outros.
Saldãna Paris é um homem que nunca encontrou uma razão para viver, mas encontrou Teresa por acaso numa viagem de comboio quando ele próprio já não esperava nada da vida.
Teve-a, perdeu-a, voltou a encontrá-la e até casou e viveu 5 anos com ela. Nunca a teve verdadeiramente, porque Teresa vivia obcecada não por ele, mas por outro.
O que podemos dizer de Teresa! Ela tentou. Sim, ela tentou sempre que podia virar o rumo da sua vida, escrever outras linhas para o seu futuro. Mas não foi capaz.
Há pouquíssimo tempo li o livro "Escrever" de Stephen King, onde ele fala da vida própria que as personagens tem e que um escritor muitas das vezes não consegue seguir o seu próprio rumo, mas é impelido para seguir o rumo que a personagem quer.
Em Teresa eu tive um deslumbre desta realidade. Acredito que provavelmente por vontade do escritor não lhe teria dado uma vida tão magoada, mas a personagem tem vida. Uma vida irremediável que não se pode fugir.
O Professor Universitário que lê o manuscrito inacabado de Teresa tentar juntar as peças do puzzle do que foi a vida daquela mulher.
A grande pergunta é porque o faz?
Por amizade a Saldãna Paris! É uma resposta possível e aceitável. Mas eu acho que ele o faz porque também ele se misturou profundamente na obsessão que era Teresa.
O Professor Universitário é um homem divorciado e sem futuro.
Ainda acredita no amor pela sua ex-mulher que não soube cuidar e tem uma filha adolescente que não sabe lidar.
Tarefa dificil, lidar com adolescentes! Empreitada herculana atravessar a adolescência serenamente.
Este pai, não sabe viver com essa realidade - como quase nenhum, sabe - e sair intacto desta fase da vida não é fácil.
Teresa não saiu. Ela viveu uma vida de desilusão. E o seu declínio começou numa adolescência sem sentido, que explodiu da pior forma.
É esta descoberta, desta vida por inteiro que o Professor quer descobrir.
Ele não sabe bem porquê. Ele não tem nenhum motivo valido para o fazer. Talvez a repetição que ele deslumbra há frente dos seus olhos.
Talvez o que ele pretenda é curar o amigo e curar-se a si próprio. Encontrar um sentido para a sua vida.
Acaba por descobrir que o que aconteceu não vai salvar ninguém.
Apenas tem de encontrar as coisas certas. E o que são as coisas certas?
Nesta história a coisa certa é contar ao amigo algo que não aconteceu, que Teresa o amou e que não existiu mais ninguém para além dele. Isto é a única coisa que poderá curar a sua alma.
Quanto a Teresa, ela já morreu e nada poderá mudar isso.
Ás vezes as coisas certas estão na curva e não no caminho reto. Estão naquilo que se deixa por dizer, estão nas mentiras veladas que nos sustentam a vida.
Este é um livro que andava perdido por lá na minha estante como, confesso, tantos outros. De vez em quando, pelo menos uma vez por mês quando planeou as leituras do mês tento puxar algum cá para fora.
A pressão pela novidade, pelo que saiu ontem é grande, mas devo dizer que já encontrei lá dentro daquelas estantes pérolas inestimáveis. Posso dizer que este livro é uma dessas pérolas.
P.S. - João Tordo quase no fim do livro faz referência a um poema de Dylan Thomas. "I Have Longed To Move Away".
Tive curiosidade em procurá-lo e até encontrei a sua tradução.
Deixo-vos! Espero que também gostem!
"Tenho desejado me afastar
Do assobio da mentira perdida
E do grito contínuo dos velhos terrores
Tornando-se mais terrível à medida que o dia
Vai além da colina para o mar profundo;
Tenho desejado afastar-me
da repetição de saudações
Tenho desejado me mudar, mas estou com medo,
Alguma vida, ainda não gasta, pode explodir
Fora da velha mentira queimando no chão,
E, estalando no ar, me deixe meio cego.
Nem pelo medo ancestral da noite,
A separação do chapéu do cabelo,
Lábios franzidos do recetor,
Devo cair para a pena de morte?
Por estes eu não gostaria de morrer,
metade convenção e metade mentira.