30 de abril de 2021

 

BIOGRAFIA INVOLUNTÁRIA DOS AMANTES - JOÃO TORDO



Tardei em ler este livro de João Tordo.
Comprei-o já faz alguns anos, na euforia da leitura de "O Luto de Elias Gro". 
Até agora, para mim, o melhor de João Tordo.
Naquela euforia comprei alguns livros dele em segunda mão nesses mercados paralelos e em bancas de alfarrabistas. São eles "As 3 vidas", "O Bom Inverno" e este "Biografia Involuntária dos Amantes".
Acabaram todos por ficar esquecidos na estante, apesar de já ter lido outras coisas do autor.
"O Paraíso segundo Lars D.", "O Deslumbre de Cecília Fluss", o inesquecível "Ensina-me a voar sobre os Telhados", o triller "A noite em que o Verão Acabou" e o seu íntimo "Manual de sobrevivência de um escritor"

Para mim, João Tordo é já um escritor maduro. Tem uma capacidade enorme de construir personagens. Os seus livros estão repletos de personagens.
E fala sobre a solidão, o desespero, e a depressão que está assente em todos nós. Não nos traz personagens completamente limpas mas dá-lhes uma esperança.
Este livro que eu tenho tem edição de 2014. 
A história assenta na vida de Teresa, e como a sua desgraçada existência modificou a vida de outras pessoas.
Sem ser a personagem principal é o motor para o desenrolar de toda a narrativa.

Quando a história começa, já Teresa tinha morrido sozinha, vítima de Cancro, mas deixou atrás de si um rastro de desilusão e amor que alteraram definitivamente a vida de quem a conheceu.
O que ela deixa como memórias é um texto incompleto que alimenta apenas mais dúvidas e sofrimentos.
A narrativa mostra a extraordinária imaginação do escritor.
Mas não é a história em si, a história propriamente contada que encerra tudo aquilo que o escritor nos quer dizer.
Tudo neste livro está nas entrelinhas da história, nas frases que lá estão e naquilo que é subentendido .
Este é um livro, não sobre uma história magoada de uma Teresa que nunca conheceu a felicidade, mas um livro sobre a solidão, o desengano, o que podemos e não fazemos por nós, o que podemos e não fazemos pelos outros.

Saldãna Paris é um homem que nunca encontrou uma razão para viver, mas encontrou Teresa por acaso numa viagem de comboio quando ele próprio já não esperava nada da vida.
Teve-a, perdeu-a, voltou a encontrá-la e até casou e viveu 5 anos com ela. Nunca a teve verdadeiramente, porque Teresa vivia obcecada não por ele, mas por outro.
O que podemos dizer de Teresa! Ela tentou. Sim, ela tentou sempre que podia virar o rumo da sua vida, escrever outras linhas para o seu futuro. Mas não foi capaz.
Há pouquíssimo tempo li o livro "Escrever" de Stephen King, onde ele fala da vida própria que as personagens tem e que um escritor muitas das vezes não consegue seguir o seu próprio rumo, mas é impelido para seguir o rumo que a personagem quer. 
Em Teresa eu tive um deslumbre desta realidade. Acredito que provavelmente por vontade do escritor não lhe teria dado uma vida tão magoada, mas a personagem tem vida. Uma vida irremediável que não se pode fugir.

O Professor Universitário que lê o manuscrito inacabado de Teresa tentar juntar as peças do puzzle do que foi a vida daquela mulher.
A grande pergunta é porque o faz?
Por amizade a Saldãna Paris! É uma resposta possível e aceitável. Mas eu acho que ele o faz porque também ele se misturou profundamente na obsessão que era Teresa.

O Professor Universitário é um homem divorciado e sem futuro.
Ainda acredita no amor pela sua ex-mulher que não soube cuidar e tem uma filha adolescente que não sabe lidar.
Tarefa dificil, lidar com adolescentes! Empreitada herculana atravessar a adolescência serenamente.
Este pai, não sabe viver com essa realidade - como quase nenhum, sabe - e sair intacto desta fase da vida não é fácil.

Teresa não saiu. Ela viveu uma vida de desilusão. E o seu declínio começou numa adolescência sem sentido, que explodiu da pior forma.
É esta descoberta, desta vida por inteiro que o Professor quer descobrir.
Ele não sabe bem porquê. Ele não tem nenhum motivo valido para o fazer. Talvez a repetição que ele deslumbra há frente dos seus olhos.
Talvez o que ele pretenda é curar o amigo e curar-se a si próprio. Encontrar um sentido para a sua vida.
Acaba por descobrir que o que aconteceu não vai salvar ninguém.
Apenas tem de encontrar as coisas certas. E o que são as coisas certas?
Nesta história a coisa certa é contar ao amigo algo que não aconteceu, que Teresa o amou e que não existiu mais ninguém para além dele. Isto é a única coisa que poderá curar a sua alma. 
Quanto a Teresa, ela já morreu e nada poderá mudar isso.
Ás vezes as coisas certas estão na curva e não no caminho reto. Estão naquilo que se deixa por dizer, estão nas mentiras veladas que nos sustentam a vida.

Este é um livro que andava perdido por lá na minha estante como, confesso, tantos outros. De vez em quando, pelo menos uma vez por mês quando planeou as leituras do mês tento puxar algum cá para fora.
A pressão pela novidade, pelo que saiu ontem é grande, mas devo dizer que já encontrei lá dentro daquelas estantes pérolas inestimáveis. Posso dizer que este livro é uma dessas pérolas.


P.S. - João Tordo quase no fim do livro faz referência a um poema de Dylan Thomas. "I Have Longed To Move Away".
Tive curiosidade em procurá-lo e até encontrei a sua tradução.
Deixo-vos! Espero que também gostem!

"Tenho desejado me afastar
Do assobio da mentira perdida
E do grito contínuo dos velhos terrores
Tornando-se mais terrível à medida que o dia
Vai além da colina para o mar profundo;
Tenho desejado afastar-me
da repetição de saudações

Tenho desejado me mudar, mas estou com medo,
Alguma vida, ainda não gasta, pode explodir
Fora da velha mentira queimando no chão,
E, estalando no ar, me deixe meio cego.
Nem pelo medo ancestral da noite,
A separação do chapéu do cabelo, 
Lábios franzidos do recetor,
Devo cair para a pena de morte? 
Por estes eu não gostaria de morrer,
metade convenção e metade mentira.


26 de abril de 2021

 


REBECCA - DAPHNE DU MAURIER



A narradora desta história é a jovem mulher de Maxim de Winter.
Maxim tinha enviuvado de Rebecca há cerca de 10 meses quando a conhece e num ato repentino pede-a em casamento.
A narradora é como já referi jovem e ingénua e ainda tem muitas daquelas ideias de finais felizes e amores à primeira vista.
Para além de ser jovem, ingénua é também inexperiente.
Ele, Maxim, com alguma diferença de idade, ainda atravessa o luto pela perda da mulher e aparenta um estado pálido, doente e distante.
Tinham tudo, para que este relacionamento não desse certo! Não sei se foi o que pensaram, mas foi decididamente o que eu ia pensando com o passar das páginas.
Achei particularmente interessante nunca ser referido o nome desta personagem, narradora. 
Perdoem-me se ele estiver lá, mas confesso, eu nunca encontrei nenhuma referencia, a como se poderia chamar esta jovem narradora que casou tão à pressa com Maxim de Winter.
Alguém encontrou?
Gosto muito de como a história é contada e evolui. Na primeira pessoa. É dos meus preferidos. É mais íntimo. 
Eu sei, que desta forma existe sempre uma personagem que saí amplamente beneficiada em relação ás outras, mas a minha relação com ela é sempre mais íntima.

A história é intrigante e carregada de suspense. Para um livro que foi editado pela primeira vez na década de trinta do século passado é bastante, - como é que eu posso dizer, para que não me interpretem mal! - Enxuto! Sem grandes floreados, com uma história corrida e simples.
Confesso que quando escolhi o livro, escolhi-o um pouco a medo, mas fiquei agradavelmente surpreendida como a história cresce e termina.
A escrita é fluída e nada maçadora e sem dar conta, lá estava eu de livro na mão a devorar perto de cem páginas por dia.
Primeiro queria perceber tal como a narradora, o que tinha acontecido verdadeiramente a Rebecca. Porque morreu, e qual o segredo que estava dia-a-dia escondido naquela casa.
Depois queria que ela - a narradora -, tivesse a capacidade de se livrar da sombra da Rebecca, e por fim, torci para que Maxim não fosse acusado da morte da mulher.
É psicótico pois! Parece que estamos sempre na corda bamba, suspenso por um pormenor que os pode ou não tramar.
A Rebecca que inicialmente é descrita como a mulher perfeita, não o é. E Maxim que parece um homem distante, frio e fechado na sua dor pela perda da mulher, afinal, bom! É melhor lerem!

Manderley é uma propriedade de luxo. Um autêntico cartão postal onde qualquer um de nós gostaria de viver.
Mas o que de fora parece um sonho, ás vezes por dentro pode parecer apenas e tão somente um pequeno pesadelo.
O que a jovem mulher de Maxim encontrou quando chegou foi uma casa gerida pelas mesmas regras que uma "morta", tinha definido, e era assim que viviam todos, presos à lembrança de uma Rebecca e à forma como se vivia na época dela.
Tímida por natureza, e como já referi ingénua e inexperiente a narradora refugia-se naquilo que são as regras instituídas naquela casa, e vive na sombra da outra.
Com o tempo, convence-se que o próprio marido não a ama, mas ainda vê Rebecca.
Ela não tem capacidade de competir com alguém tão perfeito e que já morreu.
"Sorriu, deu-me um apertãozinho no braço, e eu pensei na alusão a ser serena, na imagem de calma e conforto que dava, alguém com o tricot no regaço, sem uma ruga na testa. Alguém que nunca se sentia nervosa, nem torturada por dúvidas ou indecisões, ansiosa, assustada, a roer as unhas, sem saber ao certo para onde ir, que estrela seguir."

Aparentemente todos lhe fechavam o cerco em torno de uma lembrança e de uma comparação com uma morta.
Mrs. Danvers, uma espécie de governanta que ela tentou agradar inicialmente, não criticando, não alterando e não se impondo, não passava de uma apoiante fervorosa da memória da antiga patroa ao qual ajudou a criar.
A sua relação cedo se transformou não numa relação normal de patroa/empregada, mas de medo e vingança.
Mas, como em todas as histórias, nem sempre o que parece é. 
Nem Rebecca era tão perfeita, nem todos são assim tão inocentes.
A jovem narradora terá de descobrir o seu caminho, e crescer emocionalmente num piscar de olhos.

As últimas cem páginas são eletrizantes com todas as cartas a serem postas em cima da mesa.
Posso dizer, que até Rebecca que já morreu, joga.
Até ao fim vivemos suspensos.
Está tremendamente bem escrito. Daphne du Maurier é sem dúvida uma escritora a reter.
Agora se me dão licença, vou ver o filme no Netflix!
  


21 de abril de 2021

 


STONER - JOHN WILLIAMS


"Eis o que torna o amor mais forte:
amara quem está tão próximo da morte."    
                                                                                                         (Sonetos de Shakespeare)


A vida de William Stoner é retratada neste livro, de uma forma perfeita. 
Aparentemente uma vida sem grande sentido, sem atos heroicos, sem grandes histórias de amor inesquecíveis, sem nenhum rasgo transcendente. É apenas um homem que não deixa marca ao longo do tempo.
"Os colegas de Stoner, que não lhe tinham uma estima por aí além, quando era vivo, raramente falam dele agora..."
Seria pois um livro comum. Foi considerado um livro comum durante largas décadas e do qual pouco se ouviu falar. Stoner foi escrito em 1965 e várias décadas depois, com uma tradução francesa, conheceu o sucesso de vendas.
É descrito por vários escritores como "quase perfeito", ou "um romance formidável de uma latejante tristeza.", ou "magnificamente escrito, numa prosa simples mas brilhante."
Foi esta capa notável que me seduziu e devo dizer que adorei lê-lo.

William Stoner é um homem de origens humildes, cujos pais lhe dão a oportunidade de ir para a Universidade em Columbia. Esta possibilidade mostra a Stoner um mundo diferente daquele que os seus olhos viam, e aí toma consciência de si próprio como nunca antes lhe tinha acontecido. 
É nas paredes daquela Universidade, naqueles corredores e edifícios que Stoner descobre-se a si mesmo, como alguém ligado aquele espaço de forma irremediável.
Stoner nunca mais deixou aquele espaço. Foi ali que estudou, e foi ali que deu aulas até ao fim da sua carreira de professor.
Stoner pode ser caracterizado pela solidão que paira sempre na sua vida. A forma contida como a vive, e o que isso influenciou também as pessoas que o rodearam ao longo da vida.

Stoner atravessou as duas grandes guerras mundiais sem participar diretamente nelas. Na primeira tomou a opção de não se alistar e foi o único dos três amigos que continuou dentro da Universidade a dar aulas enquanto os homem tombavam nas trincheiras da Europa. Dos dois amigos de Stoner que foram para a guerra só um voltou, e apesar de manterem a amizade até ao fim dos dias de Stoner, esta disparidade de opiniões sobre a guerra e a morte tornou-os diferentes.
Na segunda guerra mundial já não tinha idade para combater, mas sentiu-a de uma forma diferente. Como um vazio, como um desperdício de seres humanos, e isso afetou-o um pouco mais.
Casou-se, mas não teve um casamento feliz. Pela inexperiência, pela incapacidade da mulher para o amor, por eles os dois, o casamento perdurou atado por arames e essencialmente pela atitude de passividade de Stoner sobre a vida e a realidade. 
Stoner personifica uma personagem que não vive no mundo real, nem tem contacto direto com as realidades da vida. Refugiado na sua profissão de professor, com valores bem marcados, defende-os como pode, mas vive no mundo dos livros, na irrealidade da realidade.
Amou a filha profundamente quando esta nasceu e adorava a sua companhia no seu escritório enquanto trabalhava. Mas quando a mulher lhe retirou esse prazer e impôs à filha realidades distorcidas, Stoner não a confrontou nem impediu. Era também infelizmente um homem apático.
A mulher, Edith é uma mulher difícil de explicar. É a personagem mais ambígua desta história. Com comportamentos erráticos, é uma mulher que tanto podia estar do direito como do avesso.
"Era filha única e a solidão foi uma das primeiras condições que conheceu na vida."

O livro é de uma frescura surpreendente. A história é tão comum, mas a linguagem e o texto tão corrido e suave que quando dava por mim já tinha evoluído consideravelmente na história. É daquelas histórias que nos envolvem de mansinho e quando damos por nós estamos lá dentro.
Stoner amava o livro e a literatura acima de tudo, e isso é-nos apresentado de forma sublime;
"Esse amor à literatura, à língua, aos mistérios da mente e do coração que se revelaram nas ínfimas, estranhas e inesperadas combinações de letras e palavras, na tinta mais negra e fria..."
Stoner começou por ser um professor medíocre, mas com o tempo e com a capacidade de ser entender a si próprio, transformou-se num professor adorado e amplamente requisitado.
"Sentia-se finalmente a começar a ser um professor, que é simplesmente um homem para quem o livro é verdadeiro, a quem á dada uma dignidade artística que pouco tem que ver com a tolice ou fraqueza ou insuficiência enquanto homem."
Toda a sua vida é desfiada neste livro de uma forma subtil. Uma vida comum, diríamos, sem grandes episódios que desfaçam a sua aparente normalidade quotidiana. Poderíamos pensar que seria um livro aborrecido no seu todo, mas subtilmente não o é.  

Stoner é confrontado na sua profissão pela desonestidade de um aluno, protegido por outro professor que há conta deste episodio relega-o para um plano secundário até ao final da sua carreira.
Stoner aceita de forma estoica e até natural esta realidade sem nunca se sentir injustiçado ou revoltado.
Toda a sua vida é pautada assim, por uma autêntica ausência de revolta sobre seja o que for.
Em certa altura, Stoner conhece o amor extraconjugal, por alguém tão absorto, tão longe da realidade como ele próprio.
Torci muito por eles. Por aquele amor desinteressado que deu a Stoner outra luz.
"No seu quadragésimo terceiro ano de vida, William Stoner aprendeu o que os outros, muito mais jovens do que ele, tinham aprendido antes de si: que a pessoa que amamos no início não é a mesma que amamos no fim, e que o amor não é uma meta e sim um processo através do qual uma pessoa tenta conhecer outra." (...)
"Por fim, tornaram-se como muitas pessoas que são extraordinariamente tímidas: abertos um para o outro, sem barreiras, perfeita e despudoradamente à vontade um com o outro."
Este amor puro, terá que ser interrompido por pressões da sociedade e convecções da própria Universidade. Quando se veem confortados com a perseguição que Lomax faz a ela para o atingir a ele, os dois tomam a opção natural de deixarem de ser ver.
Stoner é literalmente perseguido por Lomax até ao final da sua carreira.
Katherine vai-se embora e apesar de Stoner sofrer com isso ao ponto de ficar doente, encara essa realidade como tantas outras, na sua infindável solidão, na sua constante capacidade de tornar os atos sem importância.
Mais tarde, muito mais tarde já Stoner tinha chegado aos 60 anos, foi editado um livro de Katherine que Stoner comprou assim que pode. Descobriu que a dedicatória do livro lhe era dirigida.
" Era tão bom como imaginara. A prosa era elegante, e a paixão, disfarçada por uma frieza e uma inteligência límpida.
Percebeu que, no que lia, a via a ela e espantou-se por conseguir vê-la de uma forma tão verdadeira, inclusive passado tanto tempo.
De repente, foi como se ela estivesse na sala ao lado e ele estivesse acabado de sair de junto dela."

Os últimos capítulos retratam os últimos dias de Stone, que adoeceu com cancro. Mostra-nos mais uma vez um homem preso à solidão, mas essencialmente preso a uma capacidade para aceitar a vida e a morte tal como ela é. Assim, como em toda a sua vida aceitou as derrotas e os revezes sem mágoa nem rancor, também nos últimos dias aceita o seu destino de uma forma serena.

Stoner à sua maneira não deixa de ser um protagonista. Fez sempre o que gostava de fazer. Encontrou o seu verdadeiro sentido dentro das paredes de uma Universidade. Tinha uma verdadeira paixão e noção do ético, honrando-a até ao fim.
Nesse sentido, Stoner foi feliz e realizado. Foi acima de tudo um homem que sentia e compreendia o livro. As suas sob realidades e caminhava por elas a maior parte do tempo.
É um romance extraordinário pela sua beleza e lucidez.  
  


20 de abril de 2021

 


PATRÍCIA REIS

(ENTREVISTA NO JORNAL DE LETRAS DE 7 A 20 DE ABRIL)



Li apenas, um livro da Patrícia Reis - Antes de ser Feliz - Li-o o ano passado com opinião no Blogue.
Se gostei? Gostei muito.
Porque é que gostei? Bom, vou tentar explicar.
Relações pessoais... relações humanas. 
A história de "Antes de ser Feliz", não é uma história arrebatadora, não tem personagens gloriosas, mas têm o quê da vida.
Aquilo que nos faz. 
O que somos e o que deixamos de ser e aquilo que os outros podem ou não fazer por nós.

Sou uma pessoa que gosta de "petiscar" em vários géneros literários. As minhas escolhas e os livros que compro tem sempre uma tentativa de alcançar a maior variedade possível. Aquilo que pretendo é ler. É ai que eu encontro o meu caminho. 
Por isso vou aos policiais, ao romance histórico, o conto de vez em quando, os livros de fantasia e mais do que tudo, aos romances. Ali onde se fala daquilo que os seres humanos podem ser uns para os outros ou tão somente para si próprios.
Patrícia Reis vai mais longe. Engloba na sua capacidade de ler os outros e a sua visão, o tema da família. 
A família que atravessa em tão poucos anos uma desestruturação e reformulação incompreensíveis, por exemplo, aos olhos dos meus avôs.
A minha opinião é só uma opinião e sustenta-se apenas num único livro que li da Patrícia Reis. 
Inclui-o nas minhas melhores leituras de 2020. (ver publicação que saiu aqui no Blogue a 31 de Dezembro)

Quando começou a ser divulgado o lançamento do novo livro da Patrícia Reis "da meia noite às seis", confesso que fiquei com o pé atrás. Queria muito voltar a ler um livro seu, mas não tinha vontade nenhuma de ler um livro em que o tema Covid-19 é abordado diretamente.
Estou tão farta e cansada desse malfadado assunto que procuro mantê-lo longe das minhas leituras e dos meus livros, e até das minhas escolhas.
Depois veio esta entrevista no Jornal de Letras e quando a páginas tantas, a Patrícia Reis responde isto;
"De repente surgiu-me a Susana Ribeiro de Andrade. O [José Eduardo] Agualusa diz que sonha os livros, no meu caso as personagens aparecem-me (...). Quando surge uma personagem sente-se uma mudança de alma. Passamos a ter alguém que vive connosco todos os dias."
De repente identifiquei-me com esta resposta, mas de um forma diferente, claro. 
A minha relação com os livros procuram isso mesmo, alguém que me aparece e que eu procuro em cada página. Alguém em quem eu possa sentir a sua alma. Senti-la de tal forma que passa a viver comigo todos os dias. 
Nem sempre encontro essa personagem, apesar de a procurar em cada livro. Mas digo-vos! Consigo encontra-la muitas vezes.
Parece-me que se tornou importante ler este livro.






17 de abril de 2021

 



PECADOS SANTOS - NUNO NEPOMUCENO 



" - Deus criou o homem com livre-arbítrio, para que pudesse escolher entre o bem e o mal. O bem acontece quando seguimos as Suas regras. O mal sucede quando deliberadamente ignoramos a verdade divina."

Esta é mais uma história do Professor Catalão. O Professor Afonso Catalão.
O primeiro livro que li do Nuno, foi "A Morte do Papa". Apercebi-me no fim, que fazia parte de uma série já com vários livros. Decidi começar do princípio. Já li recentemente "A Célula Adormecida" e agora foi a vez de "Pecados Santos".
São histórias independentes, mas existem personagens que se ligam em cada livro, que torna a sua leitura seguida mais coerente.
Posso dizer que não me arrependo da escolha. Nuno Nepomuceno, não deve nada aos escritores conceituados de Triller's que por aí andam com grandes sucessos mundiais. 
Qual o defeito do Nuno?
Escrever em Portugal!
Não estou a criticar, apenas a constatar um facto. Portugal em termos editoriais está muito aquém de outros mercados, muito por culpa dos poucos hábitos de leitura dos portugueses. 

Aquilo que mais me surpreende na escrita e nos livros do Nuno é o tremendo trabalho de pesquisa que ele faz. Nenhum pormenor é deixado para trás.
Em "Pecados Santos", ele mergulha na cultura judaica com verdadeiro conhecimento de causa. Como aqueles meninos bonitos de escola que fazem sempre afincadamente os seus trabalhos de casa.

Como um bom menino, leva-nos pelos caminhos do triller psicológico que deixou-me a certa altura agarrada ao livro.
Com capítulos curtos, histórias que se cruzam entre o passado e o presente, temos sempre um ponto em que a trama tende a amornar, mas a reta final é sempre viciante.
Neste "Pecados Santos", as mortes foram mais duras, um pouco mais macabras e o escritor ainda as descreve quase ao mínimo detalhe. Às vezes é um bocadinho assustador.
A descoberta do verdadeiro assassino é surpreendente, devo dizer. Não chegava lá, em momento algum desconfiei de tal pessoa.

Este "Pecados Santos" é inspirado nos Dez Mandamentos e mistura episódios do Antigo Testamento.
Temos uma forte presença das Comunidades Judaicas e deslumbramos um pouco dos seus costumes.
Percorremos Lisboa, Londres e ainda passeamos de início pelas ruas de Jerusalém.
As mortes são dentro da comunidade judaica, tirando os dois últimos. Cristãos, que considero desnecessárias e demasiado violentas. A forma como para já, colocamos Diana a salvo de qualquer mal, foi demasiado dura para os seus familiares diretos. 
No seu todo é um excelente triller e o Nuno merece todo o sucesso que tem tido.

"Abordando temas fraturantes da sociedade contemporânea como o antissemitismo e o conflito israelo-árabe, e inspirando-se nos Dez Mandamentos e noutros episódios marcantes do Antigo Testamento, Pecados Santos guia-nos através das ruas históricas de Londres, Lisboa e Jerusalém, numa viagem intimista e chocante sobre o que de mais negro e vil tem a condição humana."
 


16 de abril de 2021

 

PRÉ-LANÇAMENTOS 

(AINDA EM ABRIL, O QUE ESTÁ PARA SAIR...)


Ainda durante este mês de Abril, vão sair para as bancas, muitos e bons livros.
Fiz uma pesquisa, e escolhi alguns que me agradam. Atenção! Esta é uma pequena montra do que vai sair nos próximos dias.
Espero que gostem, e se tem alguma novidade que gostariam de ver mencionada, força! Faça-o nos comentários...

Aqui vão as minhas escolhas;

1 - SHADOW AN BONE - LUZ E SOMBRA DE LEIGH BARDUGO


Para quem gosta de literatura fantástica - e eu gosto muito - saí a 20 de Abril pelas edições ASA.
Já vi algumas reviews no Bookstagram sobre o livro e acredito que seja uma boa leitura. É uma trilogia, mas por agora temos de nos contentar com a tradução do primeiro volume.
Para quem tem Netflix, pode sempre ir espreitar a série original que por lá passa.
"Bem-vindos a Ravka... um mundo de ciência e superstição onde nada é aquilo que parece."


2 - O VÍCIO DOS LIVROS - AFONSO CRUZ


Quem já tinha saudades do Afonso Cruz? Eu tinha muitas.
É referido como um "livro belíssimo para quem não pode viver sem livros." Já li um excerto que apareceu publicado pela Companhia das Letras no Instagram. Belíssimo! Saí dia 20 de Abril.
A WOOK está a oferecer um marcador desdobrável Afonso Cruz. Se querem mesmo este livro não se atrasem com a oferta limitada. 



3 - MARLENE - C.W.GORTEN 


"Ela é uma lenda. Ela é Marlene Dietrich"
Esta é a história de Marlene Dietrich contada em romance.
Uma das mais famosas atrizes na América desde a década de 30 do século passado. Alemã. Abandona o país rumo à América e pede a cidadania Americana manifestando sempre o seu desagrado ao regime nazi.
Saí dia 19 de Abril com edição da editora TopSeller.


4 - UM ESTRANHO CASO DE CULPA - HARLON COBEN


Para quem não passa sem um bom triller, com aquela leitura frenética que nos deixa impelidos a não largar o livro, saí a 21 de Abril pela Editorial Presença este "Um Estranho Caso de Culpa".
Nunca li nada do autor, mas já vi e li boas referências a livros seus.
Falo de "Não fales com Estranhos". Curiosamente tanto um livro como outro foram adaptados em séries para a Netflix.


5 - UM FOGO LENTO - PAULA HAWKINS


Um pouco mais para a frente... bem mais para a frente! 
Está já a ser anunciado e em pré-venda o novo livro de Paula Hawkins pela TopSeller.
Saí a 31 de Agosto, mas quem o quiser comprar para marcar posição pode já fazê-lo.
É descrito como o livro mais aguardado do ano.
Paula Hawkins é a autora de "A Rapariga do Comboio" e "Escrito na Água" e eu confesso que ainda não os li. Tenho-os na minha estanque... para dizer a verdade à alguns anos até.
Vou tentar encaixá-los antes de Agosto. Tenho muito interesse em ler este livro!


Estas são as minhas sugestões para os breves lançamentos que aí veem. 
E as vossas? Quais são? Vamos trocar aqui umas ideias de leituras? 


 






13 de abril de 2021

 


ESCREVER - STEPHEN KING



A começar do princípio para deixar algo bastante claro! 
Nunca li, até agora nenhum livro de Stephen King. Nunca me despertou particular interesse.
Tive uma leve vontade de ler "Escrever", quando foi editado em Portugal em Julho do ano passado, em parte porque tinha lido o livro de João Tordo "Manual de Sobrevivência de um Escritor" que aborda o tema, digamos da mesma forma. Na altura a leve vontade desvaneceu-se porque estávamos a falar de Stephen King, e como disse, não tenho particular interesse por Stephen King.

Logo na primeira parte do livro o próprio escritor fala disso, de como, por vezes, as pessoas e as suas coisas são conotadas num determinado patamar e acabamos por ser "julgados" por isso mesmo.
Mas devo dizer, que deparei-me com um homem de uma humildade e sinceridade que eu não esperava.
Os livros que Stephen King escreve, estão um pouco longe da minha linha de leitura. Estão? Eu penso que sim. Mas a verdade é que nunca tentei sequer ler um.
Quando via Stephen King, dizia; "não, este não quero!"
Aparentemente eu sou uma patareca pretensiosa qualquer que acha, mas só acha, que sabe alguma coisa, e esta patareca agora encontrou um livro que lhe ensina uma série de coisas. 
Mais do que isso descobriu pela escrita de um escritor, reconhecido, mas que eu não reconheci-a, que todos os livros nos ensinam alguma coisa. Até os maus livros. Principalmente os livros maus.
"Se quer ser escritor, há duas coisas a fazer antes de qualquer outra: ler muito e escrever muito. Que eu saiba, não há como fugir dessas duas coisas, não há atalhos.(...)
Cada livro que se pega para ler tem uma ou várias lições, e geralmente os livros maus têm mais a ensinar do que os bons."

"A escrita não é para fazer dinheiro, ficar famoso, obter sexo ou amigos. No final, a escrita é para enriquecer a vida daqueles que leem a sua obra e também para enriquecer a sua vida. A escrita serve para despertar, melhorar e superar. Para ficar feliz, está bem?"
Stephen King fala-nos muitas vezes assim neste livro. Como se estivesse sentado aqui ao nosso lado, como se ele não fosse o Stephen King e eu não fosse, somente uma patareca que anda aqui a ler livros e a escrever opiniões sobre eles.
Conta-nos a sua vida. Faze-o de uma forma simples e honesta, e é também com honestidade que nos propõem a dar alguns conselhos e ensinamentos sobre a arte de escrever.
É um livro despretensioso de alguém que já atravessou a estrada toda, nas suas diversas formas. 
A sua caixa de ferramentas é representativa da capacidade dele como escritor de nos ensinar a nós - qualquer um de nós - como se trabalha a escrita.
"A boa escrita consiste em dominar os fundamentos (vocabulário, gramática, elementos de estilo)..."

Stephen King tem saídas de me deixarem com um sorriso no canto da boca. Cheguei a rir em algumas passagens suas quando ele conta certas vivências. O distanciamento que faz delas, a capacidade de agora entende-las como elas são. 
Quanto aos seus livros, sou capaz de aventurar-me com um ou outro.
Definitivamente vou querer ler "Carrie".

É um livro bastante gratificante. Vi a opinião da Maria João Covas no seu canal do Youtube "LivrosGosto" e achei a sua leitura era urgente. Não criou pó na estante, e é sem dúvida absolutamente fascinante como diz o Sunday Times na contracapa
  


6 de abril de 2021

 


O QUE SABE O VENTO - AMY HARMON

"Quando ficares velha e grisalha e cheia de sono e cabeceares junto da lareira, pega neste livro e lê devagar, e sonha com o olhar macio e as sombras profundas que os teus olhos tinham antes; quantos amaram os teus momentos de graça alegre, e amaram a tua beleza com um amor falso ou verdadeiro, mas um homem amou a tua alma peregrina, e amou as mágoas que alteravam o teu rosto." W.B. Yeats

Tenho de ler este livro outra vez. Num futuro não muito distante, daqui a alguns meses, ainda este ano, terei de o ler outra vez.

O livro está repleto de poemas de William Butler Yeats. Comecei por procurar o poeta e descobri que não existem edições portuguesas dos seus livros. Porquê, meu Deus! Ganhou o prémio Nobel em 1923. Não temos nada dele em Português.
Depois temos a Irlanda e a Revolta da Páscoa em 1916, e um Michael Collins retratado na primeira pessoa.

Mas a história de Anne Gallagher, mexe com a minha capacidade para absorver uma narrativa.
Hoje, incrivelmente li esta frase que não é minha, mas que descreve de uma forma perfeita esta sensação de se ser leitor de corpo e alma.
"Somos histórias, e os livros são uma das nossas vozes possíveis (um leitor é, mal abre um livro, um autor: ler é uma maneira de nos escrevermos)"
Posso definir a personagem Anne assim, a minha voz possível, a minha forma de escrever-me a mim própria. A capacidade reveladora que cada um tem de se transportar para dentro de um livro, fazendo parte dele sem estar nele.
Anne esteve dentro de mim, assim que caiu ao lago e apareceu num tempo desconhecido.
Só podia apiadar-me dela. Embalá-la no meu colo e soprar-lhe ao ouvido que estava tudo bem. Iria ficar tudo bem, por mais dificil que parecesse.
Anne é sem dúvida aquilo que cada um de nós sonha ser. Alguém simplesmente inesquecível. Alguém profundamente amada. 
"...mas a tua doçura é linda. Olhos doces. Caracóis macios. Voz suave. Um sorriso leve e caloroso."

Querem que comece do princípio? 

"Ah, não lamentes, disse ele,
Que estejamos cansados, pois outros amores nos aguardam;
Odeia e ama ao longo de horas serenas.
Diante de nós estende-se a eternidade; as nossas almas
São amor, e um perpétuo adeus."

Anne Gallagher é neta de Eoin, um Irlandês que foi estudar medicina para os Estados Unidos e nunca mais voltou à Irlanda.
Eoin criou a sua neta desde os 6 anos, quando esta perdeu os pais e ficou órfã. São só os dois, sozinhos no mundo, agarrados como uma âncora. 
A relação de amor entre avô e neta é uma das primeiras preciosidades deste livro. Esta capacidade de amar alguém mesmo quando o tempo passa. Anne tem um profundo amor pelo seu avô e fica ao seu lado até à sua morte. Com 30 anos a mesma diz-lhe no meio do seu choro que amava-o tanto que não estava preparada para o deixar ir. Ela é linda, inteligente e rica. Era suposto que tivesse uma vida para além dos livros que escreve e para além do seu avô. 

Quando Eoin morre deixa-lhe uma última vontade a ser cumprida e alguns objetos para ela começar a destapar o véu. Anne terá de ir à Irlanda onde o avô nunca quis ir com ela, alegando que ainda não tinha chegado o tempo, e espalhar as suas cinzas num lago na região onde este viveu até aos dezoito anos.
Anne apesar de ter sido profundamente amada pelo avô e de o ter amado de igual forma, pouco sabe da vida de Eoin no tempo em que ele era uma criança.

Quando espalha as cinzas no lago, algo estranho acontece, um nevoeiro forma-se e Anne perde a noção do espaço e do tempo e quando se apercebe da transformação já alguém lhe deu um tiro, e está a ser retirada do lago por um estranho que a confunde com a sua bisavó.
De repente deixamos de estar em 2001, e passamos a estar em 1921.
Esta é a parte fantástica da história, principalmente pela perfeição como a escritora constrói este enredo, esta roda dentada.
Anne não assume nesta transformação a pessoa de ninguém, continua a ser ela própria. A Anne de 2001. Mas para poder justificar a sua existência em 1921, aceita o mais lógico - devido à parecença física - a identidade da sua bisavó com o mesmo nome.
De um momento para o outro, Anne deixa de ser a neta e passa a "ser" a mãe de Eoin, que tem 6 anos e está sentado em cima da sua cama quando ela acorda. 
" A porta fechou-se cuidadosa e silenciosamente e deixei-me tombar noutro sonho, uma escuridão segura onde os avós não se transformavam em meninos com cabelos carmesim e sorrisos cativantes."

Imagine-se criada na emancipação do fim do século XV e ver-se transportada para 1921?
Esta é a parte engraçada do livro! Um dia de compras num mundo irreal.
Anne atravessa estes estados e estas provações intimamente cheia de medo e por vezes em pânico. Se alguém repara? É subtil o seu estado.
"Gemi, com mais medo do que dor. Aterrorizava-me poder denunciar-me. Eu não era a mulher que ele pensava que eu era e, acima de tudo, estava súbita e desesperadamente receosa de lhe dizer que cometera um erro terrível."
Para todos ela é Anne, a mãe de Eoin. Só voltou um pouco louca, depois de ter desaparecido na Revolta da Páscoa em 1916, no dia em que o marido morreu.
Eoin é um órfão, é-o desde o primeiro ano de vida. Quem o cria é a avó e um amigo do pai. Thomas Smith. Médico. O Thomas Smith.

O livro tem também uma forte componente histórica, retratando o período histórico da Irlanda entre 1916 e 1922. Uma Irlanda em luta com a Inglaterra pela independência e uma Irlanda fragmentada à beira de uma guerra civil.
Michael Collins, líder revolucionário Irlandês, é até uma personagem do livro como amigo do médico Thomas Smith.
Vários acontecimentos históricos são retratados no livro, levando-nos também a nós a palmilhar aquela urgência por independência.
Tudo isto dá substância a esta história. Os poemas de W.B. Yeats. A revolução Irlandesa neste período da Revolta da Páscoa e os anos seguintes, e acima de tudo o amor entre a Anne de 2001 e Thomas Smith.
É uma narrativa corrida, com um texto fluído que gera uma urgência na leitura.
Tinha pressa em seguir em frente, tenho tanta pena que tenha terminado!

"Não consigo conceber que todos os homens amem as suas mulheres como eu amo a Anne. Se assim fosse, as ruas estariam vazias e os campos ficariam incultos. O trabalho industrial cessaria e os mercados cairiam enquanto os homens se vergavam aos pés das sua mulheres, incapazes de notar ou sentir a falta de algo que não elas. Se todos os homens amassem as sua mulheres como eu amo a Anne, seríamos uns inúteis, ou talvez o mundo conhecesse a paz. Talvez as guerras terminassem, e as lutas cessassem quando concentrássemos as nossas vidas em amar e ser amados."
Amar e ser amados! Aqui está o essencial deste livro.
Thomas Smith e Anne Gallagher descobrem o amor da forma mais doce. Aceitam-se como são. Ela a luz dos olhos dele, ele, aquele porto seguro onde ela pode repousar. Como é bom ter alguém onde podemos repousar...
" - Tive um professor que me ensinou que a ficção é o futuro. A não-ficção é o passado. Uma pode ser moldada e criada. A outra não(...)
-Por vezes são a mesma coisa. Tudo depende de quem conta a história (...)
- O meu nome é Anne Gallagher. Não nasci na Irlanda, mas a Irlanda esteve sempre dentro de mim(...) Era a lenda de Oisín e Niamh, onde o tempo não era simples e linear, mas constituído por camadas e interligado, um círculo que traçava o seu caminho repetidamente, geração após geração, partilhando o mesmo espaço, mas não a mesma esfera (...)
-Nasci na América em 1970, filha de Declan Gallagher, que recebera o mesmo nome do seu avô paterno (...)
-Trocamos de lugar, eu e o Eoin (...)
-O meu avô morreu recentemente. Ele foi criado em Dromahair, mas partir quando era jovem e nunca mais voltou. Não sei porquê... mas começo a acreditar que o fez por mim(...)
-Eoin. Chamava-se Eoin Gallagher e eu amava-o muito (...)
-Ele fez-me prometer que traria as suas cinzas de volta para a Irlanda, para o Lough Gill. E foi o que eu fiz(...)
-Atravessei o lago, e agora não posso voltar, pois não? (...)
Ela ainda estava enrolada no meu colo, mas levantou a cabeça afastando-se do meu peito, para poder olhar-me nos olhos, as madeixas ondulantes do seu cabelo criando um tumulto macio em torno do seu bonito rosto. Queria enterrar as mãos naquele cabelo e puxar a boca dela para a minha, para extinguir com beijos aquela loucura e a infelicidade, a dúvida e a desilusão."

Como disse, esta história é uma roda dentada muito bem construída. Para a Anne poder viver a sua história em 1921, terá de existir em 2001, e para isso acontecer não poderá ficar para sempre em 1921.
Invariavelmente o seu caminho é o caminho de volta ao lago e ao ano de 2001. Aqui, vê-se sozinha e o seu desconsolo é ainda mais desconcertante do que o seu pânico quando entrou em 1921.
Anne dentro dos seus destroços de mulher completamente só, descobre que Eoin tinha mais para lhe dizer e deixar do que propriamente tudo aquilo que lhe disse e ensinou, e Anne vê-se novamente na casa onde passou 10 meses em 1921. Agora é a sua casa.
Aqui, descobre os restantes diários de Thomas Smith e partilha nas suas leituras a vida que perdeu quando deixou todo aquele mundo. Aqui, descobre que a partir dali tudo foi construído com base no que contou a Thomas do futuro e que o que teria de ser, seria.
O livro está contado em duas vozes... Anne vai-se descobrindo para quem a lê, fala na primeira pessoa e os seus sentimentos são cristalinos. Esta é uma razão porque a personagem é tão forte. Ela "despiu-se" física e emocionalmente para quem a queira ler.
No entremeio temos as passagens do diário de Thomas Smith, que nos mostra a visão, os sentimentos, a profundidade daquele que amou.  

Cada um dos dois - Eoin e Thomas - teve o seu tempo para a Anne. Tirando os 10 meses em 1921 em que todos viveram juntos, Eoin teve de esperar pela neta para voltar a ter Anne consigo até à sua morte, e Thomas teve de esperar pelo tempo após a morte de Eoin para encontrar Anne.
Anne é sem dúvida o caminho e o consolo.
É um livro belo e puro! Gostei muito e recomendo muito.

P.S - Não se esqueçam de W.B.Yeats. O livro tem vinte e sete poemas do poeta. São extraordinários! Deixei-vos dois nesta opinião. Vamos descobrir os outros! 
 




5 de abril de 2021

 


PASSATEMPO NO BLOGUE 2021



Em Abril haverá mais um momento Passatempo no Blogue.
Já sabem as regras?

1) Ser ou passar a ser seguidor do Blogue.
2) Fazer comentário(s) nas publicações. 


Quem ganhou o livro do mês de Março "Como Vento Selvagem" de Sveva Casati Modignani foi a Inês Pereira.
Por isso Inês, quando puderes envia para o e-mail: livrista2020@gmail.com, os teus dados (morada), para receberes o livro pelo correio.

Volto a deixar claro que, e porque ainda não tenho apoio das editoras, as ofertas podem ser livros não novos, mas sem defeitos ou estragos.



PARA O MÊS DE ABRIL O LIVRO SERÁ






SINOPSE;
«O pensamento de Rayford Steele estava numa mulher em quem nunca havia tocado. Com o seu 747 totalmente lotado de passageiros, a sobrevoar o Atlântico, em piloto automático, com destino ao aeroporto de Heathrow, em Londres, Rayford deixou, por alguns momentos, de pensar na sua família.

Naquele momento, imaginava o sorriso de Hattie Durham, a chefe de cabine, ansioso por um próximo encontro. Ao deixar o cockpit por alguns momentos, os pensamentos de Rayford foram interrompidos. Hattie apareceu de rompante, assustada, e disse-lhe:
— Desapareceram pessoas!»

4 de abril de 2021

 


PRIMEIRO PERGUNTE PORQUÊ - SIMON SINEK

"Como os grandes líderes nos inspiram a fazer sempre melhor"

Não ficção não é propriamente "a minha praia", como se diz na gíria. Por norma não leio livros de não ficção com muita frequência e tem sempre tendência a ficar a meio.
Ler não ficção sem o apoio de um livro de ficção também é raro, e foi o que aconteceu com este "Primeiro Pergunte Porquê"

Comecei um curso online de estratégias no Instagram para desenvolvimento de Marca, de Dot Lung.
Uma das sua influências é este livro. Um dos concelhos de Dot Lung foi leiam o livro e depois voltamos para terminar o curso e eu assim fiz.
Levei o Março inteiro para o ler, entre leituras de ficção, entre os livros delas, nos espaços possíveis e posso dizer que não é de todo tempo perdido.

"Há os líderes e há os que lideram."
A base do livro é algo muito simples, e no caso especifico, a base para a nossa razão de trabalho. Mas também poderia ser a base para a nossa vida. Encontrar o Porquê da nossa empresa e vender essa ideia ao contrário do que fazemos com frequência que é vendermos o que fazemos e como o fazemos.
Uma questão de perspetiva, que no fundo acaba por ser a base essencial. Se conseguirmos mostrar ao mundo porque fazemos o que fazemos, porque vendemos o que vendemos, estamos a mostrar a essência daquilo que somos e queremos transmitir. Somos mais verdadeiros, somos mais transparentes e inspiramos mais confiança.

Simon Sinek ao longo do livro não se cansa de dar exemplos de empresas que adaptaram esta filosofia mas foca-se incessantemente na Apple.  
O meu primeiro Smartphone foi um Apple. O IPhone 4. Depois de anos com aquele pequeno telemóvel que cabia na palma da minha mão e que tinha tudo o que eu precisava, mudei para um IPhone 6. Como não tinha dinheiro para um novo comprei um em 2º mão. Tinha dinheiro para qualquer outra marca e novo, mas eu queria um IPhone... quando voltei a mudar de telemóvel há pouquíssimo tempo a escolha não se colocava na marca, mas no modelo. 
Consegui perceber perfeitamente a ideia que Simon Sinek tenta transmitir em todo o livro dando como exemplo a Apple, porque eu vivo essa filosofia. Se sei explicar porque a preferência? Acho que ninguém consegue. Também sei ver características de telemóveis, que por acaso também vendo e sei que existem modelos e marcas com características superiores. Então porquê a Apple? 
Porque a Apple sabe transmitir o PORQUÊ da sua existência.
Se analisarmos chegamos à conclusão que é o exemplo perfeito para compreendermos este conceito.
Simon Sinek não fala da Smart, mas eu quero falar... acho outro excelente exemplo. Ter um Smart é uma filosofia, algo fora do estatuto de carro. Quando eu comprei o meu primeiro Smart há 18 anos atrás, ter um Smart era ter uma "cafeteira", um carro de senhoras que não sabiam conduzir. O meu primeiro Smart "morreu" na entrada para uma rotunda com dezoito anos acabados de fazer. A opção? Outro Smart. É apenas uma questão de filosofia. Aquilo que me define como pessoa. A parede da minha sala cheia de estantes com livros também me define como pessoa. No fundo é o PORQUÊ da minha pessoa.

"Conhecer o seu Porquê não é a única forma de ser bem-sucedido, mas é a única forma de manter um sucesso duradouro e ter uma maior combinação de inovação e flexibilidade."
Tenho o meu exemplar todo "rabiscado", com notas na lateral, com frases marcadas a lápis ou a marcador fluorescente. 
É uma perspetiva alternativa numa vida empresarial. Mas é também uma perspetiva alternativa a nós próprios como ser humanos e daquilo que queremos acreditar e deixar como legado.
Vale a pena pensar nisto como um projecto para a vida. Sim! Também de vida.
"PORQUÊ: Pouquíssimas pessoas ou empresas conseguem articular claramente o PORQUÊ de fazerem o QUE fazem. Quando eu digo o PORQUÊ, não me refiro a fazer dinheiro - esse é um resultado. Com o PORQUÊ, quero saber qual o vosso propósito, causa ou crença.
PORQUÊ motivo é que as vossa empresas existem? PORQUÊ razão é que você se levanta da cama todos os dias? E PORQUÊ motivo deve alguém importar-se." 

Se invertermos este conceito para a vida pessoal, as águas tornam-se menos turvas. Será um exercício interessante inverter este conceito para nós próprios como pessoas e para a vida que levamos. 
No fundo empresas são pessoas e feitas de pessoas.
A palavra, o clique de viragem é simples. Porquê!
A este porquê, que temos dentro de nós mas que não queremos dar-nos ao trabalho de procurar estão associados valores e princípios. Temos de os procurar também dentro de nós. Pois esses valores e esses princípios são a linha que separa a mediocridade da excelência.


2 de abril de 2021

 


VARDO - DEPOIS DA TEMPESTADE - KIRAN MILLWOOD HARGRAVE



"Inspirado na história real da caça às bruxas em Vardo, na Noruega, no século XVIII"

Começo por dizer que para mim este romance está agradavelmente bem escrito. Consumi 360 páginas em três dias sem grande esforço e sem grandes sacrifícios.
O grande objetivo? Ir mais além na história, porque a escrita puxava-me sempre mais para a frente, para o destino de Maren e Ursula. 

1617 parece tão distante. Bruxaria apenas uma fantasia de livros, mulheres não livres longe do nosso imaginário!
No entanto aqui está, Vardo, uma região da Noruega, assolada por uma tempestade no mar que lhe mata 40 homens e torna esta região uma região de mulheres.
Este ambiente cria por força das circunstância mulheres independentes, mas também cria ódios e ressentimentos. E o ódio e o ressentimento nas mulheres é um jogo perigoso de se jogar. Não é!?
Dezoito meses após a tragédia que assola Vardo, dezoito meses de uma luta pela sobrevivência por si próprias, chega Absolom Corner, um fervoroso homem da igreja, para livrar a ilha das práticas de bruxaria. 

Este é o pé de permeio para uma caça a fantasmas assentes em alegações mundanas e inimizades antigas.
E é vê-las a posicionarem-se em cada um dos lados para sentir onde a corda vai partir.
Maren e Ursula são duas personagens femininas que se aproximam, impelidas talvez pela sua solidão e disfunção ao meio em que se encontram. Não tomam partidos, mas pressentem o perigo.
Maren, a pequena mulher que com o naufrágio perdeu o pai e o irmão, mas também perdeu o noivo e a possibilidade de uma vida diferente.
Ursula, a mulher do comissário, tão diferente deste, tão longe do seu mundo, tão delicada, tão amante.
Nos dias de hoje este relacionamento tão íntimo e tão bem construído seria algo natural, em 1617 não podemos pensar da mesma forma, pelo que o final do livro apesar de ser no mínimo triste e não totalmente justo é sem dúvida o final possível para estas duas personagens que a escritora tão bem soube construir.

Não é uma história arrebatadora, mas é sem dúvida um livro belíssimo com uma sensibilidade que apenas existe nas mulheres.
É verdade, aqui também vimos o pior das mulheres. A sua maldade, a sua traição, a sua insensibilidade. Mas encontramos também a pureza e por fim, o sacrifício.

P.S - Com este livro acabo o projecto de Março de ler com elas e só com elas. Ficaram livros por ler. Tive mais olhos do que barriga, mas não são leituras perdidas. Irão encaixar nos próximos meses.
Foram contudo leituras inesquecíveis.