28 de março de 2021

 


VERITY - COLLEEN HOOVER


A curiosidade mata-nos como ratos. E em "Verity" fui apanhada na armadilha.

"Contudo... apesar do meu aviso generoso... continuará a absorver as minhas palavras, porque é assim que o leitor é.
Humano.
Curioso.
Continue."

Verity é uma escritora de sucesso que sofre um acidente de carro que a deixa incapacitada. Verity ainda tem três volumes para concluir da sua série de sucesso.
Jeremy é o seu dedicado marido.
Lowen Ashleigh a escritora que aceita terminar os três volumes em falta.
Convém dizer que antes do acidente de Verity já a família tinha perdido as duas filhas gémeas em circunstâncias diferentes. Uma família desfeita pela dor, na menor das hipóteses.

Lowen é uma rapariga com dificuldades financeiras, cujas vendas dos seus livros são irrisórias. Uma escritora invisível, que não se expõe publicamente, nem vende a sua imagem. A juntar a isto tudo a perda recente da mãe por quem não tinha uma situação de amor estável. Esta falta de conexão com a mãe foi alimentada pelo seu problema de sonambulismo. 
Se a morte de quem amamos é dolorosa, a morte de quem não mantivemos um relacionamento saudável, não será de todo menos pesada. 

Para conhecer o ambiente de Verity, Lowen aceita passar uns dias na sua casa a trabalhar e pesquisar nos documentos da mesma. Passar uns dias em sua casa significa viver no seu ambiente, com o seu marido e o seu filho sobrevivente e com a própria Verity, incapacitada numa cama.
Aqui, Lowen depara-se com uma realidade bem acima do que a sua mente consegue assimilar.
E confesso que assim que Lowen entra naquela casa toda a história passa a ter um significado dúbio para mim. 
Começo a ficar com o pé atrás, na perspetiva de até onde a Colleen Hoover nos quer levar.
O túnel terá de ter um fim, e ao longo das páginas que devorei em cada momento disponível, tudo me passou pela cabeça. A inocência e a culpa dançavam constantemente de personagem para personagem.
A verdade espreitava e espreitava, mas nunca se deixava realmente ver. A sério? Isto está mesmo a acontecer. 
Quando Lowen descobre o diário de Verity, a maldade recaí demasiado sobre Verity. Cheguei a pensar isso mesmo... está a recair demasiado sobre ela, será possível.

Lowen fica demasiado tempo presa àquela casa sem escapatória e esse tempo infelizmente apenas a prende cada vez mais a essa teia sem fim.
A sua presença parece que é manipulada, com todas as dificuldades. A transferência do adiantamento que não aparece e parece atrasar-se, a sua inscrição num apartamento que estava aprovada e que subitamente deixou de estar.
Lowen vê-se portanto enredada num fio demasiado cumprido para ela. Mas quem a manipula? O que é que vocês acham?

E agora? Em todos os triller´s podemos saltar do sofá em cada capítulo, podemos surpreender-nos em cada passagem ou descoberta, mas o final está lá, claro como a água.
Verity muda isso tudo! Para mim o final não é claro.
Perdoem-me se a minha interpretação está assim tão fora do que possam ter entendido do livro. Mas o que vejo é isso mesmo! 
Jeremy não é assim tão inocente, Verity não é tão culpada ou louca e Lowen não tem consciência donde se foi meter.
A carta que Lowen descobriu de Verity desperta todas estas dúvidas. 
Se Jeremy conhecia o manuscrito a realidade não é o que parece.
Quase que diria que temos tema para uma continuação.
Quanto a Colleen Hoover, continua a ser aquela que não desilude. Surpreendente!
   


26 de março de 2021

 


MULHERES INVISÍVEIS - CAROLINE CRIADO PEREZ


Não li este livro. Ou melhor! Vou dizê-lo de outra forma. Ainda não li este livro.
Aparece na edição da revista Ípsilon do dia 19 de Março, com destaque para página inteira com texto de Amanda Ribeiro.
Quando fiz reciclagem dos jornais e das revistas rasguei a folha porque tinha uma grande vontade de escrever sobre isto.
A verdade é que já dei muitas voltas ao texto e aquilo que quero dizer é precisamente o que lá está escrito, por isso, vão desculpar-me esta falta de criatividade, mas vou transcreve-lo quase, quase na integra. O texto fala do livro e fala da autora. Foi falar só sobre o livro...
O tema Mulheres Invisíveis é extenso e complexo. 
É até limitativo da minha parte, não ter mais nada a acrescentar a esta publicação da Ípsilon. 
A questão é precisamente essa. Existe muito a acrescentar. Muitos caminhos que poderíamos tomar para falar sobre este assunto, e então, até quem sabe criar um Blogue próprio para isso.

"Mães, mulheres. Invisíveis, mas presentes.
Sopro de silêncio que dá a luz ao mundo.
Estrelas brilhando no céu, ofuscadas por
nuvens malditas. Almas sofrendo na sombra
do céu. O baú lacrado, escondido neste 
velho coração, hoje se abriu um pouco, para 
revelar o canto das gerações. Mulheres..." 
Paulina Chiziane

Basta pesquisar um pouco e a informação ou a relação que existe com a frase "Mulheres Invisíveis" ganha uma dimensão assustadora.
Há pois, muito que escrever e refletir sobre o assunto. 
Actualmente apenas lhe dedicamos o dia 8 de Março, como uma forma de vitoria por um reconhecimento que não está lá no seu todo.

"Está na altura das mulheres serem vistas, não?"
O assunto é mesmo esse! Continuamos a não ser realmente vistas como parte integrante da sociedade, mas como algo a quem cederam alguns benefícios e liberdades, mas continuamos a manter-nos sobre a influencia de uma sociedade maioritariamente masculina. Não digo machista, digo masculina. São duas coisas bem diferentes... provavelmente com imagens iguais.
O mundo deixou há muito de se machista, mas continua a ser sem dúvida um mundo masculino. Depreendo do que li sobre este livro, que é disso mesmo que ele trata. Da masculinidade enraizada na nossa sociedade. 
Aquilo que conseguimos até agora foi tentar que fossemos tratadas como iguais e não como menores. O caminho presumo, é descobrir a maneira para sermos tratadas como diferentes e não como menores.
Vale a pena uma reflexão. Alguém tem ideias?



"Já alguma vez sentiu que o smarphone é demasiado grande para a sua mão? Que tem de ir fazer musculação para o ginásio (em máquinas também elas demasiado altas) só para empurrar a porta do escritório? Que o sistema de reconhecimento de voz tem um fraquinho por tons graves? Ou que o GPS não tem lá muito em conta o desconforto que é atravessar um parque mal iluminado à noite? Há uma grande probabilidade de uma pessoa do sexo feminino se reconhecer em algumas (todas?) estas questões. Acrescentamos: não é culpa sua, mas de um mundo feito à imagem e semelhança de um outro individuo - um homem.
Mulheres Invisíveis - Como os dados configuram o mundo feito para os homens, o segundo livro da jornalista e activista Caroline Criado Perez, chegou há poucos meses ao mercado português, com a chancela da Relógio d´Água (tradução de Maria Eduardo Cardoso), e estará em destaque no sábado, 27 de Março, no Heróides - Clube do Livro Feminista, da actriz e encenadora Sara Barros Leitão. Um abre-olhos que põe a descoberto a desigualdade de género que está na base de tantas coisas apenas aceites. Como aquelas do arranque do texto. Equipamentos concebidos com base numa mão e num corpo, tomados como universais; algoritmos enviesados porque se alimentam de bases de dados igualmente enviesadas, dominadas por homens.
São 400 páginas (48 só de bibliografia) cheias de factos, estudos e muitos, muitos números, que estão a encorajar organizações e governos (como a Escócia) a tomar medidas. (Achei que era uma maneira muito boa de explicar o feminismo a pessoas que não o entendiam), disse Caroline Criado Perez ao The Scotsman. (Especialmente se for um homem, para entender o que as mulheres estão a dizer sobre como nos sentimos quando estamos a navegar num mundo que é hostil para nós, onde somos assobiadas, interrompidas, tratadas com paternalismo, apalpadas, assediadas.) Uma mensagem que ecoa, por estes dias, nas sonoras reacções à morte de Sarah Everard, a mulher de 33 anos que foi assassinada quando regressava sozinha a casa, ao final do dia, em Londres.
Para isso, Caroline mostra dados (ou a falta deles) e 1001 exemplos de um mundo assente no que chama de (défice informacional de género), tanto analisando filas para casas de banho como a participação política.
Obliterado o papel da mulher na história da evolução humana, na arte, na ciência, no planeamento urbano, nas transportes, na economia, considerou-se "que as vidas dos homens representavam as vidas da generalidade dos humanos", escreve a autora no prefácio. O que sublinha, não é mal-intencionado ou sequer deliberado: É simplesmente o resultado de uma forma de pensar que prevalece há milénios e que, em consequência, é uma espécie de não pensar. E consumada porque as mulheres nem sempre estão nos centros de decisão para mudar este chip.
Apesar de não ser propositada, esta falta de dados desagregados por sexo pode ser perigosa, ou até fatal. Porque elas, muitas vezes, não têm o (ataque cardíaco à Hollywood, com dores no peito e no braço esquerdo) logo os seus sintomas são considerados atípicos e não são correctamente diagnosticadas (a descoberta que inspirou a escrita desta livro). Porque têm 74% mais probabilidade de sofrer ferimentos graves num acidente de automóvel - será porque não se está a ter em conta as medidas do corpo feminino, quer no design automóvel, quer nos testes de segurança? Porque se confia em estudos de radiação feitos no Homem Referência (caucasianos entre os 25 e os 30 anos com cerca de 70 quilos cujo superpoder é ser capaz de representar a humanidade como um todo), quando os níveis seguros para uns não o são para os outros - outras, aliás, que o masculino genérico da língua, nomeadamente no português, também revela o poder do masculino por defeito.
E se, por um lado, as mulheres são invisíveis na recolha de dados, muitas vezes com desculpas que são demasiado complicadas para serem mensuráveis, tornam-se hipervisíveis noutros aspectos: como alvo de violência sexual ou na sua sina de cuidadoras. A incapacidade de medir os serviços domésticos não remunerados talvez seja o maior de todos os défices informacionais de género, escreve a autora, questionando a sua omissão na formulação do produto interno bruto (PIB) de cada país. 

 
 

 



24 de março de 2021

 

MINHA SOMBRIA VANESSA - KATE ELIZABETH RUSSEL

"Vem ser adorada, vem ser acariciada/ Minha sombria Vanessa"


Este livro deixou um rastro destruidor atrás de mim. Deixou-me completamente assoberbada.
Têm várias fases o livro, e posso dizer que passei por vários sentimentos contraditórios ao longo da sua leitura.
Não devorei as páginas, mas deixá-lo era doloroso, agarrar nele era diabólico.

Ficará na memória durante muito tempo. Um livro duríssimo, dificil de esquecer, com uma escrita crua e sem rodeios. Uma forma subtil de nos mostrar a realidade, contada na primeira pessoa, abrindo o caminho para uma realidade maliciosa, gritante e cheia de demónios. A mente de Vanessa é demasiado sombria de facto... posso dizer que tornou os meus dias sombrios!

Esta é a história de uma relação amorosa de Vanessa aos quinze nos e o seu professor de Inglês com quarenta e dois anos. Reparem... comecei por dizer "relação amorosa", não com a intensão de acreditar seriamente que terá sido, mas apenas descrevendo as próprias palavras de Vanessa... a sombria Vanessa.

O meu sentimento pelo Strane, o tal professor de Inglês, não muda muito ao longo do livro. Manipulador e muito inteligente. Qual o verdadeiro sentimento que tem por Vanessa? É incompreensível para mim, descortinar o seu verdadeiro sentimento em toda a história. 

Já Vanessa! Bom, Vanessa é diferente. Não posso dizer que tenha um sentimento homogéneo por esta personagem. Vanessa deixa-me sem chão. 
E aquilo que vou tendo como ideia dela, vai-se alterando ao longo do livro. 
Tenho pena, tenho dó, irrita-me, machuca-me, dá vontade de dar colo... dá vontade de bater e pôr de castigo!
Mas quem é Vanessa?
"A minha mãe diz que repisar sentimentos não é maneira de viver, que há de haver sempre qualquer coisa para nos chatear, que o segredo da vida feliz é não nos deixarmos levar pelas coisas negativas. Ela não compreende a satisfação que a tristeza pode trazer; as horas passadas embalada na cama de rede, com a Fiona Apple aos ouvidos, fazem-me sentir melhor do que feliz."
Vanessa é portanto uma miúda que cultiva a tristeza, e uma miúda invisível para os outros.
" É sinistra e foge ao meu controlo, esta capacidade que tenho de reparar em tanto noutras pessoas, quando tenho a certeza de que ninguém repara em nada em mim."
É um caminho dificil de seguir, tão apartada dos outros, tão fora da realidade e da maioria. "...provavelmente há algo de mal em mim, uma fraqueza intrínseca..."
Com quinze anos é acima de tudo ingénua e vulnerável. E assim, tão fácil a forma como o professor a seduz, elogiando o seu talento e depois o seu corpo.
E é vê-lo a manipula-la inteligentemente, em cada situação. "Eu tenho poder. O poder de fazer acontecer. Poder sobre ele. Fui idiota por não ter percebido mais cedo."
Manipulação pura! Acabo a ler certos capítulos e é isso que me vem à cabeça. Estás a ser manipulada! Não tens idade, nem maturidade para entender isso! Na tua cabeça apenas acreditas que és especial e que tens poder sobre ele. 

É perturbador a forma como Strane tira a virgindade a Vanessa.
Aliás, toda a cena é assustadoramente manipulativa da parte dele. E sim, nesta altura considero a Vanessa uma vítima.
Mas a Vanessa nunca se considerou uma vítima. Nem quando tinha quinze anos, nem quando tinha vinte e um anos, nem no momento presente da história com trinta e dois anos.
O deslumbre de ser vítima e de ter sido violada, dissipa-se sempre que ela pensa nisso com mais afinco e arranja uma desculpa concreta e coerente para tudo o que se passou. Na maioria das vezes essa desculpa é ela própria. O seu próprio consentimento. 
Algures na narração Strane afirma a Vanessa "Eu vou estragar-te"
"Tu és tão complacente, dizia quando o deixava fazer o que queria do meu corpo. Era um elogio, a minha passividade era uma coisa rara e preciosa." 
É como ter consciência que está-se a fazer algo de mal, mas faz-se!

A narrativa de Vanessa vai saltitando entre os anos 2000, 2006 e por fim 2017. Os seus quinze/dezasseis anos, os seus vinte e um anos numa segunda "relação" com Strane, e os seus trinta e dois anos. A realidade nua e crua.
A acusação de outras alunas sobre o comportamento subversivo de Strane e a forma como Vanessa vai ordenando esses pensamentos.
Vanessa é acima de tudo cruel para si própria e chama a si uma responsabilidade que não cabe numa menina de quinze anos que nem tem requintes de malvadez ou perversidade. Vanessa assume-se ao longo dos anos como a grande culpada de uma relação doentia e perigosa. Só ela vê amor ali.
"Por vezes tento imaginar outra rapariga a fazer o que eu fiz- ceder ao prazer, cobiça-lo, viver em função dele - mas não consigo. O cérebro chega a um impasse, o labirinto engolido pela escuridão. Impensável. Indizível.
Nunca o teria feito se não estivesses tão disposta, dizia ele. Soa ilusório. Que rapariga quer o que ele me fez? Mas é verdade, quer acreditem, quer não. Impelida para isso, para ele, eu era o género de rapariga que não deve existir: ansiosa de se atirar ao caminho de um pedófilo.
Mas não, esse palavra não está certa, nunca esteve. É uma escapatória, uma mentira, da mesma maneira que é errado chamar-me vítima e nada mais. Ele nunca foi assim tão simples; eu também não."

Quando Vanessa sacrifica-se por Strane, e é expulsa do colégio por comportamento impróprio, a sua existência atravessa um doloroso caminho. Confesso que as suas atitudes e a forma como encara esta passagem, ou esta espera, ensombram ainda mais aquilo que vejo em Vanessa. Uma miúda em decomposição, em decadência.
É doloroso seguir o seu caminho tão desviado. Tudo faz para não termos um pingo de empatia por ela. Vanessa tem apenas em mente que aquele período é a transição sufocada até à universidade onde poderá finalmente voltar para Strane. A sombria e fiel Vanessa acredita que Strane espera por ela, da mesma forma que ela espera pacientemente por ele.
A pergunta que está sempre a matraquear ao longo do livro é clara! Será Vanessa uma vítima?
Vanessa não quer ser vítima... esta é uma decisão que ela tomou e que recalca e recalca sempre que a dúvida se instalada. Mas será que não é?
"Não sou vítima porque nunca quis ser e, se não quiser ser, não sou."
O que mais custa é a sua submissão ao que ela considera uma relação, a forma como caminha para o abismo e recusa-se a qualquer realidade que não seja "ele amava-me, ele amava-me"

Perto do fim, Vanessa permite-se algo mais do que duvidar da construção da sua realidade. É um momento de verdade consigo própria e é efetivamente um dos momentos mais aflitivos do livro.
Num diálogo íntimo, Vanessa consegue assimilar dentro de si, todos os seus sentimentos em relação ao Strane;
" Não, escuta-me. Não finjas que eu não sei o que estou a dizer. Ele nunca me obrigou, está bem? Ele esperou que eu dissesse sim e tudo, especialmente quando era mais nova. Ele foi cuidadoso. Ele foi bom. Ele amava-me [...]
-Estás farta de quê? - pergunta
- De o ouvir, de o ver, de tudo o que faço estar inquinado por ele. [...]
- É o que sinto... - Faço força com o cutelo das mãos nas coxas - Não posso perder a coisa a que me agarrei tanto tempo, sabes? (...) Preciso mesmo que seja uma história de amor, sabes? Preciso mesmo, mesmo que seja isso. (...)
- Porque se não for uma história de amor, o que é? (...)
- É a minha vida - digo - É a minha vida desde sempre.
Ela aproxima-se de mim quando digo que estou triste, estou tão triste, palavras pequenas e simples, as únicas que têm sentido quando levo as mãos ao peito como uma criança e aponto para onde dói."

Vanessa sempre se sentiu uma criatura forte. Induzida ou não por Strane que lho dizia com frequência, era efetivamente forte. Afinal de contas só ela levou com todo o embate e suportou-o  como ninguém.
A forma como o suportou assentou sempre na premissa que Strane a amava, que ela era especial, que ele só fez aquilo que ela consentia, que era ela que ditava as regras e que ele não podia viver sem ela.
Nunca lhe ocorreu que ela, com a sua sombra e solidão, era um alvo óbvio para que as coisas fossem para lá de um toque num joelho. Nunca lhe ocorreu a ela, que não tinha sido escolhida por amor, ou porque fosse especial, mas "porque tinha fome e era fácil"

Sei que estou a alongar-me perdidamente. O livro é tremendo. Acredito que a opinião sobre o mesmo não seja uma opinião constante. Acredito que ter uma personagem como a Vanessa não é consensual. Pode até ser repulsiva a forma como ela encara tudo isto. 

Ter a Vanessa como narradora é esmagador. Uma personagem que se expõe e não se esconde em nada. Que não se pinta com nenhuma áurea de integridade ou vitimização.
É uma personagem fortíssima e complexa. Nem sempre gostei dela. Ela não quer que se goste dela. Ela quer que a vejam como ela é. Estragada!

Leiam por favor! Vale mesmo a pena!

22 de março de 2021

 


GIVEAWAY




No dia 25 de Março faz 1 ano que o Blogue tornou público a sua primeira publicação.
Há 1 ano andava ás voltas com Layout e plataformas. A perder a cabeça. 
Foi dificil arranjar um cantinho para publicar o que escrevo.
Tudo o que está por trás não era propriamente a minha área e ainda hoje aprendo e procuro. 
É feito de sonhos, projetos e resiliência.

Para comemorar este primeiro ano, tenho um exemplar do livro " A Última Ceia" de Nuno Nepomuceno.
O que tem de fazer? Muito simples. 4 etapas;

1. Seguir o Instagram do livrista (@livrista.blogspot).
2. Gostar desse Post no Instagram.
3. Identificar 3 amigos nos comentários do Post no Instagram (quantas vezes quiserem desde que sejam amigos diferentes).
4. Seguir o Blogue (tornares-te seguidor do Blogue)

E é isto! E por favor leiam bem as regras ao participar, para não serem desclassificados.
O passatempo decorre até ao dia 31 de Março às 23h59. Vou anunciar o vencedor no dia 4 de Abril.

Fiquem bem, e boas leituras, porque afinal é para isso que cá estamos!

 


 

A COLINA QUE SUBIMOS - AMANDA GORMAN




Quando amanhece, perguntamo-nos
"onde encontrar luz nesta interminável sombra?"
A perda que carregamos, um mar para vadear.
Enfrentámos a barriga da besta.
Aprendemos que sossego nem sempre é paz,
e as normas e noções do "justo" nem sempre são justiça.
Porém, a aurora é nossa antes de sabermos.
De alguma forma a fazemos.
De alguma forma resistimos e testemunhamos
uma nação que não está falida, mas simplesmente interrompida.
Nós, os herdeiros de um país e de um tempo, onde uma miúda negra magricela descendente
de escravizados e criada por uma mãe solteira pode sonhar em tornar-se presidente, e logo
ver-se a declamar para um.

E sim, estamos longe da polidez, longe da limpidez,
mas isso não significa que lutamos por uma união perfeita.
Nós lutamos para forjar a nossa união com propósito.
Compor um país comprometido com todas as culturas, cores, feitios e condições humanas.
E assim não erguemos o nosso olhar para o que está entre nós,
mas para o que está diante de nós.
Fechamos o fosso porque colocar o nosso futuro em frente, 
implica antes colocar as nossas diferenças de lado.
Baixarmos as armas para nos abraçarmos mutuamente.
Não queremos magoar ninguém, mas harmonia para toda a gente.
Deixemos o globo, se nada mais, dizer que isto é verdade:
Que mesmo enquanto sofríamos, crescíamos.
Que mesmo enquanto doía, tínhamos esperança.
Que mesmo durante o cansaço, tentávamos.
Que permanecermos para sempre em união e vitória.
Não porque nunca mais vamos conhecer a aniquilação,
mas porque nunca mais vamos semear a divisão.

As escrituras sugerem que imaginemos que cada pessoa se poderá sentar
debaixo da sua própria vinha e figueira e ninguém a conseguirá assustar.
Se quisermos viver à altura do nosso tempo,
então a vitória não residirá na lâmina,
mas em todas as pontes que contruímos.
Essa é a promessa-clareira, a colina a subir, se assim ousarmos.
Porque ser da América é mais do que um orgulho que herdamos.
É o passado em que entramos e a forma como o reparamos.
Nós ouvimos uma força que fragmentaria a nossa nação em vez de a compartilhar.
Que destruiria o nosso país se isso significasse a democracia adiar.
Esse esforço foi quase bem-sucedido.
Mas se a democracia pode, periodicamente, ser adiada,
ela nunca pode ser permanentemente derrotada.
É nesta verdade e nesta fé que confiamos,
porque enquanto olharmos para o futuro, a História está de olho em nós.
Esta é a era da justa redenção.
Temíamos isso desde a iniciação.
Não tínhamos ainda a preparação para herdar tão aterradora hora,
mas no seu seio, descobrimos o poder para escrever um novo capítulo,
e para oferecer, a nós próprios, confiança e sorrisos.
Assim, enquanto outrora perguntávamos "como é possível vencermos a catástrofe?",
agora anunciamos: "Como será possível a catástrofe vencer sobre nós?"

Não vamos marchar de regresso ao que foi, mas avançar para o que deve ser:
Um país que está ferido, mas inteiro,
benevolente, mas audaz,
feroz e livre. Nós não vamos recuar ou ser interrompidos por intimidação,
sabemos que a inação e inércia seriam o legado da próxima geração.
As nossas falhas tornam-se os seus fardos.
Mas uma coisa é certa:
Se fundirmos bondade com força, e força com razão,
então o amor torna-se a nossa herança
e a mudança, um direito à nascença da criança.

Então deixemos para trás um país melhor do que aquele que nos deixaram.
Com cada sopro do meu peito socado a bronze,
nós elevaremos este mundo ferido e um mundo maravilhoso.
Nós nos levantaremos das colinas douradas do Oeste.
Nós nos levantaremos do nordeste varrido pelo vento,
onde os nossos antepassados fizeram a primeiro revolução.
Nós nos levantaremos das cidades à beira dos lagos de Midwest.
Nós nos levantaremos do Sul escaldado pelo sol.
Nós vamos reconstruir, reconciliar e recuperar.
Cada recanto conhecido da nossa nação, cada esquina a que chamados país,
o nosso povo, diverso e belo, irá emergir, flagelado e belo.
Quando amanhece, nós saímos da sombra, ardentes e sem medo.
Uma nova aurora floresce enquanto a libertamos.
Porque há sempre luz,
se tivermos coragem suficiente para a ver,
se tivermos coragem suficiente para a ser.

Hino à esperança por uma América melhor. É um hino à América.
Poderia ser um hino em qualquer lado do Globo.
Polémicas e raças à parte. Amanda Gorman fala de esperança.
Esperança por um ser humano melhor. Maior!


P.S - Esta tradução foi retirada do site "www.casafernandopessoa.pt" 

19 de março de 2021

 

ESCRITORAS PORTUGUESAS QUE GOSTO MUITO!


Quando pensei neste publicação, comecei com a ideia de fazer uma lista de Autoras Portuguesas.
Depois pensei que não posso falar de todas as escritoras e principalmente de escritoras que não conheço.
Como posso dar a minha opinião sobre alguém que nunca li?
Passei os olhos pelas minhas estantes e descobri que não tenho assim tantos livros de escritoras portuguesas.
A realidade deixou-me aborrecida. Não tenho dado a devida importância ao pensar da mulher, ás suas histórias, e definitivamente terei de mudar isso no futuro.
Já o ditado popular dizia que as ideias são como as cerejas e é bem verdade... outras ideias surgiram-me com esta simples lembrança de fazer uma publicação sobre escritoras portuguesas.
Já vos conto... agora vamos há lista de escritoras portuguesas que eu gosto muito. Aquelas que eu li, é claro!

LUÍSA BELTRÃO
Um dos primeiros livros que eu comprei foi "Os Mal-Amados" de Luísa Beltrão. Na altura, por volta de 1997, 1998, adorei o livro. A história era fascinante, e existe até uma tetralogia chamada "Uma história privada" ("Os Pioneiros", "Os Impetuosos", "Os Bem-Aventurados", e "Os Mal-Amados"). Acabei por nunca adquirir os outros. Distração.
Lembro-me de uma visita a Óbidos e à livraria Ler Devagar. Na altura existia a tetralogia completa na parte alfarrabista, mas não consegui convencer o dono da loja a vende-los em separado. Ficaram por comprar e tem ficado durante muitos anos esquecidos nas listas de livros, com outros a sobreporem-se.
Definitivamente, terei que voltar a olhar para esta escritora outra vez.

INÊS PEDROSA
Já aqui falei dela no Blogue. Já este ano reli um livro da Inês. Adoro a Inês, e a sua escrita suave. As suas histórias cheias de sentimentos humanos, de realidades não muito "limpas". Como a vida, aliás!
"Fazes-me falta", "Desamparo", "Nas tuas mãos", "Fica comigo esta noite", "A intrusão dos amantes". Vale mesmo a pena.

MARIA JOÃO LOPO CARVALHO
"A Padeira de Aljubarrota" e "Marquesa de Alorna", foram os únicos livros que li da escritora. São romances históricos. Livros enormes. Livros inesquecíveis.
"Marquesa de Alorna" é um livro inolvidável... a história de uma personagem que fez parte da nossa realidade histórica e que deixou uma marca inconfundível de lealdade e integridade. Devorei as suas páginas.


PATRÍCIA REIS
Descobri esta escritora numa lista de novos escritores que João Tordo apresenta no seu livro "Manual de Sobrevivência de um Escritor".
Pesquisei, e não é que já seguia a escritora nas crónicas no Portal do Sapo!
Comprei "Antes de Ser Feliz", depois de muito escolher. O livro é belíssimo. Tenho mais uns quantos debaixo de olho, mas a 6 de Abril saí novo livro da autora "da meia noite às seis". 
Esse vai ser o próximo. É como a própria escritora disse "Corram que vai esgotar e o Natal está à porta!"

ANA CRISTINA SILVA 
Li "Salvação" e gostei muito. Existem outros títulos que quero muito ler. "Bela", o seu mais recente livro, sobre Florbela Espanca (a minha mãe adora Florbela Espanca), "As longas noites de Caxias", " A noite não é eterna", "Crónica do Rei-Poeta Al-Mu´tamid" e "A Segunda morte de Anna Karentina"
Este livro que li, "Salvação", tem uma componente história e aborda um assunto frágil na sociedade portuguesa. A inquisição. Gostei, essencialmente da maneira como escreve, e a forma como capta a alma humana.

CLARA PINTO CORREIA
Nunca esquecerei "Adeus Princesa". Aliás pretendo relê-lo em breve. O meu querido Alentejo, uma história de amor e dor inolvidável.
Não posso dizer que tenha lido muita coisa da Clara Pinto Correia. À anos que não lhe conheço nenhum livro. Se tem editado? Claro que sim, eu é que ando mais uma vez distraída.
Já reparei pelas minhas pesquisas para esta publicação que ainda existe muita coisa que ler da Clara Pinto Correia.

ISABEL MACHADO
Escreveu "Rainha Santa", sobre a Rainha Santa Isabel, esposa do Rei D. Dinis. Depois escreveu "Constança", sobre a mulher legitima do Rei D. Pedro I.
Posso dizer que nunca mais olhei para o amor de Pedro e Inês da mesma maneira.

DULCE MARIA CARDOSO
"Eliete" é sem dúvida um ponto de referência. Para mim é claro!
Estou impacientemente à espera da continuação do livro. As sua crónicas na Revista "Visão", também servem para matar saudades, mas "Eliete", bom! "Eliete" é sem dúvida um dos meus livros preferidos.

SÓNIA LOURO
Por favor, leiam tudo a Sónia Louro. Vale mesmo a pena. "Fernando Pessoa". Posso agradecer ao livro da Sónia sobre Fernando Pessoa o meu encontro feliz com o escritor e a sua obra. Se alguém quiser compreender Pessoa, leiam este livro.
"Amália, o Romance da sua vida", mostrou-me uma Amália humana de carne e osso que eu não conhecia. Para mim uma das melhores escritoras Portuguesas dentro dos temas que escreve.

Agora preciso da vossa ajuda! Quais as vossas escritoras portuguesas favoritas? De quem é que vocês gostam? Contem-me!
Quem podemos juntar a esta lista?
 





 


18 de março de 2021

 


O MONTE DOS VENDAVAIS - EMILY BRONTE

                                                                                VOLUME I


Tenho muita pena, mas não consigo ler este livro todo de uma só vez. É demasiada loucura.
Cheguei hoje ao fim do Volume I e decidi fazer uma interrupção e respirar um pouco. Lerei o Volume II mais adiante... Abril ou Maio.

Porque não consigo ler o livro normalmente como qualquer outro? Porque a loucura e a maldade humana são demasiadas para absorver tudo de uma só vez. Não tenho capacidade para tanto. Este livro deve ter consumido a alma da escritora.

A história gira em torno de Catherine e Heathcliff. Do seu amor doentio que tudo destrói. É curioso como duas criaturas se complementam e se destroem mutuamente por um amor que nem os próprios entendem, ou melhor que só os dois entendem.
Heathcliff coloca Catherine acima de qualquer pessoa. "Ela é tão infinitamente superior a eles, a toda a gente deste mundo..."
A sua vida e as suas acções são baseadas no sentimento que sente por ela. Ele suporta tudo de todos os que o rodeiam, a crueldade consigo, as tareias do irmão de criação, as descomposturas e a falta de afeto. A solidão... o facto de ser uma pessoa só no mundo a quem ninguém tem qualquer sentimento de bondade ou indulgencia. O que ele não suporta é que isso venha de Catherine.

Para Catherine, Heathcliff é um prolongamento de si própria.
Alguém a quem ela nunca poderá desassociar porque senão a sua existência seria posta em causa.
"...não o amo por ele ser belo... mas porque ele é mais eu do que eu própria. Seja qual for a substância de que são feitas as nossas almas, a dele e a minha são uma só..."
"... eu sou Heathcliff! Estou sempre, sempre a pensar nele, não enquanto fonte de prazer, assim como os pensamentos acerca de mim mesmo nem sempre me são agradáveis, mas porque ele é o meu próprio ser."

Catherine contudo casa-se com outro homem porque é "desonroso" para si aceitar ou sequer pensar em ficar com Heathcliff. Da parte deste não há qualquer intensão em despoja-la. A sua maneira de pensar e ver o mundo não passa por uma relação familiar, mas apenas pelo sentimento de posse e destruição.
Heathcliff é essencialmente uma pessoa de temperamento nocivo e duro a quem a vida pouco deu, mas também não procura livrar-se da maldade que o rodeia mas prefere até alimentá-la.
Mesquinho e perigoso volta para vingar-se e para atormentar Catherine com a sua presença.

Catherine é fundamentalmente egoísta. A loucura começa a tomá-la. Fico na dúvida se estes rasgos de alienação dependem da sua própria vontade, ou se são a influência maligna de Heathcliff.
São criaturas detestáveis. Criaturas que se destroem mutuamente e a todos aqueles que o rodeiam. É como um mal instalado.

É um livro dificil de ler. Não vemos esperança ou felicidade para as personagens. 
Não me interpretem mal, não estou a dizer de todo que não gosto do livro, pelo contrário. O livro é fascinante. É um clássico negro e sem dúvida uma obra-prima da literatura. Mas o peso de Catherine e Heathcliff são tão grandes que me é impossível para mim ler tudo de uma só vez.




16 de março de 2021

 


O SOL NASCENTE - JOHN DONNE 




"Tu, velho tolo atarefado, indomável Sol,
Por que dessa forma,
Por janelas e cortinas, nos chamas?
Devem acaso seguir teus movimentos as estações dos amantes?
Impertinente, pedante, infeliz, vai ralhar com
Estudantes atrasados e aprendizes rabugentos,
Vai dizer aos caçadores da corte que o Rei irá cavalgar;
Chama os lavradores do campo aos ofícios de colheita;
O amor, como sempre, não conhece estação nem clima,
Nem horas, dias, meses, que são os retalhos do tempo.

Teus raios, por que os imaginas
Tão veneráveis e fortes?
Eu os poderia eclipsar e nublar com um piscar de olhos,
Mas não conseguiria ficar sem vê-la por tanto tempo.
Se os olhos dela não cegaram os teus,
Fita-os, e amanhã, mais tarde, me conta,
Se ambas as Índias, de especiarias e de minas,
Estão onde as deixaste ou repousam aqui comigo.
Pergunta pelos reis que tu viste ainda ontem,
E irás ouvir: "Estão todos aqui repousando sobre um leito".

Ela é todos os estados, e eu todos os princípios;
Não há mais nada;
Príncipes não chegam até nós; comparadas com isso,
Todas as honras são imitações, toda a riqueza, alquimia.
Tu, Sol, tens somente metade da felicidade que temos,
Porque o mundo foi arranjado assim;
Tua idade pede calma, e como tua tarefa é
Aquecer o mundo, ela está cumprida aos nos aquecer.
Brilha aqui para nós e estarás em toda a parte;
Esta cama é o teu centro, estas paredes tua esfera."



15 de março de 2021

 


LEIA MENOS... MAS MELHOR


"Quando toda a gente diz leia mais, nós dizemos leia menos. Leia menos livros dos tops, dos autores de sempre, dos géneros de sempre, das histórias de sempre. Desafie-se. Leia menos, mas escolha melhor as suas leituras. Arrisque. Experimente autores jovens, não galardoados, escritores não ocidentais, poetas. Leia uma peça de teatro, contos, livros que não sejam também filmes ou séries de TV."
E leia mais... mulheres."


As frases que cito em cima, não são minhas... são citações incluídas no Blog literário WOOKacontece.
A verdade é que por preguiça ou por modas, temos tendência a seguir as correntes do momento. Hoje em dia todos queremos ler autores que estão sempre no Top de Vendas. Aqueles que ganharam os prémios que por aí circulam. São uma garantia que o que estamos a comprar é uma boa compra e que o dinheiro não é mal gasto.
Por vezes, neste deve e haver, não nos lembramos que as nossas tendências e os nossos gostos variam de pessoa para pessoa e a mais da vezes damos com um livro na mão, recordista de vendas, com milhentas edições mas que não chegamos nem a metade. São pequenas desilusões.
Como comprar um livro é algo ainda fora das carteiras dos demais, arriscar a comprar ás cegas é meio caminho andado para o abandono da leitura.

Estou a divagar! Não era bem este caminho que queria seguir. Aquilo que queria dizer era que esta publicação fez-me pensar  e olhando à minha volta dei-me conta que a minha estante de livros para os próximos tempos está efetivamente cheia de títulos que circulam nos tops de vendas, ou já circularam em tempos, muito recentes.
O único livro que por cá espera a sua vez que não faz ou fez parte desse grupo anteriormente já referido é "Crónicas de Adolescente" de João Mota e Milton Dias, e foi uma oferta de natal.
Muitas das vezes também nos passam ao lado títulos já editados há alguns anos, ou que já foram escritos há anos mas que só agora as editoras portuguesas decidiram editar. Isabel Lucas na Revista da Ípsilon, na passada sexta-feira "falou" sobre um livro que foi publicado em 2014, mas que em Portugal aparece editado em 2020. O livro é "O QUE RESTA DA NOSSA VIDA" de Zeruya Shalev e foi editado pela editora Elsinore.



Zeruya Shalev é uma escritora israelita.
Isabel Lucas descreve-a assim "Poeta, romancista, editora, comparada a Amoz Oz ou David Grossman, tem seis romances publicados, um livro de poesia e dois títulos para a infância. Como grande marca da sua obra está a construção de uma gramática de relações íntimas, com destaque para a família, a sexualidade, o modo como as tensões exteriores afectam a vida mais privada. [Embora eu escreva romances íntimos, alguma pessoas querem absolutamente que eles reflictam o contexto sócio-político, o que não é "muitas vezes" o que pretendo fazer]disse, lembrando a violência como uma permanência no território onde nasceu e escreve."
Falamos de uma escritora israelita, marcada também ela por um conflito entre palestinianos e israelitas mas que pretende ser apenas uma activista da paz e não tomar partidos. Não deixou de o ser em 2004, apesar de ter ficado ferida num atentado à bomba por um palestiniano.

"A sua prosa é uma das mais elaboradas, poéticas, profundas da actual literatura em Israel e não só. Tal vez os mais cépticos, os que ainda não a leram, consigam dar-lhe o beneficio da dúvida, nomeadamente em relação a este romance, sabendo que um dos escritores vivos menos insuspeitos, o Nobel J.M.Coetzee, lhe chamou "muito impressionante."

Em Portugal a escritora só tem três livros editados, o último, aquele que estamos a falar apenas editado em 2020. A WOOK descreve-a como uma das escritoras israelitas mais lidas no mundo.
Anda-me a fugir muita coisa...

Estamos perante uma história familiar.
"Como é que o mais natural dos amores se transforma num amor desiludido?"
No caso especifico, no amor entre mãe e filha. 
"Hemda e o marido que nunca amou de verdade, um sobrevivente do holocausto, bonito e triste, incapaz de aprender a falar correctamente a língua estranha e que já vivia no Kibutz sempre à espera de ver a família regressar da Europa, até ser tarde demais.
Hemda que teve dois filhos, Dina, que associou sempre ao horror da perda do pai, cujo corpo repeliu, mesmo inconscientemente, e Avner, o rapaz, o protegido, o preferido, bonito como o pai, que se perdeu no primeiro amor que encontrou."

Não será propriamente um mar de rosas onde possamos caminhar ou apoiar a cabeça descansadas no sofá enquanto lemos. 
Eu tenho muita vontade de ler, e vocês?
 
 


14 de março de 2021

 


AS MENSAGEIRAS DA ESPERANÇA - JOJO MOYES

"Não te peço que me ames sempre como agora, peço-te apenas que te lembres. Algures dentro de mim existirá sempre a pessoa que sou esta noite." F. Scott Fitzgerald (Terna é a noite)


Não vou entregar de graça o desfecho desta história. 
Preparem os lenços, e não tenham medo de chorar. Chorem por todas as mulheres inabaláveis.

Posso dizer que tudo tem uma solução! 

Estou a participar pela primeira vez numa leitura conjunta. Esta, em especial foi promovida pelo "CLUBE MANTA DE HISTÓRIAS"
O clube é um grupo no FACEBOOK que deriva do Blogue "MANTA DE HISTÓRIAS"
Foi um dos primeiros projetos que eu encontrei quando procurava material e inspiração para o meu próprio Blogue.
Este projeto está a anos luz do meu. Muito bem construído e conseguido, com a componente do Clube que incentiva à leitura.
São projetos como este que faz-me acreditar que o mundo dos livros não acabou e que quem lê ainda o faz de uma forma bastante apaixonada.

Nunca tinha entrado nestas andança de leituras conjuntas. Tinha sempre o receio da "privação da liberdade". Ficar demasiado limitada nas páginas a ler, ou não conseguir acompanhar o ritmo.
Acabei por acreditar que nada como experimentar, não é?
Como isto para mim é novidade, quero fazer isto bem, por isso decidi fazer um diário de leitura.
Ora aqui vamos nós!

Primeiro dia;

Pela primeira vez estou a ler Jojo Moyes. A história é inspirada nas mulheres da Pack Harse Library. Uma história baseada em factos reais. 
Estamos em 1937 em Kentucky, uma região Americana que tem tanto de belo como de brutal.
Nos capítulos que li neste primeiro dia a história gira à volta de Alice, a Inglesa que casou com o filho de um rico dono de uma mina da região.
Bennett tem tanto de belo como de distante, mas fora da sua realidade, em Inglaterra, Alice tem pouca capacidade de perceber quem realmente Bennett pode ser.
Alice é acima de tudo ingénua, e agarrada à ingenuidade vem sempre os sonhos. Os desgraçados dos sonhos das mulheres!
Para uma terra pequena e fechada o mais fácil é colocar uma estrangeira de lado, e cedo Alice percebe que está só.
Numa das reuniões da vila é apresentado o projeto da Biblioteca itinerante e são pedidas voluntárias para fazerem a entrega e recolha dos livros ás casas mais distantes da vila.
Alice oferece-se para o fazer. A menina Inglesa a fazer das suas!

Alice é sem dúvida a primeira grande personagem. É como se dissesse. Ok! Eu estou aqui. Eu não percebo nada disto, mas quero fazer isto! Eu não sei muito bem o que estou a fazer mas vou descobrir se me deixarem, se me derem espaço.   
Alice precisa de se descobrir a si própria. Vamos ver!

Segundo dia

A evolução da história hoje foi mais expressiva. Objetivo da leitura conjunta. Ler até à página 104.
Aqui começam a surgir outras personagens, Izzie, aquela menina tímida e mal humorada, agarrada à sua doença que não quer, nem sonha querer viver um pouco da vida.
Alice que aos poucos vai-se descobrindo como pessoa, vai ganhando coragem, vai caminhando pelo seu próprio pé. Tenho ideia que Alice ainda vai ter muito por descobrir e muito por que se desiludir.
Depois ou antes, temos a Margery. Acho que este livro tem muito para contar sobre Margery.

Terceiro dia

Hoje fiquei baralhada com o Bennett. Não sei se o posso considerar um autentico imbecil com a sua atitude distante, ou apenas uma pessoa profundamente disfuncional à sua própria realidade.
Este defende a Alice perante o pai, mas depois não tem qualquer atitude de marido convencional. Parece que flutua num limbo que é impossível de descrever.
Esta é uma história bastante completa... o enredo é confortavelmente extenso e as personagens vão aparecendo e aparecendo e ninguém parece estar a mais.
Alice tem uma pureza de espirito dificil de encontrar.
Quanto a Margery. Bem! Esta mulher tem bem os pés assentes na terra, e não tem medo de nada nem de ninguém.

Quarto dia

Alice continua a ser para mim a grande personagem deste livro. O enredo é tão vasto e são tantas as personagens que a escritora dá-nos a possibilidade de escolhermos o alvo da nossa admiração. Para mim é a Alice.
É considerada uma estrangeira na terra, o marido afasta-se, o sogro critica-a e desconsidera-a. Chega a trata-la como uma qualquer.
São as pessoas simples que a tratam bem, como o Sr. Horner ou a Kathleen.
Alice está a definhar por dentro e é tão triste ver isso à frente dos nossos olhos. A sua beleza, a sua inocência, a sua delicadeza. Tudo está a ser posto em causa.
"Podemos sempre pensar que existem pessoas que estão pior, mas não significa que seja necessariamente assim."
Hoje, Alice levou uma tareia do sogro em frente do seu próprio marido. Bennett pouco fez. Enfrenta o pai de vez em quando, tem uns breves laivos de o fazer, mas até as suas atitudes nestas alturas são um pouco dúbias. Porque o faz? Qual a verdadeira razão porque o faz? 
Quanto a Alice, espero que depois de tantas quedas, esteja na altura de começar a levantar-se.
Começo a ficar com a sensação que nem tudo vai ficar acabar bem. Mas para quem?

Quinto dia

Alice levantou a cabeça e recusa-se a voltar para Bennett. Os amigos, Margery e as suas companheiras apoia-a nesta decisão. 
Bennett não ficou muito abalado por Alice não voltar, quem sabe até aliviado por Alice ter ido embora e por alguém não ter baixado a cabeça ao seu pai.
O pai de Bennett já se percebeu, não é homem que se possa confiar e não gosta de ser contrariado. Por isso, e porque vê na Biblioteca algo ameaçador, tenta virar a vila contra elas há conta de um livrinho azul com conselhos íntimos que as mesmas faziam circular.
Esta reunião abalou a Biblioteca. Izzie foi obrigada a deixar o seu trabalho a mando do pai. E algumas famílias deixaram de querer receber livros. Beth partiu um braço e a Biblioteca fica reduzida a Margery e Alice. Podem contar com a ajuda de Kathellen, a quem Alice tanto ajudou.
Quando a chuva torrencial se transforma em cheias, são as Bibliotecárias em cima dos seus cavalos de uma forma inumana que salvam a população. E agora? Será alguém capaz de lhes fechar a porta?

É acima de tudo um livro que retrata a verdadeira força feminina. A vontade, a devoção que está no sangue de cada mulher. Ás vezes basta procurar porque ela está lá. A força das convicções dentro delas próprias. Margery, a mulher com rasgos de independência e que não se verga à vontade alheia. Alice, a ânsia de perceber onde está o seu erro como ser humano, cheia de delicadeza e humildade. Alice é a mais meiga delas todas. 
Beth. Ok! Beth não tem descrição. Faz lembrar aquelas colegas de escola que tínhamos e que nos apareciam por trás sempre com um ar despreocupado perante tudo na vida e com total indiferença para a teoria do certo e do errado.
Izzie. Quando percebemos aquilo que queremos e aquilo que somos capazes ninguém jamais nos pode parar. Assim está Izzie. De inicio só Alice estendeu-lhe a mão.
É curioso. Só Alice pode compreender inicialmente onde parava Izzie e do que ela precisava realmente.
Sophie, a negra que arranja livros e mantem a biblioteca em ordem. A bela negra que não se atravessa no caminho de ninguém, não desafia ninguém mas está lá para que não se esqueçam dela.
E Kathereen também lá parou quando foi necessário, a viúva a quem Alice consolou, a quem Alice leu em voz alta para o seu marido doente. Aquela que conheceu o amor. A grata.
Elas crescem com o livro, sem pressas mas de uma forma arrebatadora.

Sexto dia

Os papéis invertem-se. A força de Margery transforma-se em fragilidade, e a frágil Alice descobre a força dentro de si.
Grávida, Margery é presa e acusada da morte de um homem. 
Van Cleve, o sogro de Alice que precisa que ela saia do caminho, influenciador numa sociedade desigual consegue que a mesma seja presa em condições indignas apesar de estar grávida.
A força de Margery esmorece e a sua fragilidade transparece, mas Alice encontra a força para não abandonar a amiga, dia após dia, e quando a sua menina nasce é ela que lá está com a Sophie para a ajudar a percorrer o caminho dentro daquela cela. 

Sétimo dia

"Há sempre uma solução. Até pode ser feia. Até podes ficar com a sensação de teres ficado sem chão. Mas nunca estás encurralada (...) Há sempre uma saída."
Como já foi referido no Clube Manta de História, também para mim o livro iria passar-me completamente ao lado e não o iria ler, pelo menos nos tempos mais próximos. A grande vontade de fazer parte desta leitura conjunta foi gratificante.
Há sempre uma saída! Há sempre uma solução. Estas mulheres da década de trinta do longínquo século passado, num ambiente fechado, numa terra de ninguém provaram que ser mulher é ser inabalável. É encontrar força onde ela não existe, é encontrar equidade no meio de todos os sentimentos.

Sim...tudo tem uma solução! 







12 de março de 2021

 


INDOMÁVEL - GLENNON DOYLE


Quando publicitei no Blog que iria ler este livro para o meu projeto "Ler com elas", em Março, também disse que tinha sérias dúvidas sobre o mesmo. Já li críticas muito boas e também já li críticas muito más.
As críticas boas, até estão na contracapa do próprio livro com nomes tão importantes como Adele, ou Elizabeth Gilbert.
Quando comprei o livro, senti um arrepio na espinha. Uma precipitação que não parava de martelar na minha cabeça, como que diz "fizeste asneira!". Mas para sossegar as dúvidas passei pelo Goodreads, e o livro está classificado com um belíssimo 4.07. Na boa! Adele deve estar certa.
A verdade é que a dúvida não me largava e voltei ao Goodreads para ler as opiniões e posso dizer que foi a minha primeira desilusão.
A média das notas é de 1; 2; 3 no máximo. Aparece um ou dois 4, e depois aparece um 5 estrelas dado pela própria escritora. Confesso que senti-me enganada. Não considero que o escritor tenha o direito de classificar o seu próprio livro.
Este é o meu primeiro reparo. Vamos ao resto!

Posso dizer que o começo do livro interessou-me. A história da chita, a história do Urso Pardo. As metáforas que a escritora construiu em torno destes enredos era algo que prometia.
Os estereótipos que sufocam as mulheres. A falta de liberdade de movimentos que se perdem com a educação que temos. O capítulo sobre as Regras, bastante bem conseguido. Define uma mulher. No meu entender define mal. Para a escritora quer dizer que ser mulher é cumprir regras até ao limite das suas forças e na maioria das vezes apenas faz figuras tolas, para mim significa que só nós é que somos capazes de fazer o que fazemos, e de tolas não temos nada! O que está ali, para mim é a nossa capacidade de superação.
 Mas foi apenas isso!
Quando cheguei à página cinquenta e muitos, já não esperava que o livro desse mais nada do que uma repetição e repetição das escolhas e dos caminhos da própria.
A escritora relata o seu "enjaulamento" desde os dez anos, a sua vida de drogas e álcool, da infidelidade do marido e de como foi salva por uma relação com outra mulher.
Não se salvou a ela própria nem encontrou por ela o caminho, mas foi outra pessoa que a salvou.

"Qualquer mulher tem uma ânsia dentro de si", diz a escritora.
Sim, temos. E ainda bem!
Somos mulheres. 
Por sermos mulheres, não fazemos as coisas por metade, não amamos por metade, não trabalhamos por metade. Somos empenho! Fazemos empenho!
As grandes personagens dos grandes livros, mulheres, tem essencialmente, empenho, ânsia, devoção, seja pelo que for. Pela sua vida, pela vida dos seus filhos, pelo seu amor, pelo seu trabalho, pelas suas convicções.
Cath de "Fangirl", Eleanor de "Eleanor & Park", Bella da Saga "Twilight", Ítala de "Não te Mexas", Eleanor de "A educação de Eleanor", Meggie de "Pássaros Feridos", Sorcha de " A Filha da Floresta", Alice do "Labirinto dos Espíritos", e tantas, tantas outras.
Podem ajudar-me aqui nesta parte e referir outras personagens femininas de livros que vos marcaram.
Quando eu leio um livro ando sempre à procura da personagem feminina, porque é ela, só ela que tem a capacidade para ser "a personagem".
E nós! Que não somos personagens de livros, que não somos estrelas de cinema, nem escrevemos livros, nem somos nenhuma alma rara, somos igualmente tão essenciais na nossa condição de mulher como qualquer outra.

Se somos condicionadas na vida por ser mulheres? Sim.
Se comparativamente aos homens temos menos oportunidades e menos liberdade? Sim.
Se somos vítimas fáceis dos outros, da maledicência alheia? Sim.
Se somos constantemente condenadas pelas outras mulheres? Sim.
Temos padrões e valores mais acima. Condenamos, criticamos, trabalhamos e esforçamo-nos mais! 
Por norma, morremos depois. Isso deve querer dizer alguma coisa

Aceito que o livro tenha frases inspiradoras, mas em contextos deturpados. Tirando isso, não tem mais nada.
É apenas um desfiar das suas próprias fragilidades como ser humano, as suas razões para seguir certos e determinados caminho e até a sua falta de humildade em relação aos outros. É muito crítica a escritora em relação a outros. Não deixa de ser curioso.
A sua própria experiencia não é propriamente a libertação de nada em concreto, e a forma como se descreve "presa" acaba até por ser bastante desconexo com a sua própria realidade.

Estreio neste Blogue a frase "Não gostei" e "Não recomendo"
Basicamente é uma eterna repetição, sem nos dar nada de realmente novo ou mesmo inspirador.
    


8 de março de 2021

 


O MEU NOME É LUCY BARTON - ELIZABETH STROUT



"Esta é a historia de uma mãe que ama a sua filha. De modo imperfeito. Porque todos nós amamos de forma imperfeita."

O que posso dizer de Elizabeth Strout. Que é uma escritora e tanto.
Em 2020 li pela primeira vez um romance seu, "Olive Kitteridge" e também nessa altura aconteceu-me o mesmo.
Livro lido num curto fim de semana, a perder-me no sofá dentro das suas páginas.
Tanto Olive como Lucy são personagens que marcam.
Com Olive, a irritante Olive, aprendemos a apurá-la, depois a compreende-la e por fim a amá-la.
Com Lucy é diferente. Lucy não tem nada no seu temperamento, que não pudéssemos gostar e os pensamentos que vai desfiando são tão puros e honestos e arrastam uma devoção de afectos carregada de solidão.
Sim! Acima de tudo solidão.

A narrativa é despretensiosa. Cativante até. Saltitamos de um pensamento de Lucy para outro. De uma pequena história para outra. De um encontro fugaz com alguém, de um sentimento reservado e gentil por outro.
Fala essencialmente de amor. Do amor contido, das palavras não ditas, mas que estão lá entre mãe e filha. 
Os diálogos de Lucy e a mãe quando esta, está no hospital são uma revelação subtil disso mesmo.
A aparente "fria" mãe que não tem, nunca, em momento algum a capacidade de dizer a palavra "amo-te, filha" demonstra-o por gestos e acções.
"Senti que as pessoas podiam não compreender que a minha mãe nunca foi capaz de dizer a palavra [amo-te]. Senti que as pessoas podiam não compreender. Não fazia mal."

A mãe de Lucy teria até essa incapacidade em expressar por palavras os seus sentimentos mais profundos, mas tinha dentro de si a devoção própria e a forma própria de o demonstrar. 
A forma carinhosa como falava do filho, irmão de Lucy. A forma como esteve cinco dias sentada à cabeceira da cama de Lucy no hospital.
A forma suave como lhe dizia "dorme, Wizzle, se não consegues dormir, descansa." A forma como lhe dizia que iria ficar tudo bem.
Até quando correu o hospital à sua procura a meio da noite, só porque Lucy demorou muito tempo a fazer um exame.
Sempre o acto, a forma... nunca as palavras... aquelas palavras. 
Este compromisso moral entre mãe e filha fica escancarado quando os papeis invertem-se e é a mãe que está no hospital a morrer. 
Numa espécie de "Quis dar-lhe o que me tinha dado a mim, o mesmo tipo de constância, de atenção bem desperta, daqueles dias que tinha passado comigo", Lucy, também ela sai da sua casa e vai de encontro á mãe.
O diálogo entre as duas é comovente.
Gostaria de o transcrever, sei que é um pouco extenso, mas é só para tentarem perceber o que eu quero realmente dizer;
" - Lucy, preciso que faças uma coisa.
- Sim - respondi - Diz-me.
- Preciso que te vás embora - disse-o calmamente, e não escutei qualquer zanga na sua voz. Ouvi determinação. Mas, na verdade, senti pânico [...]
-Está bem, mãe. Certo. Amanhã?
Ela olhou para mim, com os olhos rasos de lágrimas. Os seus lábios contraíram-se. Sussurrou.
- Agora, por favor. Querida, peço-te.
-Oh, mamã... [...]
-Wizzle, peço-te.
-Vou sentir a tua falta [...]
-Sim, vais sentir."
Mais uma vez aqui Lucy diz-lhe que a ama, mas a mãe não lhe responde. Já o tinha subentendido na conversa que tiveram.
Vamos por partes.... acredito que nem todas as pessoas tenham o mesmo entendimento desta conversa entre mãe e filha do que eu estou a ter. Nunca ponho em causa o amor que esta mãe tem pela sua filha. Não ponho!
 Acredito que este afastamento que a mãe de Lucy pediu à filha é um acto de amor. Mais uma vez acredito que a mãe não o sabe expressar por palavras, ou simplesmente pela palavra "amor", mas faz pelas acções que toma e naquilo que diz "Agora, por favor. Querida, peço-te."; "Sim, vais sentir." 
É uma atitude complexa.
Somos seres humanos, muito, muito enganadores. Mas a devoção entre nós sem sempre é tida e sentida da mesma maneira.

"A Sarah Payne, no dia em que nos disse que escrevêssemos sem fazer juízos de valor, lembrou-nos que nunca sabemos, e que nunca saberemos, o que é compreender inteiramente outra pessoa. Parece uma ideia simples, mas, à medida que vou ficando mais velha, vejo cada vez mais que ela precisava de dizer aquilo." 
Esta é uma história sobre o amor. Também é uma história sobre solidão;
"Apesar da minha plenitude, estava só. A solidão foi o primeiro sabor que provei na vida, e esteve sempre lá, escondida nas frestas da minha boca, para mo recordar."
É também uma história sobre escuta;
"Adormeci ao som da voz da minha mãe. Pensei: A única coisa que quero é isto."
A voz da mãe de Lucy ficou no meu ouvido. A sua presença naqueles cinco dias no hospital é talvez a possibilidade de uma felicidade.
"Wizzle, como é que consegues viver sem céu?"