DIA DO LIVRO PORTUGUÊS
Hoje é o dia do Livro Português.
Criado pela SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), com o objetivo de salientar a importância do livro e da língua portuguesa.
Foi em 26 de Março de 1487 que o primeiro livro foi impresso em Portugal. "Pentateuco", em hebraico. Sanuel Gacom, judeu, nas suas oficinas em Vila-a-dentro, em Faro que o imprimiu.
O primeiro livro português a ser impresso teve de esperar dez anos. Produzido pelo primeiro impressor luso, Rodrigo Alvares, com o título "Constituições que fez o Senhor Dom Diogo de Sousa, Bispo do Porto" - eloquente o título -, corria o ano de 1497.
Agora é a minha vez de divagar. Perdoem-me o incomodo mas eu vou caminhar ao acaso.
A minha estante encontra com frequência o livro Português. Tenho variações. Como tudo o que é instável e amador das suas curiosidades. Acredito que será assim com quase todos.
Lembro-me que o meu primeiro vício foi Eça de Queiroz. Vou referir a leitura como um vício, porque no meu caso especifico, observo-me pelo canto do olho e vejo vício.
Esta tendência para Eça de Queiroz seria mal interpretada duas ou três décadas atrás, mas felizmente faço parte da geração que está na transição da existência do nada e da perspetiva do tudo.
O livro que comprei com o meu enxuto primogénito ordenado é de um autor português. Miguel Esteves Cardoso.
Depois deles, o vício seguinte a ocupar as madrugadas responde pelo nome, António Lobo Antunes.
Mas eu sou inconstante e zelosa e migrei com o tempo para outros caminhos.
Os livros de autores Portugueses foram preteridos por escritores como Paul Auster, Gabriel Garcia Márquez, Milan Kundera, Susana Tamaro, Luís Sepúlveda, Lars Gustafsson, Camilo José Cela, Graham Greene e John Steinbeck.
Depois de todos estes, confesso, li muita coisa sem substância, vazia, parca.
Sei que atravessei uma fase sem grande seleção e lia tudo o que agarrava.
Quando eu acreditei que já não tinha muita coisa para aprender, descobri que sim, a fantasia tem substâncias reveladoras e a arrogância combate-se com a renúncia.
Por isso, desisti de bastar-me como completa. Aqueles que eu não tinha compreendido em certa medida e em certo tempo, eram dignos da minha responsabilidade.
Miguel Torga, José Saramago e Fernando Pessoa. A ordem não é aleatória. Não desprestigia um em relação aos outros. A ordem limita-se á sua entrada na minha vida.
O que eles trouxeram de substancialmente novo? Começo pela base deles próprios. "A Criação do Mundo" de Miguel Torga, "Pequenas Memórias" de José Saramago e "O Livro do Desassossego" de Fernando Pessoa.
Todos são eles próprios. Os mesmos, a parte inteira. Seguir-lhes a estrada foi como curvar-me à essência da escrita.
Acredito que todos nós temos um livro que nos encontra.
Não falo daquele livro ou livros que descobrimos e que nos arrebatam a alma, nos deixam o peito aconchegado, a mente liberta. Desses, a minha estante sorri agradecida.
Não! Falo de algo maior. Aquele que nos encontrou. O livro maldito.
Têm?
"O Livro do Desassossego" encontrou-me depois de anos e anos de maldição. Continua a ser uma maldição, mas agora é o oposto da outra.
Se de início, na fugacidade das leituras, na pressa das desfolhar eu não atinava para além das primeiras páginas, há pouco mais de dois anos ele foi a chama que descobriu o que eu era. Onde eu estava, e qual o caminho a percorrer.
Um livro português, um autor português.
Há poucos dias li uma entrevista de Nuno Nepomuceno em que ele diz que o autor português é visto pelas editoras como pouco viável.
Levantei os olhos da revista e olhei a minha estante. Procurei os autores portugueses e tentei perceber qual o grau da minha aposta neles.
Compreendi que esse estudo não deve ser feito comigo. Eu não faço parte dos 61% de portugueses que não leram no ano anterior.
Nem faço parte da população que não investe, abdica, esbanja o seu dinheiro em livros.
Aceito a justificação do preço final do livro em Portugal, mas o cigarro também é caro e vende.
Acredito que seja uma questão cultural. Uma questão profunda que as editoras, o estado e a sociedade no seu geral não tem pachorra para mudar.
Continuamos a esquecer que livros são arte e conhecimento. Mas que importância poderá ter isso!
Divago, divago, divago! E desvio-me.
Agora eu pergunto?
Alguém que só leia um livro por ano. Tipo, aquele livrinho que compram quando vão de férias, vai escolher um livro Português?
Decerto que é uma pergunta que todas as editoras fazem quando a perspetiva é mesmo essa. Um livro por ano!
Perante um autor português e um Best Seller internacional que já é referido mundialmente quem eles escolhem? Quem vocês escolheriam?
Eu não leio um livro por ano - tenho muito orgulho nisso -, por isso volto a olhar a minha estante.
A lista é enorme e não apanha todos;
Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, José Saramago, Miguel Torga, Sónia Louro, Ricardo Fonseca Mota, Nuno Camarneiro, David Machado, Patrícia Reis, Maria Isaac, Isabel Rio Novo, Rute Simões Ribeiro, Lénia Rufino, Inês Pedrosa, David Mourão Ferreira, Joel Neto, Valter Hugo Mãe, João Tordo, Afonso Cruz, Mário de Carvalho, José Luís Peixoto, Dulce Maria Cardoso, Isabel Machado, Gabriel Magalhães, José Tolentino Mendonça, Clara Pinto Correia, Abel Neves, João Aguiar, Aquilino Ribeiro, Sophia Mello Andresen.
Devem ter dado conta, se leram com atenção, que falta aqui uma faixa profunda. Sei que ainda não os pesquei, mas eu não tenho pressa, não estou a fazer conta de ir a lado nenhum.
Norberto Morais, Judite de Carvalho, Natália Correia, Virgílio Ferreira, Agustina Bessa-Luís, Ana Margarida de Carvalho e muitos, muitos outros. Os poetas ficam sempre para o fim.
Não gosto de comparações. As comparações são uma treta. Não se compara coisas diferentes.
Mas a literatura é um Universo tão rico como outro qualquer. E se deixarmos de adquirir o óbvio e a moda?
É dificil? Claro que é.
Basta entrar numa livraria e compreender que ela está construída para encontrarmos o que eles querem e não aquilo que nós queremos.
Talvez a ideia seja essa mesma, deixarmos de caminhar como um todo, mas como um individuo que se propõe abrir a alma ao desconhecido, como quando abre um livro. Nele, o livro, encontramos acima de tudo a liberdade para sermos quem quisermos. Isso é o conhecimento, isso é a arte.
Até que ponto cada um de nós quer entrar dentro dela.