CONHECER!
Desde que me conheço que ler faz parte da minha vida.
Lembram-se da vossa primeira memória? Ora vamos lá voltar um bocadinho atrás!
A minha primeira memória foi o meu primeiro dia de aulas.
Eu era uma miúda tímida. Eu sempre fui uma miúda tímida e deslocada por isso o primeiro dia de aulas era como entrar num circo e ser a atracão principal.
Não levei a mala da escola com os livros, porque a minha irmã no ano anterior levou e não foi preciso.
Lembro-me que a minha professora ficou muito admirada de eu não levar a mala e desconfiada espreitou para debaixo da mesa para ver se eu estava a mentir.
Pronto! Eu que queria passar despercebida, acabei logo por ser a atracão principal do circo.
Este dia seria o primeiro passo para aprender a ler. Com cinco anos, já sabia escrever o meu nome e escrever os números até dez.
Era a meta da minha mãe. Não vais entrar completamente ignorante!
Por isso, esta história que estou a contar não pode ser a minha primeira lembrança, mas é sem dúvida a que eu retive na minha memória.
Na minha casa, como em tantas outras o dinheiro era contado e as despesas muito bem ponderadas, por isso não existiam muitos livros e a minha biblioteca infantil resumia-se a uns quantos livros da "Anita", e pouco mais que eu recebia como prenda de Natal.
Quando tive idade para me auto definir fui à biblioteca municipal e fiz-me sócia e passei a gastar dali.
Era como se fosse um "bar aberto", de livros. Lembro-me desses anos até ao primeiro emprego com dezoito anos e ali eu experimentei de tudo.
Afinal, tudo estava disponível.
Foi uma fase de descobertas e gostos variados.
Quando temos essa idade o melhor mesmo é não ter dinheiro para livros, porque a biblioteca dá-te a possibilidade de experimentar tudo o que se queira, e o pôr de lado um livro a meio, não é um peso na consciência.
Lembro-me que passei pela febre da poesia. Hoje em dia, leio muito pouca poesia.
Pelos policiais de Agatha Christie e Hercule Poirot. Tudo o que havia na biblioteca sobre esta escritora eu li.
Passei pouco pelos livros infantojuvenis. Nunca li os "Cinco" na totalidade e nunca li um livro da coleção "Uma Aventura"
Mas lia outras coisas, li muitas coisas. Deixei muitas coisas em meias leituras e perdia as minhas tardes ali sem me preocupar muito com o tempo.
Quando recebi o meu primeiro salário comprei o meu primeiro livro. "O amor é fodido" de Miguel Esteves Cardoso. É o livro mais antigo da minha estante.
Naquela altura não havia livrarias online, aliás nem havia o online, e na minha terra existia apenas uma livraria muito estreita, carregada de livros e que tínhamos de pedir os títulos que queríamos a maior parte das vezes. Livros em supermercados, nem pensar.
Pedir o livro á lojista e dizer o título foi como uma invasão de calor pela minha fase. É o defeito particular dos tímidos. Falamos e parece que estamos com um ataque de menopausa associado a suores e calores por todo o corpo. E tudo converge para a cara, manchando de vergonha o nosso olhar.
Desde essa altura nunca mais parei de comprar e ler livros. Umas vezes mais rápido, outras vezes mais devagar, lá vou conseguindo encher as estantes e a voltar a acrescenta-las.
Hoje, com mais de quarenta, tenho mais de seiscentos livros que a minha filha conta e olha com um aborrecimento assustador.
Acho que ela está simplesmente amedrontada com a possibilidade de os ter de ler, mas cada um é como cada qual e existem certas coisas que não se impõem, nascem connosco.
Eu também nunca soube fazer malha! Por muito que tentassem ensinar-me!
Ler, é por isso um princípio. O princípio da minha normalidade.
Não existe razão nenhuma para parar de ler. Pelo menos eu não encontro nenhuma que se justifique.
Pode-se abrandar o ritmo da leitura, se se quiser escrever.
As duas estão profundamente ligadas, mas foi dificil para mim perceber isso.
Fi-lo milhares de vezes, mas recuei. Como hesita qualquer pessoa que se sente incapaz para algo que é maior do que si própria.
Comecei, rasguei, larguei e deitei fora. Esqueci muitas vezes dentro das gavetas as folhas que punha no lixo quando as relia.
Afundei as possibilidades com mais um livro para ler. Para quê insistir se apenas tenho capacidade para ler?
Com o trabalho é diferente. Como trabalho que me sustenta e leva o dinheiro para casa, terei que ter uma atitude diferente, no mínimo mais responsável. Não sou competitiva, nem ambiciosa. Não naquela medida que atravessa tudo e todos, até porque trabalho sozinha e não tenho ninguém com quem medir forças. Mas tenho as minhas responsabilidades, estou inserida numa estrutura com muitas pessoas e lido com muitas outras pessoas que passam pelo balcão. Tenho que lhe dar a importância que precisam. Não posso dizer que não sei, não posso dizer que não consigo e não posso passar para trás das costas.
Com o blogue, escrever tornou-se um ritual, uma habituação. Ler, tornou-se mais sério, escolher um livro um ato mais calculado e livre de impulsos.
E recomeçar a escrever foi um fio de água que corre devagar.
Hoje lido com outra realidade que vou ter de controlar.
Hoje acredito que o sonho comanda a vida, e a única coisa que eu tenho de fazer é continuar a caminhar.