CARTAS DE UM JOVEM ROMANCISTA - MÁRIO VARGAS LLOSA
Este livro de Vargas Llosa é muito espaçoso.
Comecei a lê-lo enquanto esperava pela minha vez. Segunda dose da vacina contra a Covid-19, sala cheia, e possibilidade de espera considerável. Para os outros uma agonia, para mim uma oportunidade. Dei por mim a sublinhar páginas inteiras.
Tinha muita gente há minha volta e confesso que fiquei desconfortável.
Fechei o livro antes de ser chamada. De repente senti-me observada e eu não gosto nada disso.
O livro são cartas que Llosa escreve a alguém. Esse alguém seremos todos nós que abrimos este livro e temos curiosidade em saber como se escreve um romance. Acesso ás cartas do outro não temos porque somos nós. Eu concluí assim. Dá-me jeito.
Quanto a vocês que já leram ou algum vão ler este livro, já não sei.
Mas o que é realmente importante é aquilo que o escritor nos quer contar, e o que ele nos conta é deveras importante;
"o escritor sente intimamente que escrever é o melhor que lhe aconteceu e pode acontecer, pois escrever significa para ele a melhora maneira de viver, prescindindo das consequências sociais, políticas ou económicas que pode conseguir mediante o que escreve."
"Mas empenhar-se em sê-lo, decidir-se a orientar a própria vida em função desse projecto, é já uma forma - a única possível - de começar a sê-lo."
"Rebeldia"
" A ficção é uma mentira que encobre uma profunda verdade; é a vida que não foi, a que os homens e mulheres de uma determinada época quiseram ter e não tiveram e, por isso, foram obrigados a inventar."
"Porque quem, por intermédio da leitura, vive uma grande ficção (...) regressa à vida real com uma sensibilidade muito mais desperta face às suas limitações e imperfeições, ficando a saber, por aquelas magnificas fantasias, que o mundo real, a vida vivida, é mais medíocre do que a vida inventada pelos romancistas."
"Flaubert dizia: Escrever é uma forma de viver. Por outras palavras, quem fez sua esta deslumbrante e absorvente vocação não escrever para viver, vive para escrever."
"Não há romancistas precoces. Todos os grandes, os admiráveis romancistas foram, a principio, escritores aprendizes cujo talento se foi gerando à base de constância e convicção."
"O romancista alimenta-se de si mesmo."
"O romancista está também a esgravatar na sua própria existência em busca de pretextos para inventar histórias."
"O romancista não escolhe os seus temas; é escolhido por eles. Escreve sobre certos assuntos porque lhe aconteceram certas coisas. Na escolha do tema, a liberdade de um escritor é relativa, acaso inexistente."
"Se aquilo que está a ler nas estrelinhas é que, na minha opinião; um escritor de ficção não é responsável pelos seus temas (pois a vida lhos impõe) mas sim pelo que faz com eles ao transformá-los em literatura e, portanto, pode dizer-se que é, em última instância, o único responsável pelos seus êxitos ou fracassos - pela mediocridade ou pelo seu génio -, tem razão, é exatamente o que eu penso."
"Autenticidade. O que é ser um escritor autêntico?"
"Nisso consiste autenticidade do romancista: aceitar os seus próprios demónios e servi-los na medida das suas forças. O romancista que não escreve aquilo que no seu foro mais íntimo o estimula e força, e friamente escolhe assuntos ou temas de uma maneira racional, porque pensa que deste modo alcançará melhor o êxito, não é autêntico e o mais provável é que, por causa disso, seja também um mau romancista."
"Os grandes romances, nem sequer parecem estar a contar-nos algo, pelo contrário, fazem-nos viver e partilhar as coisas pela persuasão de que são dotados."
"Leia muitíssimo, porque é impossível ter uma linguagem rica, desenvolta, sem ler abundantemente e boa literatura, e tente, ma medida das suas forças, já que isso não é assim tão fácil, não imitar os estilos dos romancistas que mais admira e que lhe ensinaram a amar a literatura."
Como vos disse, naquela altura não li mais nada. O sentir-me observada numa sala repleta de pessoas que mais não faziam do que esperar pela sua vez deixou-me envergonhada na minha profunda avidez por estas palavras.
Em circunstâncias normais eles não estariam lá de todo e eu sentir-me-ia completamente sozinha, mas infelizmente ali, eu não consegui fazer isso.
Mas espero que compreendam que o livro à parte destes excertos que aqui transcrevo tem muitas coisa interessante para contar.