31 de dezembro de 2020

 


AS MELHORES LEITURAS DE 2020

Hoje é o último dia do ano, e a primeira coisa que fazemos neste dia é pensar nas melhores e piores coisas que nos aconteceram neste ano.
2020, não será um bom ano para recordar, mas invariavelmente não poderemos fugir dele. A sombra da sua inevitabilidade e da nossa incapacidade em compreender o mundo e o próximo alimentará a nossa recusa em falar no futuro de 2020, mas ele cá está para o bem e para o mal.
Mas filosofias à parte apenas queria falar de livros, porque é sempre de livros que eu quero aqui falar convosco e nada mais.
Por isso, como não poderia deixar de ser é importante fazer um resumo daquelas que foram para mim as minhas melhores leituras deste ano de 2020.
Foram muitas, mais, muito mais que nos outros anos... provavelmente o ano mais caseiro e menos desenfreado permitiram isso.

Ficam aqui as que mais gostei e que recomendo vivamente as suas leituras;


O LIVRO DO DESASSOSSEGO - FERNANDO PESSOA


Provavelmente já devem de estar fartos de me ouvir falar deste livro e deste autor. Não foi um livro fácil de pegar, não é um livro fácil de ler e até acredito que certas mentes alegres e de bem com a vida que por aí andam e ainda bem que andam não conseguem encontrar grandes razões para ler este livro.
É invariavelmente um caminho para a melancolia, mas é invariavelmente um caminho que eu não posso deixar de palmilhar.


MARINA - CARLOS RUIZ ZAFÓN


Muito há a dizer de Carlos Ruiz Zafón, mas quero começar por Marina. Por muito que leia este autor que descobri este ano, acho que nada se vai comparar a este pequeno e extraordinário livro sobre uma menina chamada Marina e o poder do fantástico. Para além do poder do fantástico, há o poder de uma personagem invulgar que ficará sempre na minha memória, por mais personagens que passem pelos meus olhos.


A EDUCAÇÃO DE ELEANOR - GAIL HONEYMAN


O GOODREADS, trouxe-me Eleanor, e Eleanor é uma personagem em tanto. Mulher perturbada, disfuncional e solitária, vive uma vida incompleta pela sua incapacidade de sobreviver á desgraça.
É, no entanto, um belo trabalho sobre a fragilidade humana, sobre a capacidade e incapacidade de nos amarmos a nós mesmos e de como a amizade pura pode salvar uma alma atormentada de si mesma.
Um dos melhores livros que já li em toda a minha vida.


NÃO TE MEXAS - MARGARET MAZZANTINI 


Reconheço que comprei este livro apenas e só pela belíssima capa, mas esta estranha e inquietante descrição de um amor impossível é arrebatadora. Não te Mexas é um muro no estômago. Toda a história é incomoda mas não consegui parar de ler, e até posso dizer que o rumo da história é muito dificil de digerir. Italia fica dentro do meu coração.


O LABIRINTO DOS ESPIRITOS - CARLOS RUIZ ZAFÓN


Até certo ponto A Sombra do Vento, era da saga, o livro que mais me tinha impressionado. Nem o Prisioneiro do Céu, nem o Jogo do Anjo abalaram-me por aí além, e eu estava tentada a considerar que o primeiro volume era de certo o melhor de todos eles.
Enganei-me redondamente... O Labirinto dos Espíritos suplanta qualquer um e dá a magia final a uma história surpreendente. Talvez esteja a repetir-me colocando nesta lista 2 livros do mesmo autor, mas o fascínio assim o permite. Todos os livros tem uma grande personagem e neste temos a Alice. E Alice faz deste livro um grande livro.



PÁTRIA - FERNANDO ARAMBURU  


Não sei como ficou a série que se baseia neste livro, que passa na HBO, mas digo-vos que o livro é apaixonante. O que nos divide como pessoas são coisas mesquinhas e supérfluas, mas por elas matamos, agredimos, destruímos e dividimos. Esta é a história de duas famílias com uma amizade pura que se solidifica pela convivência de anos. Esta é a história em como ideologias políticas e valores mais altos podem destruir tudo à nossa volta.
O livro é uma história de muitos anos, e uma história de muitas pessoas. É um grande livro em todos os sentidos.


ELEANOR & PARK - RAINBOW ROWELL


Este ano virei-me também para histórias conotadas como Jovem Adulto. Esta é uma dela. É um livro para mim muito querido. A descoberta do amor, quando o nosso caminho é um caminho de trevas.
Apesar de ser classificado como Jovem Adulto, não o deixo de recomendar como leitura.
É uma história comovente.


PÁSSAROS FERIDOS - COLLEEN MCCULLOUGH


Estou mesmo no fim da sua leitura, mas ainda não cheguei ao fim. Também ainda não fiz o Post de opinião do livro por isso não me vou alargar muito sobre o mesmo, mas não poderia deixar de o incluir nesta lista, porque merece. Se eu soubesse que ele era tão bom já o teria tirado da estante, uma vez que o tenho lá esquecido há mais de 12 anos.


A NOITE EM QUE O VERÃO ACABOU - JOÃO TORDO


João Tordo é João Tordo, e não tenho mais livros dele nesta lista porque este ano só li mesmo este.
Bem, também li o seu monologo de como ser escritor que achei interessantíssimo. Parecia que o tínhamos ali ao lado a dar-nos uma lição numa sala de aula.
Surpreendeu-me João Tordo neste caminho pelos Triller´s. Gostei imenso... posso dizer que voltei a este género de leitura graças a este livro.


A CHUVA MIÚDA - LUÍS LANDERO


Posso dizer que este ano de 2020 trouxe-me os escritores Espanhóis. Descobri Luís Landero e Fernando Aramburu, Manuel Vilas e claro o grande Carlos Ruiz Zafón... ainda paira lá na estante um livro de Javier Marías para ler.
Quanto a esta Chuva Miúda é uma história tão crua e recorrente que fiquei chocada com a capacidade de a transformar num livro. Todos nós estamos lá, retratados nesta família de pessoas que se amam e de desiludem. Todos nós...


ANTES DE SER FELIZ - PATRICIA REIS



Patrícia Reis era a minha grande distração. Não percebi como ainda não tinha lido nada da Patrícia Reis quando acabei de ler este livro. Como foi possível nunca ter reparado nas seus lançamentos. Nos livros nas bancas das livrarias?... Enfim, é sempre bom percebermos que não somos perfeitos e a distração faz parte das minhas imperfeições.
Patrícia Reis é uma escritora a ler, sempre a ler. 
Antes de ser feliz é um livro incrivelmente bem escrito sobre uma menina que se transforma em mulher e o seu sempre amigo e confidente que se transforma num homem. Essa mulher não sabe amar, e esse homem ama-a profundamente.


UM GENTLEMAN EM MOSCOVO - AMOR TOWLES


A história passa-se em Moscovo e começa no inicio do seculo XX. A escrita é tão suave e as personagens tão ricas emocionalmente que o livro apesar de ter um tamanho considerável lê-se naturalmente.
É um livro muito suave de se ler, e encantador. É de ficar com o coração saciado.


UM SENTIDO DO FIM - JULIAN BARNES  


Comprei este livro com relativa reserva. Tinha até um certo receio que não iria gostar muito de Julian Barnes, por isso posso dizer que me surpreendi a ler este livro e a gostar de cada página e cada frase escrita por Barnes. Afinal ele era tudo o que tinham dito sobre ele e esta história é assumidamente uma história marcante.
Não voltei a Barnes, tenho várias opções de escolha, mas não sei... fico sempre com a sensação de me desiludir da próxima vez. Não sei porquê! 


Para o ano que aí vem! Um 2021 cheio de boas leituras!










 















 













25 de dezembro de 2020

Num meio dia de fim de Primavera (excerto) - Fernando Pessoa


Num meio dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à Terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.


Um dia que Deus estava a dormir
E o Espirito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas nas cabeças
E levanta-lhas as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.


 





Como digo no título do Post o que transcrevo aqui deste poema é apenas um excerto do mesmo.
Maria Bethânia, também declama apenas um excerto... 
Quando Jesus Cristo é uma criança. Quando a inocência se chama Jesus Cristo!
É uma crítica... a nós homens aqui da Terra, á Igreja Católica, à sociedade. É um hino, à Liberdade e à Inocência de uma criança que como todas as crianças tem o menino Jesus dentro delas.

Feliz Natal!

24 de dezembro de 2020


 Ó SINO DA MINHA ALDEIA (sem data)



Destacado e Nítido - Fernando Pessoa


Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto.
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.


O blogue...livrista... deseja a todos os seus seguidores e visitantes um Feliz e Santo Natal. 
Que Jesus Cristo nos traga paz e saúde e que nós homens tenhamos a capacidade de nos amarmos uns aos outros!

23 de dezembro de 2020

 


TRAGO DENTRO DO MEU CORAÇÃO 

22.05.1916


Destacado e Nítido - Fernando Pessoa



[...]
Não sei se a vida é pouco ou de mais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consanguinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contactos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cómoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas, e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos
Entre tombos e perigos e ausência de manhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso
Como o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida...


[...]
Assim, fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir,
E fica sempre, fica sempre, fica sempre,
Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica...

Torna-me humano, ó noite, torna-me fraterno e solícito.
Só humanitariamente é que se pode viver.
Só amando os homens, as acções, a banalidade dos trabalhos,
Só assim - ai de mim! -, só assim se pode viver
Só assim, ó noite, e eu nunca poderei ser assim!

Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.

Amei e odiei como toda a gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a excepção, o choque, a válvula, o espasmo...
[...]


"Trago dentro do meu coração", é talvez dos meus poemas preferidos de Fernando Pessoa. O poema é extenso, mas existem dois excertos que me sobrepõe e afundam.
É essa transcrição que faço agora, e por mais que os leia e relei-a não sei o que dizer.
A mais das vezes a escrita de Fernando Pessoa inspira-me a dizer ou a escrever alguma coisa. Leva-me sem dúvida a pensar, a comparar frases e textos, poemas, com vidas vividas, e aquilo que ele diz (escreve) é-me tão real e tão próximo que recorro com demasiada frequência aos seus livros.

Por vezes nem eu sei se a vida é pouco ou de mais para mim, não sei se o que sinto é muito ou pouco, nem sei se o cansaço é fraqueza de espirito, ou falta de vontade de caminhar.
Ás vezes acho que faço muito, outras acho que brinquei com a vida. Tenho-me por alguém com alguma inteligência, mas não raras as vezes, sinto-me tremendamente ignorante.
Quando olho para trás, sei que já fui extremamente arrogante, que me faltou humildade, e que nem sempre a amabilidade fez parte do meu currículo.
A vida é sem dúvida um misto de incertezas, e as horas mais negras habitam o nosso coração sem préstimo.
Fazemos doer... não somos feitos para sofrer, mas não sabemos ser felizes. Nem sabemos agradecer.
Será a descrença? Será que esperamos demais da vida? No entanto esperamos tão pouco de nós! 


22 de dezembro de 2020

 


A Célula Adormecida - Nuno Nepomuceno



É o segundo livro que leio de Nuno Nepomuceno e estou a gostar bastante.
Demorei algum tempo a ganhar ritmo, a história tinha algum impasse inicial, mas sensivelmente a meio do livro é como se atravessássemos uma barreira intransponível e não conseguimos parar de ler.
Deixamos de ter sono e dizemos para os nossos botões "Bem, ainda dá para ler mais um bocadinho!". Levantamo-nos mais cedo, e dizemos "Vamos aproveitar mais umas páginas!"

Associo sempre um triller a um escritor estrangeiro.
Quando penso em triller´s lembro-me de Dan Brown, Hnorth & Rosenfeldt que descobri este ano, Gillian Flynn, entre muitos outros. Nos meus tempos de juventude preenchida por tardes na Biblioteca Municipal, Agatha Christie encheram dias e dias de leituras compulsivas.
Este ano li o primeiro triller de João Tordo, que me surpreendeu, e já tinha lido "A Morte do Papa" do Nuno e gostei imenso.
De repente descobri que um Português sabia escrever um Triller de forma magistral.

Quanto a esta "A Célula Adormecida" é um trabalho notável. Para além de todas as componentes e condimentos de um verdadeiro romance policial que nos prende de forma frenética até à última página, é um trabalho exemplar de pesquisa sobre outras culturas e sobre uma realidade bem real e atual, que é o conflito Sírio, o Daesh e a tragédia humanitária dos refugiados que fogem para a Europa.
É nos chapado na cara, quão pouco vale a vida humana, para aqueles que mantém o poder.
Qual a nossa capacidade em confiarmos nos outros? Mesmo quando a cor da pele, ou a língua que falam é tão dispare da nossa?
Quantas injustiças vemos diariamente mesmo neste cantinho à beira mar, sossegado e sem conflitos e nos calamos, e baixamos os olhos, porque são os outros e não nós que passamos por isso.
Quantas vidas e sonhos são destruídos, pela mera pretensão do ser humano de que é melhor do que o outro ou tem mais direito à dignidade do que o outro.
O livro não é nenhum recreio encantado de uma escola que se julga inclusiva perante a sociedade e a morte paira em cada página, pela fatalidade e pela maldade humana.
" Porque é que as pessoas não compreendem que o mais importante é acreditarem, seguirem uma vida honrada e justa, independentemente do credo? Deus é só um e Ele é igual para todos nós."

Nuno Nepomuceno criou aqui uma personagem, Afonso Catalão, que está bom para as curvas, e o aproveitamento que pode fazer desta personagem para outras histórias tornou-se ilimitado, e aprova disso é que nesta série Afonso Catalão, já foram editados, para além desta " A Célula Adormecida", "Pecados Santos", "A última Ceia" e "A Morte do Papa", e saí no inicio do ano de 2021 "O Cardeal"
Uma formula tão boa como qualquer outra, que nos traz um verdadeiro contado de histórias.


"Em nome de Deus, O Clemente, O Misericordioso.
"[...] Para cada um de vós, traçamos uma lei e um caminho. E, se Deus assim o quisesse, haveria feito de vós uma única comunidade. 
Mas não o fez, para pôr-vos à prova com o que vos concedeu. Então, competi entre vós pelo bem: todos vós ireis regressar a Deus. E Ele esclarecer-vos-á acerca daquilo em que diferíveis."
Alcorão
Sura 5 - O Festim 
(revelada ao Profeta Maomé em Medina)
Excerto do ayat 48





21 de dezembro de 2020

 


NÃO SÓ QUEM NOS ODEIA OU NOS INVEJA 

(1-11-1930)




Destacado e Nítido - Fernando Pessoa



Não só quem nos odeia ou nos inveja
Limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.



Seremos sempre pequenos e mutilados. Insatisfeitos e desgraçados.
O ódio e o amor andarão sempre lado a lado, e a solidão ou a multidão o mesmo significado terão.
Nunca seremos livres, seremos sempre presos a algo ou a alguém. O nosso mundo roda sempre ao contrário, e corremos atrás de uma felicidade que não existe.
Procuramos o "felizes para sempre", em todos os caminhos, e não compreendemos a meia felicidade.
Não aproveitamos o momento, porque somos ignorantes e mal agradecidos.
Procuramos o tudo, o pleno, mas não nos cansamos muito a encontra-lo.
Nunca seremos livres.
Teremos de procurar fazer isto de outra maneira!

17 de dezembro de 2020

 


QUANDO VIER A PRIMAVERA

                                                                                (7-11-1915)


Destacado e Nítido - Fernando Pessoa


Quando vier a Primavera,

Se eu já estiver morto,

As flores florirão da mesma maneira

E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.

A realidade não precisa de mim.

 

Sinto uma alegria enorme

Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

 

Se soubesse que amanhã morria

E a Primavera era depois de amanhã,

Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.

Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?

Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;

E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.

Por isso, se morrer agora, morro contente,

Porque tudo é real e tudo está certo.

 

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.

Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.

Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.

O que for, quando for, é que será o que é.


Ora aí está! A realidade nua e crua.
A realidade não precisa de nós. A realidade segue e avança.
Não percebo porque continuamos a achar que somos o mais importante deste Universo.




 


STARDUST - Um Conto de fadas fora do normal
Neil Gaiman


"Reparou que as suas mãos se entrelaçaram, quase de moto próprio, no cabelo da estrela. Perguntou-se como pudera levar tanto tempo a aperceber-se do quanto gostava dela, e disse-lho, e ela chamou-lhe idiota, e ele declarou que fora a melhor coisa que se podia chamar a um homem."

STARDUST é o primeiro livro de ficção que leio de Neil Gaiman. 
Provavelmente perguntam assim; só agora? Pois é... como já referi diversas vezes sou uma rapariga que se perde pelo caminho com demasiada facilidade e tenho consciência que ainda existe por aí muito escritor que eu ainda não encontrei e que vale a pena ler.
Mas tudo a seu tempo, que cá eu não tenho pressa!

Este livro é um conto de fadas, um pouco invulgar, se pensarmos nos contos de fadas tipo a Bela Adormecida e a Gata Borralheira, mas é um conto de fadas bem bonito com um final à maneira.
Uma estrela caí do céu e nesse preciso momento um rapaz faz tudo para a recuperar.
O seu propósito é poder dar a estrela à sua amada, em troca de um beijo, a sua mão em casamento, ou aquilo que ele quiser.
A amada aceita esta demanda por brincadeira, mas o rapaz (Tristan), leva muito a sério e parte à procura da estrela.
Que tolo! Dirão vocês... sim! Tristan é um pouco idiota e cheio de sonhos e magia. Ele acredita que a estrela cadente que caiu do céu é apenas um pedaço de rocha luminosa que ele pode transportar e presentear a sua amada como prova do seu amor.
Só que a estrela não é bem um pedaço de rocha, mas uma mulher, belíssima por sinal, que na queda partiu uma perna. 
Foi uma sorte ter partido só a perna, mas afinal isto é um conto de fadas, certo!
Tristan é o primeiro a conseguir chegar ao pé da estrela, talvez pelo seu sentido de orientação, talvez pelo facto de ter nascido do lado do país mágico e essa realidade não ser assim tão difusa daquilo que ele é.
Mas para além de Tristan, também a bruxa-mor que precisa de recuperar a sua juventude e os herdeiros de Stormhold procuram a estrela.
A bruxa precisa do seu coração e os herdeiros de Stormhold precisam do topázio que a estrela tem à cintura.

É uma história contada de forma simples, e a magia e a ilusão são uma dinâmica viva no livro.
Gostei. Gostei deste conto de fadas com um final feliz, não para sempre, mas pelo tempo possível.
É uma história bonita. Vale a pena ler. 



16 de dezembro de 2020

 


DESTACADO E NÍTIDO

Fernando Pessoa



"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagero ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a Lua toda
Brilha, porque alta vive."


(A minha tradução deste poema. Aquilo que vai dentro de mim.
 Depois quero saber da vossa!)

Para se ser grande, temos que sê-lo por inteiro.
Sê verdadeiro contigo, amável com os outros, e acredita nas tuas qualidades e expulsa os teus defeitos.
Não tenhas ilusões de que sejas perfeito, mas acredita com humildade que o serás se o tentares.
Pede desculpa quando erras. Têm paciência com os defeitos dos outros... todos nós temos defeitos, mas afasta-te dos teus erros, corrigindo-os. 
Avalia-te sempre, repara o teu erro sempre.
Todas as tarefas são  importantes, por isso não faças os teus trabalhos por fazer.
Tudo precisa de um toque de perfeição, até a dobra do lençol da cama, até a graxa nos sapatos, até o cliente que atendes, até a arvore que plantas, até se fores o maior artista do mundo, ou o mais imbecil dos ocupados.
Deixa a tua marca em todas as tuas coisas, o teu cheiro... um dia já não estarás cá, mas estarás sempre cá se quiseres.
Aprende a admirar os outros, a ver os outros, a escutar os outros.
Sem eles não serás nada. Faz tudo ao teu alcance para que gostem de ti, e aprende a gostar dos outros.
Diz o que pensas mas não magoes as outras pessoas nem a ti. Na dúvida cala-te!
Acredita no trabalho! Acredita sempre no trabalho, e nunca esqueças que tu amas a quem te amou.
No fim a tua Lua será alta e eterna, porque vive. 




15 de dezembro de 2020

 

DESTACADO E NÍTIDO

ORFEU - 13.06.1926





Já sobre a fronte vã se me acinzenta
O cabelo do jovem que perdi.
Meus olhos brilham menos,
Já não tem jus a beijos minha boca.
Se me ainda amas, por amor não ames:
Traíras-me comigo


O tempo não nos traz só os cabelos brancos. 
O tempo traz também outras vontades e muitas vezes sem nos darmos conta, reparamos que os anos nos trouxeram outra maneira de ser e pensar. 
As mágoas, o feitio dos outros que nos rodeam alteram-nos, e a mais das vezes sem nos darmos conta reparamos que os anos nos trouxeram outra maneira de ser e pensar.
Muitas vezes quando olhamos para o espelho descobrimos que já não somos quem eramos e não passamos de uma pequena desilusão.



14 de dezembro de 2020

 


ADIAMENTO

                                    (14.4.1928)



Destacado e Nítido - Fernando Pessoa


Depois de amanhã, só depois de amanhã…

Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,

E assim será possível; mas hoje não…

Não, hoje nada; hoje não posso.

A persistência confusa da minha subjectividade objectiva,

O sono da minha vida real, intercalado,

O cansaço antecipado e infinito,

Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico…

Esta espécie de alma…

Só depois de amanhã…

Hoje quero preparar-me,

Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte…

Ele é que é decisivo.

Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos…

Amanhã é o dia dos planos.

Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;

Mas só conquistarei o mundo depois e amanhã…

Tenho vontade de chorar,

Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro…

 

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.

Só depois de amanhã…

Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.

Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância…

 

Depois de amanhã serei outro,

A minha vida triunfar-se-á,

Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático

Serão convocadas por um edital…

Mas por um edital de amanhã…

Hoje quero dormir, redigirei amanhã…

Por hoje qual é o espetáculo que me repetiria a infância?

Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,

Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo…

Antes, não…

Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.

Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.

Só depois de amanhã…

Tenho sono como o frio de um cão vadio.

Tenho muito sono.

Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã…

Sim, talvez só depois de amanhã…

 

O porvir…

Sim, o porvir…


Sim, amanhã ou depois de amanhã será o dia de todas as minhas conquistas.
Antes, não... hoje, não. Hoje não daria certo, não é o dia indicado. Hoje não estou preparada.
É preciso parar e traçar um plano e hoje acordei muito cansada.
Deixemos os sonhos para amanhã, ou melhor, para depois de amanhã. Hoje o dia não é bom.
Hoje não me sinto capaz. Hoje a papelada pode acumular-se na secretária. Amanhã ou depois e amanhã tudo se resolverá.
Eu levanto Castelos, movo montanhas, cumpro objetivos, eu sou capaz, claro que sou capaz!
Mas não hoje. Amanhã ou depois de amanhã.
Amanhã serei outra. Amanhã serei a Princesa e o meu futuro estará manchado de glória. Mas não hoje, sempre amanhã.




13 de dezembro de 2020

 


O SOBRINHO DO MÁGICO - AS CRÓNICAS DE NÁRNIA

C.S.LEWIS


Neil Gaiman, no seu "O que se vê da última fila", despertou-me para o mundo das crónicas de Nárnia.
Sim, é um clássico de literatura infantil e já o devia ter lido à muitos anos.
Gaiman entrou no mundo mágico de Nárnia com seis anos, e leu estes livros vezes e vezes sem conta.
Quando li o discurso de Gaiman "Três escritores. Sobre Lewis, Tolkien e Chesterton: discurso do convidado de honra do 35ª Mythcon", percebi que na minha juventude, e mesmo agora ainda vai-me passando ao largo muitas e muitas coisas. 
Nunca li um livro, vezes e vezes sem conta! Nunca olhei sequer para as crónicas de Nárnia.

O Sobrinho do Mágico é o primeiro de sete livros que compõem as crónicas de Nárnia.
Conto apresentar-vos a minha opinião sobre os outros livros durante o ano de 2021. Porque apesar de ser classificado como um clássico de literatura infantil nada me impede de os ler. Nem os meus cabelos brancos!

É sem dúvida uma alegoria religiosa, que passou despercebida a Gaiman quando ele tinha seis anos, e se eu tivesse lido os livros com essa idade também me passava ao largo. Seria apenas uma história de encantar de mágicos e bruxas.
Com esta idade é mais do que um conto de fadas, é a representação do "Genesis" da Bíblia, com a personificação do bem e do mal. 
A criação de um novo mundo, tal como o nosso e como as raízes da maldade e da perversidade o podem corromper.
Mas vamos por partes!

Todos conhecemos o mundo em que vivemos e já não temos ilusões na forma como ele funciona. Para C.S. Lewis o nosso mundo é representado como um ponto intermédio entre o principio e o fim de tudo.
A nossa evolução está a meio, por isso teríamos todas as condições para nos safarmos. Teríamos!

No nosso mundo (Londres), duas crianças, Polly e Digory (este nome é muito dificil de assimilar), são enviadas pelo tio de Digory , mágico, cobarde e ganancioso, para outros mundos através dos anéis mágicos. O tio, coloca as crianças na boca da magia não vá a coisa correr mal e assim como assim não é ele que queima a sua pele.
Nessas portas de entrada as duas crianças, em situações diferentes encontram dois mundos diferentes. Um mundo já morto, extinto pela ambição, pela maldade e falta de empatia.
E um mundo em nascença, qual Genesis, puro e sem malicia. 

"- Consegues governar estas criaturas com bondade e justiça, sem esqueceres que não são escravos como os animais irracionais do mundo onde nasceste, mas animais falantes e súbditos livres?"
O reino de Nárnia, será sem dúvida um recomeço. Um mundo novo que já nasceu ameaçado pela maldade, mas que procura defender-se desse mal, e procura acima de tudo ensinar a fazer aquilo que está certo.
Digory é várias vezes confrontado com a ilusão e a armadilha, e se caí de inicio pela curiosidade provocando a libertação da Princesa Jadis, também tem capacidade de não se deixar levar pelas suas palavras mansas, quando cumpre uma tarefa a Aslan.
Como ensina qualquer conto de fadas é recompensado por essa sabedoria.
Polly é igual a si própria. É a personagem mais inteligente da história e aquela com quem se sempre pode contar. Existe uma palavra para a definir; Fiável.
Depois temos Aslan, o Leão, o criador de Nárnia. O nosso Deus e sábio.
Aquele que já deixamos de escutar à muito tempo, munidos pelo nosso desinteresse e usura ou tão somente pelo instinto de sobrevivência.
Gostei muito desta crónica de Nárnia! Contem comigo para as outras!  

 


11 de dezembro de 2020

 


DEI-TE O MELHOR DE MIM - NICHOLAS SPARKS



Faz alguns anos que não leio livros de Nicholas Sparks.
Passei por uma época particularmente forte em Nicholas Sparks e tenho títulos que gosto imenso. Considero, no entanto, o autor, como aquele que ou acerta ou falha, e neste caso específico, fiquei bastante desiludida com a história.

Já tenho este livro à vários anos na estante, mas todos temos tendências que vão mudando e eu não pegava num livro de Nicholas Sparks há muito tempo.
Se querem saber as razões porque o fiz agora não sei, mas pura e simplesmente passei os olhos pela estante e tirei o livro para ler.

Tenho três título de Nicholas Sparks que me são particularmente importantes; "O Diário da Nossa Paixão", "Um Momento Inesquecível", que conto reler em 2021, e "Corações em Silêncio"

"Dei-te o melhor de mim", soube-me a pouco e explico porquê!
Nicholas Sparks tem uma forma muito bonita de florir o texto. Tem também a capacidade de trazer para um livro a realidade da vida, aliado aquilo que nos é mais caro. O amor.
Não falo de romance, mas do verdadeiro amor entre duas pessoas. Pais e filhos, marido e mulher, novos, velhos, diferente, iguais.
Em "Dei-te o melhor de mim", acho que ficou tudo por metade.
Um amor da adolescência que não vinga e se desprende com demasiada facilidade. Um adolescente de uma família criminosa que quer ser diferente, mas que caí nas malhas da justiça, por ironia do destino.
Um casamento sem amor mas com muita compreensão. Vinte anos de vida de ambos atirados para o papel, para dar conteúdo ao que vem depois.
E o que vem depois é um esforço...derradeiro esforço de um homem que os conheceu aos dois, de os aproximar após a sua morte.
O que ele pretende é juntar o que a vida apartou, mas a vida passa, e o rio que corre já não é o mesmo, e as responsabilidades de Amanda não a permitem escolher com o coração.
O livro tem demasiada lucidez, demasiado autocontrolo.
Até posso aceitar sim, se tivesse sido dado espaço para o tempo.   
Sparks nos últimos capítulos, capitula a história e sinceramente não gosto do final.
Nenhuma das personagens me marcou. E o autor, coloca um risco a marcador grosso no chamado "felizes para sempre".

Este livro não é justo. A história não é justa. Fica um sabor de injustiça na boca.

P.S
Mas atenção, não deixei de gostar de Nicholas Sparks. Não, não, não!
Outra coisa, como podem ver as fotos que publico é mesmo da capa do livro que tenho, e esta edição é antiga sim. O livro já tem muitos anos, e acredito que a maior parte de vós até já o leu em tempos.
O que acharam? Gostava da vossa opinião, no Blogue....



 


NÃO O AMOR, MAS OS ARREDORES É QUE VALE A PENA... 

(sem data)



Destacado e Nítido - Fernando Pessoa


Não o amor, mas os arredores é que vale a pena...
A repressão do amor ilumina os fenómenos dele com muito mais clareza que a mesma experiência. Há virgindades de grande entendimento.
Agir compensa mas confunde. Possuir é ser possuído, e portanto perder-se. Só a ideia atinge, sem se estragar, o conhecimento da realidade.

10 de dezembro de 2020

 


Destacado e Nítido - Fernando Pessoa




 


PASSATEMPO_QUEM GANHOU!_ELEANOR & PARK




Olá a todos!

Com o post "Eleanor & Park" de Rainbow Rowell, lancei um passatempo, com oferta de um exemplar.
Agradeço desde já a participação de todos, do tempo que disponibilizaram e acima de tudo o facto de visitarem o Blogue...

A vencedora do passatempo é: Sofia Rocha

Peço então à Sofia Rocha que faça o envio da sua morada para o e-mail livrista2020@gmail.com, para receber em breve o livro.




9 de dezembro de 2020

 


Destacado e Nítido - Fernando Pessoa




"Longe de mim em mim existo
À parte de quem sou,
A sombra e o movimento em que consisto"


7 de dezembro de 2020

 


Dactilografia

 (19.12.1933)



Destacado e Nítido - Fernando Pessoa


Traço sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano
Firmo o projecto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tic-tac estalado das máquinas de escrever.
Que náusea de vida!
Que abjecção esta regularidade!
Que sono este ser assim!

Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.

Outrora.

Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro.
O tic-tac estalado das máquinas de escrever.

Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.

Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra...

Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro.
Ergue a voz o tic-tac estalado das máquinas de escrever.

O despertador toca, e o dia começa, hoje, ontem e amanhã. 
Hoje, ontem e amanhã, estou, estive e estarei aqui, no mesmo caminho. 
Na minha consciência noutro sitio qualquer. O sonho... haverá sempre o sonho.
Quando temos seis anos e somos pequenos olhamos muito para o espelho. Mas não nos vemos como somos. Passamos lá horas, rimos, dançamos, falamos. Há nossa volta existem Castelos e Princesas e temos asas que se formam nas nossas costas e nos fazem voar.

Quantos de nós parecemos aquilo que não somos. Os que sonham?

A simplicidade de pensamento está fora do nosso percurso, as ilusões, os desejos e as fantasias... os sonhos! Bem! Os sonhos estarão sempre lá.
Mas o tempo. Esse! Encarrega-se de dizer que os sonhos são só sonhos, e a nossa segunda vida (a falsa), só nos cega, apenas cega para a desilusão diária. 
Com o tempo deixamos de parar em frente ao espelho... mas não deixamos de sonhar, eu acredito que não!





 


A Filha da Floresta - Sevenwaters I - Juliet Marillier



Comecei a ler este livro com uma certa expectativa. Tinha lido boas opiniões e o género é um dos meus favoritos.
Contudo custou a pegar. O início do livro mostrou-se bastante desinteressante e no final do segundo capítulo ponderei mesmo abandonar a leitura. Mas custava-me fazê-lo, o livro não poderia ser só aquilo, e ainda bem que não o fiz.
" Situada no Crepúsculo Celta da antiga Irlanda, quando o mito era lei e a magia uma força da Natureza, esta é a história de Sorcha, a sétima filha de um sétimo filho, o taciturno Lorde Colum, e dos seus seis irmãos."
Esta é uma pequena parte da Sinopse do livro, mas Sorcha é muito mais do que apenas a sétima filha de um sétimo filho. É a criança que os salva a todos.

Mas vamos por partes. Sorcha e a família são Irlandeses, e estes mantém uma guerra aberta com os Bretões. Sorcha vive na floresta com o pai e os seus seis irmãos. A mãe morreu quando Sorcha nasceu.
A guerra é antiga e os filhos são ensinados pelos pais a lutar e a continuar essa mesma luta. Sorcha e mais um ou dois irmãos de Sorcha tem uma ideia diferente sobre a guerra e a sua existência e por isso quando é capturado um Bretão nas terras do seu pai e torturado eles ajudam este a fugir.
A fuga é apenas transitória, porque o bretão Simon está muito ferido, e Sorcha que percebe de remédios e curas é chamada pelo Padre para ajudar na recuperação do Simon.
A história começa a ter algum interesse aqui, o seu relacionamento, a forma como Sorcha tenta salvá-lo a ele mesmo, das suas feridas e dos seus fantasmas.  
Sorcha têm doze anos nesta altura, mas mostra uma maturidade e força incomum para aquilo que aparenta.
Esta história fica a meio, porque Sorcha tem de voltar para casa a mando do pai, que chegou das suas expedições de guerra e traz uma noiva. Confesso que este corte na história fez-me recuar e perder o interesse pelo livro, até a mulher de Lorde Colum no auge da sua ganância transformar os seis irmãos em cisnes. Sim, a mulher é uma feiticeira e destruir era o seu objetivo. Por sorte Sorcha consegue fugir do encantamento, mas fica só.
Na fuga, Sorcha encontra a Senhora da Floresta que lhe mostra o caminho para desfazer o feitiço.

Três anos passam até Sorcha o conseguir, e nesse entretanto a menina torna-se uma mulher, mas a força que emana do seu espírito, sempre desde o início torna-a a mais forte e a única capaz de suportar o caminho que a espera.
Esta história baseia-se num conto de Grimm.
Como diz Neil Gaiman no seu livro "O que se vê da última fila", nada como as histórias de encantar e aquilo que conseguimos fazer a partir delas.

O livro que começou muito tímido, que me desinteressou, que me colocou dúvidas na sua continuação acabou por se tornar viciante a partir de uma certa altura.
Sorcha parecia que a cada momento iria cair, que as suas forças não aguentariam mais as provações impostas para salvar os irmãos.
Mas sempre que parecia que estava no limite, erguia-se e continuava a caminhar o caminho que invariavelmente tinha de seguir.
Muitas das vezes acho que nem Sorcha sabia muito bem o que estava a fazer, apenas sabia que tinha de continuar, e continuar. Que tinha de ser forte, mesmo que não o conseguisse ser.

É uma história de superação, da capacidade que as pessoas têm de se erguerem, de caminharem, mesmo quando aparentam tamanha fragilidade.
Dos sete irmãos, Sorcha era a mais vulnerável, mais frágil, mais nova, mas foi a que ficou com o fardo maior. Nem sempre os irmãos mostraram a gratidão devida à irmã. 

É também uma história de amor, no tempo e no espaço e entre pessoas inacessíveis. É uma história de espera e respeito.
Basicamente aquilo que o amor pode dar com genuinidade.
É uma história de encantar surpreendente. Mais uma vez é deste tipo de livros que me faz gostar tanto de ler!

" - Ele não precisou de encorajamento - afirmou - Acredita, não houve nenhum encantamento. É assim tão dificil de acreditar que um tal homem te possa amar sem a ajuda da magia? Já te olhaste ao espelho? Não sentiste a tua força de espirito, a tua lealdade, a doçura? A ele bastou-lhe o tempo de uma batida do coração para ver essas coisas. Se não fosses tão forte, talvez não o deixasses ir. Talvez a tua história precise de um fim diferente."
E sim, a história de Sorcha teve um fim diferente, um fim merecedor como todas as histórias de encantar!