21 de novembro de 2021

 


UM DIA - DAVID NICHOLLS





Não faço ideia dos anos que namoro este livro. Pode parecer até um pouco piegas, mas sempre que ele aparecia-me à frente eu incluía-o na minha lista de desejos.
Não vou explicar a quantidade de vezes que ele foi preterido por outros. Pela novidade do momento, pelo sinopse bem mais interessante, pela resenha extraordinária de algo que teria mesmo de ser lido.

"Um Dia" já esteve na lista dos livros lamechas que provavelmente não seriam tão interessantes assim.
Mas há luas e eu por vezes sou feita de luas, e numa dessas luas sem sentido encomendei o livro sem pensar, outra vez duas vezes e coloquei-o na estante à espera de vez.
A vez dele não demorou muito, devo dizer. Tenho outras relíquias que esperam à muito, muito tempo.
As razões porque o fiz agora também não as tenho. Aconteceu simplesmente, porque tinha de acontecer. 

E o que devo dizer de "Um Dia". 
Há muito tempo que não demorava duas semanas a ler um livro. Não sei porque o fiz, mas a verdade é que eu queria e não queria andar muito depressa. Queria saborear estas duas vidas da forma mais lenta possível. 
O que dizer de uma história de amor entre duas pessoas que esperaram quase vinte anos para se encontrarem? 
Que tiveram de ser amigos para serem amantes e que tiveram de viver outras vidas para puderem ser um para o outro.
Ian, no fim mata o livro com a maior realidade de todas. Emma iluminava-se na presença de Dexter, e conseguiu fazer dele um tipo decente. Ele (Dexter) conseguiu fazê-la feliz.
Confesso que Dexter foi a minha mala-pata deste livro. Ele nem sempre foi decente, nem sempre fez aquilo que devia fazer e muita vez daquela boca só saía asneira.
Uma vez ela (Emma) disse-lhe que o amava e sempre o ia amar mas que já não gostava dele.
A mãe disse-lhe isso, que ele não estava a ser a melhor pessoa.
Por isso, e por muitas outras coisas Dexter é a personagem que menos encanta. Porquê?
Porque no reverso da medalha está Emma, que cresce continuamente e é o motor de um amor abençoado.
É como um paradoxo. Dexter tem tudo para ser grande, e o que consegue "fama" vem tão depressa que se esvaí como veio. Vazio e sem sentido.
Emma, tem tudo para ser pequena e faz o seu caminho como se cada passo fosse o grande passo. Quando chega lá, ninguém dúvida que aquele lugar é dela, e que ela está onde sempre deveria estar.

Não acabei de lê-lo. Quando dei conta, só fui capaz de esconder a cara nas mãos, dizer uma asneira e começar a chorar.
Continuar a ler dali para a frente foi um sacrifício entre lágrimas.
Hoje, deitada no sofá, tomei a coragem de ver o filme.
É bonito! Gosto muito da atriz que interpreta Emma, mas filme é filme e livro é livro.
Está muito similar, chorei o que não ajuda. Ou ajuda não sei!
Quanto ao livro tem diálogos incríveis. Adorei os diálogos entre os dois. O namoro dissimulado através da conversa e a simplicidade da história mexe com qualquer um. 
A lucidez da espera. A alegria de que dia, seremos e poderemos ser felizes. 

13 de novembro de 2021

 


7 DIAS, 7 POEMAS


A UMA RAPARIGA




Abre os olhos e encara a vida! A sina
Tem de cumprir-se! Alarga os horizontes!
Por sobre lamaçais alteia pontes
com tuas mãos preciosas de menina.

Nessa estrada da vida que fascina
Caminha sempre em frente, além dos montes!
Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes!
Beija aqueles que a sorte te destina!

Trata por tu a mais longínqua estrela,
Escava com as mãos a própria cova
E depois, a sorrir, deita-te nela!

Que as mãos da terra façam, com amor,
da graça do teu corpo, esguia e nova,
Surgir à luz a haste de uma flor!...


Florbela Espanca

10 de novembro de 2021

 


O ESCRITOR E O PRISIONEIRO - RUTE SIMÕES RIBEIRO



"-Quem é miserável não sabe que é miserável?
 - Sabe, mas escolhe não ser, enquanto o for. Se um dia deixar de ser miserável, passará a ter pena dos que veja iguais ao que foi um dia."


É o segundo livro que leio da escritora e acabo sempre a pensar na relatividade das questões.
"O escritor e o prisioneiro", não tem espaço, nem tempo. Decorre numa sala de um consultório médico, e o prisioneiro não sabe se está louco ou não. 
A dúvida será porventura um sinal de sanidade?
E onde está a linha que separa essa nossa capacidade? Faço esta pergunta, um pouco à margem deste livro, ou desta história, porque os dias são rafeiros e a diferença entre uma coisa e outra nos rostos dos outros é cada vez mais ténue.
Provavelmente será uma ilusão minha, desesperança, desespero, fragilidade, mas os rostos estão efetivamente diferentes. Até o meu.

"... nos devêssemos todos preparar para um dia em que se dê sermos prisioneiros. E quem não esteja preparado, ainda lhe disse, corre o risco de não ter para que luzes olhar."
Ainda há parte deste livro, e que me desculpe a Rute Simões Ribeiro que mais uma vez fez-me pensar e desviar-me das linhas do seu livro, essa é a condição permanente do ser humano.
Presos a coisa nenhuma, iludidos em estradas sem sentido.
Já não olhamos o céu há muito, muito tempo.
Gostaria de ser um pouco mais distraída, mas por norma distraio-me mais com coisas supérfluas, como a lista do supermercado. Normalmente nunca acerto, entre aquilo que é preciso e aquilo que falta.

Perdoem-me! Desviei-me do essencial.
Que posso dizer! 
É dificil explicar. A essência deste livro é dificil de explicar. A essência deste livro é o próprio livro em si. O momento em que o escritor se confunde com o próprio assunto.
A obra criada para além das linhas que se preenchem de um caderno, da caneta que corre fugaz. 
Ele não é o outro, mas o próprio, prisioneiro do seu próprio ato de escrever. 
Ele está emaranhado naquelas linhas e elas são não a cópia de si mesmo, mas o seu próprio perfil.
O texto leva-nos a pensar, talvez até na nossa própria lucidez, talvez no nosso próprio aprisionamento.
Quem é escritor deve compreendê-lo muito bem, para mim foi o melhor momento para o compreender. 
O caminho em que duas estradas deixam de existir. 
Em que o escritor e a personagem se confundem, lado a lado, e deixa de ter competência para diferenciar a loucura da lucidez.
   

P.S - Gostaria de fazer uma ressalva nesta publicação. Este exemplar foi-me oferecido pela própria escritora ao qual eu estou profundamente grata. Não só a sua disponibilidade, mas também a sua gentileza e generosidade. Obrigada.



7 de novembro de 2021

 


A DANÇA DAS ESTRELAS - EMMA DONNOGHUE





Surpreendentemente aborrecida até à página 36. Tive até alguma dificuldade em atravessar a barreira da perceção que me sussurrava ao ouvido que não era para desistir.
Fraco, lento de início. Desinteressante até nas primeiras descrições, fortaleceram a minha noção inicial de que comprar o livro tinha sido um erro.

Mas não desistem, eu também não desisti. E quem não desistir vai descobrir uma história sobre a condição humana. Sobre o papel da mulher numa sociedade tão diferente da actual, de pobreza e de abandono.
Vai ler, como o amor ao próximo é a parte mais importante desta equação tão esdrúxula que é a vida.
Como um quarto de uma enfermaria, tremendamente pequeno e em três dias, descobre-se o significado do amor, da morte e da ressurreição.

Quem quiser ler um pouquinho entre as linhas descobrirá, que nós, mulheres pouco valemos, que somos fracas e sofridas, que temos medo, muito medo, mas temos a capacidade dentro de nós, de salvar o mundo.
Contribuímos com a vida, não na guerra, não dentro de uma trincheiras aos tiros em nome de um país ou de um ideal, mas nas vidas que geramos, na dor que suportamos e na força que vamos buscar, muitas vezes sem a saber que temos.

Adorei ler este livro. Apesar do início. 
As exímias descrições de partos tão sofridos. A fragilidade da mulher e a sua extraordinária força.
Afinal, naquele momento, não há como voltar atrás.
Mais do que retratar uma epidemia que muito se assemelha a que vivemos agora, este livro retrata especificamente as pessoas que mais foram influenciadas e atacadas por ela.
Os pobres e subnutridos, os que não podiam ficar em casa deitados, e cuja morte era sua culpa. 
E as grávidas e os seus filhos. As grávidas, as mulheres, as últimas.
"Os últimos serão sempre os primeiros", não esquecer. Nunca!