O ENVIADO - MARIA ISABEL BARRENO
Fui à biblioteca e trouxe-o debaixo do braço; lamento que não seja meu.
Tenho um sentimento de posse no que toca a livros; um defeito consumista desenvolvido ao longos dos anos. De presença habitual na biblioteca, passei a ignorá-la quando deixou as suas instalações nos velhos edifícios do Parque D. Carlos I; com vista para o lago, com montes de relva adjacentes e o correto ao fundo. Na nova biblioteca, mais perto de casa, a vista é desinteressante, o edifício transpira modernidade e vazio. Conjugado a tudo isto, cresci, arranjei casa e trabalho, passei a dispor de alguns trocos para os livros e construi estantes.
Quando voltei lá, não foi por mim, mas pela filha e vou descobrindo de quando em quando, o caminho das suas estantes - confesso que me confundem por vezes -, a última paragem deu direito a trazer "O Enviado" de Maria Isabel Barreno debaixo do braço.
Livro de contos breves, exploram o desacerto da raça humana; da sua incompreensão perante um mundo extremamente adverso.
Há uma tentativa de repor a ordem, ela, está à vista de todos, mas os nossos olhos desabituaram-se das hesitações, da simplicidade e do amor.
Maria Isabel Barreno serve-se do imaginário, da realidade inexistente para personificar, não o ideal da existência, mas o ideal da capacidade de encontrarmos o sentido do que somos.
Em cada conto, antevejo-lhe a procura; seríamos todos seres mais completos se procurássemos apenas.
... chegando ao coração da rosa, da rosa de ouro, da rosa ígnea, desaparece para sempre o caminho que até aí conduziu.
É um pequeno tesouro, este livro.
Destaco "O Enviado", uma metáfora aos dias de hoje e à realidade de consumo que substituí qualquer valor moral e ideológico; a personificação de encaixar Deus em qualquer contexto. Deus representará sempre o bem e o mal; Ele não é bom nem mau, mas expõem o significado entre as duas dualidades. E o que fazemos com isso? Contextualizamos as certezas e as convicções, a dualidade de critérios, o simbolismo dos ideais e agradecemos a Deus todas as vitórias.
Deus sabe tudo. Não têm os apóstolos e seus sucessores o poder de dar a absolvição após confissão dos pecados? Hoje em dia, e porque o mundo mudou, a absolvição vem na forma de dinheiro.
"A Busca", trás outra subtileza; o culto da pessoa como unidade, separada do sentido de comunidade. Como ser indivíduos no emaranhado das sociedades, qual a nossa capacidade de tolerância e despreendimento com os outros? Qual a nossa capacidade de compreendermos que as nossas irritações, intolerâncias e personificações com o outro, são apenas o espelho dos nossos defeitos que não queremos e não podemos assumir.
Em todos os contos a mulher é retratada como Deusa, ou apenas despida desse conceito. É dificil definir a posição que Isabel Barreno lhe quer dar, mas quando lhe dá os meios, quando fomenta as suas capacidades ela termina o conto como Deusa.
Talvez não tenha compreendido nada; talvez tenha seguido um carreiro diferente nas linhas de Isabel Barreno e o meu entendimento esteja seriamente corrompido. São os mais altos que tem o poder de mudar todas as coisas na face do tempo, e eu, estou no ponto mais baixo.
Quem quer ler?