Pátria - Fernando Aramburu
Ninguém ganha, todos perdem. É um livro sobre a perda.
Sobre o sentimento e sobre a realidade da perda.
Já tinha este livro à algum tempo na minha prateleira. Era sempre preterido pelo tamanho, pelas suas 717 páginas, pelo peso e pelo mau jeito que dava pegar.
Quando vi o trailer da série na HBO, disse para mim própria. Chega de desculpas! Chegou a hora de ler Pátria!
É como disse no inicio. Um livro sobre vidas perdidas. Vidas que ao longo dos anos limitam-se a perder.
As personagens são muitas, e a todas lhes é dado a devida importância. Temos acesso ao longo deste extenso livro a caminhar na vida de todas elas, e são inesquecíveis.
Temos a família de Taxto e Bottori, com os seus dois filhos. Taxto é patrão de uma empresa, mas um homem afável e simples. Amigo dos seus amigos. Amigo dos que não têm, ou tem pouco.
Os filhos de Taxto têm a oportunidade de seguir estudos e de se formarem, ele medicina, ela direito.
Depois temos a família de Mirien e Joxian com os seus três filhos tão diferentes, com sentimentos tão opostos, com fins tão distintos.
O escritor/autor dá espaço a todas estas personagens de uma forma soberbamente humana, e ao longo da história não há como gostar mais deste ou menos daquele.
Joxe Maxi, o terrorista Basco da ETA, filho de Mirien, consegue até arrancar-me algumas lágrimas na fase final do livro.
Acabei Pátria com um sentimento apátrida sobre a realidade humana.
Todas estas personagens deixaram-me um sabor demasiado amargo na boca. Vidas por viver, vidas suspensas desde o dia em que Taxto é morto num atentado terrorista da ETA.
Ideais, convicções que se tem a vida, e que nos destroem. Nenhum alcança a felicidade plena, nenhum aflora sequer a pretensão de ser feliz. O amargo da vida, da perda, do mal corroí todos.
A história atravessa 30 anos.
Passa pela morte de Taxto num atentado terrorista da ETA. Um atentado cometido pela ETA ao seu próprio povo. Porque Taxto também era Basco.
Joxe Maxi é filho de Joxian, o grande amigo de Taxto, mas Joxe Maxi na sua fleuma de juventude deixa-se levar pelos ideais de um povo Basco livre e independente.
Deixa a família, deixa o seu País, entra na organização terrorista, comete crimes e ao fim de tantos anos preso não consegue encontrar uma razão valida para.
É verdade que os anos, o peso da solidão, o tempo para pensar, a alegria dos outros, a vida dos outros que ele nunca prestou atenção, existe, está lá, e o caminho e as escolhas que fez eliminaram a sua possibilidade de ter tudo isso. Os seus atos e as suas opções moldaram a sua vida e infelizmente moldaram dramaticamente a vida dos que estavam ao seu redor.
Depois temos uma Bittori, mulher de Taxto, que deixou de viver quando o marido morreu. Uma vida parada no tempo que faz visitas constantes ao cemitério para poder falar com o marido. A solidão tem destas coisas!
Bittori não só perdeu o marido como também perdeu o apreço e respeito dos seus vizinhos.
A viver numa terra pequena de maioria etarra, o mais fácil foi virar-lhe as costas, deixarem de a cumprimentar, encher as paredes de insultos ao marido, isolá-los nas suas vontades, matá-los em vida.
Também temos o padre que apoia clandestinamente estas ações violentas e incita os jovens.
Temos esses jovens que são levados pelos ideais nacionalistas, pelas promessas, pela coragem, mas alguns pelo medo,
Amizades que se desfazem por cobardia, ou por falta de coragem.
Não consigo escolher um lado do caminho. Não creio que o autor nos queira fazer escolher um lado, mas quererá que entendêssemos os dois.
É fácil entender uma vitima. As vitimas. Mas neste livro nem as vitimas são retratadas como perfeitas e puras.
É mais difícil entender um terrorista, a sua mão fervorosa, mas é possível.
Acima de tudo é possível a paz, o amor e a compreensão. O Perdão! A Pátria!
"Avançaram em linha reta em direção uma a outra. E a numerosa gente que estava na praça apercebeu-se. As crianças, não. As crianças continuaram a correr e a dar gritos. Entre os adultos formou-se um rápido bichanar. Olha, Olha. Tão amigas que elas eram.
O encontro deu-se ao pé do coreto de música. Foi um abraço breve. As duas olharam-se por instantes nos olhos antes de se separarem. Disseram alguma coisa uma à outra? Não disseram nada."
Duas amigas profundas, aquelas que eram para ser freiras e desistiram, aquelas em quem os amigos eram amigos, aquelas em quem as filhas eram amigas. Aquelas em quem a ETA e o terrorismo separaram.
Aquelas que só o perdão da vida podia permitir um abraço, nem que seja breve.
Ao longo de 30 anos, as opiniões de cada um foram esbatendo-se e a distância permitiu o amadurecimento da razão.
Porque prisão, todos nós vivemos nela, um pouco daqui um pouco dali.
Algures na página 699, quase, quase no fim do livro o escritor descreve aquilo que eu esperava com o passar das páginas.
A capacidade de nos pormos no lugar do outro, e o quanto isso destrói as nossas convicções.
Joxe Maxi recebe uma carta da irmã com uma foto na prisão. A irmã, Arantxa, a mais completa das personagens, pelo menos a mais coerente em toda a história sofreu um AVC e ficou incapacitada . É a primeira vez que o irmão vê com os seus olhos o estado da sua irmã, e com a foto vem uma carta ditada por Arantxa;
"Tu tens a tua prisão, eu tenho a minha. A minha é o meu corpo. Calhou-me prisão perpétua. Tu um dia sairás da tua prisão. Não sabemos quando, mas sairás. Eu nunca sairei da minha. Há outra diferença entre ti e mim. Tu está aí pelo que fizeste. Em compensação, o que é que eu fiz para merecer a minha condenação?
Esta última frase, na realidade a passagem inteira, bateu forte em Joxe Maxi."
Arantxa não escreveu o que escreveu para criticar ou condenar o irmão, não o disse com rancor nem com raiva. Apenas limitou-se a expor uma realidade crua.
Quando falo nas personagens deste livro, tenho como referencia esta passagem e esta forma sóbria e completa de todas elas, umas mais outras menos é claro, mas sem exceção todas as personagens estão muito bem trabalhadas.
Se me perguntarem de quem gostei mais? Bom, não é fácil pela complexidade, mas Arantxa é concerteza uma delas
Miren é talvez a mais complexa, mais difícil de agradar. Mulher rezingona, de difícil trato, mas com capacidade para grandes rasgos. A maior defensora dos filhos. Na hora H, ela estava lá. Joxe Maxi, apoio-o, acompanhou-o sempre na prisão, nunca o abandonou. Arantxa, tomou conta dela quando sofreu o AVC, mesmo depois do marido e os filhos a deixarem, E ao mais novo, bom, a esse lá estava ela ao seu lado com este se casou com outro homem.
As nossas prisões, os nossos desenganos. É tão fácil fazer mal aos outros. Temos sempre desculpas, ideais, tantas outras coisas.
Desculpas, desculpas... falta de capacidade para nos amarmos.
Livro extraordinário. Recomendo, muito, muito, muito...
Muito humano acima de tudo. Fala das pessoas, tal qual como elas são, até quando são feias e más.