INSTINTO - ASHLEY AUDRAIN
Quando comecei a ler o livro tive uma pequena desilusão.
Não encontrei nas primeiras páginas aquela história avassaladora que li em todas as resenhas sobre ele.
Fiquei até sem perceber porque estava classificado como triller.
Os capítulos são pequenos e isso facilita muito a leitura.
O Flash Back para a vida da mãe e da avó de Blythe é apenas importante porque terá um sentido mais à frente. Mas é a história de Blythe que é importante, envolvente e perturbadora.
Digo perturbadora por tudo o que ela subtilmente destapa, em nós como filhas, como mães e até como irmãs.
A nossa afinidade com o outro que saiu do nosso corpo, e com o outro de quem saímos do seu corpo, e até daquele que saiu do mesmo corpo que nós.
As dúvidas!
Acredito que parte dos seus despojos não serão muito diferentes de qualquer pessoa que é mãe. Que existem mães completamente desconectadas com os próprios filhos que carregaram no ventre. Que não sentem aquele ser como seu, mas como a força destruidora de tudo o que foram.
Atravessar os primeiros tempos de um nascimento é acima de tudo, doloroso.
Aquele ser estava dentro de nós e era nosso.
O parto é doloroso, e as mães como são tratadas, são personagens secundárias. O sermos inexperientes quando é o primeiro, é meio caminho andado para um revirar de olhos.
Mas será que alguém pensa que eles fazem aquilo todos os dias e que nós não? Que para muitas é a primeira vez.
Blythe quando descreve o seu parto descreve isso mesmo, essa comiseração, essa falta de empatia, a perca da identidade.
Quando a minha filha nasceu eu toquei na felicidade com a ponta dos dedos. Não no momento em que ela nasceu. Estava demasiado assustada, muita gente à minha volta, demasiado ruído e entorpecimento.
Quando todos se foram embora, quando deixaram de dar palmadinhas nas costas do pai, quando saí da sala de partos e encostaram a maca a uma janela, quando começou a chover e a minha filha estava deitada sobre o meu peito, eu toquei na felicidade e soube que ela estava lá. Queria que o tempo parasse ali.
Eu não precisava de mais nada. Eu não tinha nada. Estava rodeada de silêncio e solidão, mas tinha um corpo quente e rosado, ainda inchado sobre o meu peito. Afinal, eu tinha tudo.
Quando fui puxada deste desvaneio e encaminhada para o quarto, porque eram horas das visitas, tudo ruiu.
Era dia de Natal, havia visitas à espera, o pai tinha dado autorização e não se tem em conta a necessidade de quem não passa da personagem secundária. O meu tempo era irrelevante.
Este livro podia ter caminhado para aí, mas não caminhou, para as inúmeras situações pós-parto que desencadeiam na mãe aquela sensação de cansaço constante e falta de identidade que destrói a mulher como pessoa.
Na verdade, caminhar até caminha. Blythe faz um relato muito claro dessa vivência e experiência com a sua primeira filha Violet. Acrescenta-lhe ainda outra complexidade. A falta de ligação efetiva entre mãe e filha.
Podemos estar muito cansadas, podemos não saber o que andamos a fazer, podemos acreditar que como pessoas deixamos de existir. Que o nosso mundo foi absorvido por algo maior de que nós, mas nunca nos falta a ligação. O amor, a alegria, a desilusão nos olhos deles, e a nossa desilusão. As cobranças, os choros e as revoltas. Os abraços e os beijos. Sempre os abraços e os beijos. Sempre o amor.
Muito para a frente na história percebi porque é um triller. Ninguém é o que parece e ninguém quer ver para além dos seus próprios olhos.
Se pus em causa muitas das desconfianças da personagem em relação há filha? Sim.
Parecia irreal que assim fosse. Parecia paranoia contra uma criança pequena em quem ela nunca conseguiu um elo de ligação.
E afinal, ela era uma criança. Era um jogo demasiado complexo para uma criança.
A única coisa que colocava dúvidas era a forma como a filha respondia e tratava a mãe quando estavam sós.
Mas quando não existe empatia dentro de uma relação não é normal que assim seja?
O doloroso é imaginar que um ser pode criar este caminho de loucura.
É sem dúvida um livro diabólico e de profundo sofrimento.
Traz à tona o lado menos bonito da nossa condição humana.
A propensão para a loucura. A desonra na incapacidade de amar e de ser amado, também.
Posso dizer que o livro chocou-me em diversos aspectos e em diversas passagens.
Acho que muitas vezes acabamos por ser aquilo que fazem de nós.
Fiquei curiosa com esta leitura, espero ter oportunidade de ler.
ResponderEliminarÉ um bom livro.
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