A BONECA DE KOKOSCHKA
É sempre bom descansar a vista nas letras de Afonso Cruz. A sua melodia. Um contador de histórias.
A Boneca de Kokoschka é mais uma obra que o autor combina os seus textos com imagens e desenhos.
Os livros dentro do próprio livro. As histórias que se misturam e se juntam como se fossem uma só.
Uma sucessão de acontecimentos completamente alheios que caminham inevitavelmente para o mesmo ponto.
O fim é construído no principio, ou melhor o principio foi contruído para o fim.
O que este livro tem de profundamente fascinante é a finitude do infinito. Cada um torna-se o todo e sobrepõem-se a si próprio na construção da incoerência humana.
Faz poucos dias, desfolhei e reli o seu livro infantil "A Contradição Humana"
É subtil a voz infantil que desponta naquelas página e ainda mais subtil como ela floresce neste livro na voz de Isaac Dresner. A personagem que começa por ser criança num cenário de guerra e termina a narrativa como um adulto feito. A sua voz infantil e de pura contradição humana mantém-se apesar da desproporção da sua altura entre o principio e o fim.
Permitam-me talvez, provavelmente vou dizer uma grande asneira, mas eu sinto, e repito, sou eu que sinto, que Afonso Cruz transporta para todas as suas narrativas essa mesma contradição humana que todos aqueles que são crianças veem com clareza, e os outros, que abandonaram a infância num campo deserto da sua própria finitude já não a imaginam sequer.
Para mim, e volto a repetir, é o que eu sinto, Afonso Cruz também compreendeu que o ser humano tem vários ângulos sobrepostos e que dificilmente se compreende a si próprio.
Que essas camadas, essas margens nos escapam na derradeira necessidade de mantermo-nos ignorantes de nós próprios.
Quem se quer conhecer? É que para o fazer destapamos muita coisa viscosa e maledicente.
Mas se não nos compreendemos e conhecermos a nós próprios, como poderemos ser?
Afonso Cruz tira essa parte do contexto. Faz-te entender pelos outros, abre em ti a necessidade de ser compreendido. De te conheceres e quem sabe até justificares. O caminho para o teu próprio ser, contraditório ou não.
Sem ilusões. Seremos sempre uma contradição humana.
"São os outros que nos fazem viver, principalmente se nos amam."
Esta frase para mim é perfeitamente contextualizada. Espero que um dia, possam compreender porquê.
Filosófico não!
Está entranhada nestas páginas e em toda a obra do autor. A filosofia. Não a filosofia de vão de escada. Não o ser ou não ser que meditamos no sofá em plena hora de aborrecimento. Não a fugacidade que damos à nossa própria vida.
Não digo simplicidade, porque para mim simplicidade é outra coisa.
Gosto sempre de regressar a Afonso Cruz.
Tantos livros interessantes e tão pouco tempo para ler...
ResponderEliminar