14 de abril de 2022

 


VOZES DE CHERNOBYL - SVETLANA ALEXIEVICH


"Haverá algo mais assustador do que o homem?"
Acredito que não. Por estes dias, neste tempo real, nestes últimos pares de anos, o homem tem sido o que de mais assustador aparece por aí.

A política está um pouco a leste do meu paraíso, e talvez por isso, oiça-a e leio-a muitas vezes com aquela sensação de desfoco de algo ensurdecedor e sem sentido.
Acho "graça", aos debates políticos e à contradição humana (volto a citar Afonso Cruz) das suas vestes e do seu palavreado. Talvez seja um pouco criança quando os oiço e não entenda onde eles realmente querem chegar. Ou não entenda onde eles me querem levar.

Nesta realidade desfocada, tenho a perceção de que uma linha divide o Ocidente de países como a Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, (mais uns tantos, eu sei!). Tenham um pouco de paciência, acabei de dizer que a política ultrapassa-me em larga escala. 

Ainda há poucos dias li na imprensa escrita que o valor da vida humana na Rússia, e passo a citar " é percecionado de forma diferente do que nos países ocidentais." 
Confesso que é dificil de assimilar. A vida humana, qualquer uma é acima de tudo uma dádiva sagrada.
Este valor da vida humana como um todo e não como um individuo, descartável na soma ou nas divisões transforma o nosso conteúdo ligeiramente alterado.

Bem! Desvio-me do livro em si. E isso eu não quero. A sua leitura no contexto atual não é coincidência.
O que li, porém, deixou-me ainda mais perplexa. A ingenuidade, o encobrimento, as vidas, as não vidas. O que se destruiu e o que ficou por dizer.
Nada do que ali está é oficial. Meros desabafos de quem lá viveu, quem vive, dos familiares. Das mulheres deles, dos filhos deles.
Do mundo em desintegração, do isolamento de um povo. 1986.
Aquele povo foi enganado. Continua enganado.
Depois entra a política. A ideologia, o fundo, a base com que se movem. A renúncia, a necessidade de um todo e não de um individuo.
A linha que separa do Ocidente. 
Há quem diga que seja inocência. Que a ideologia contamina. Que o comunismo iludiu um povo. 
Dois terços da Bielorrússia assenta em território contaminado. 
A minha pergunta é. E se fosse no Ocidente?
O que teria acontecido se fosse no Ocidente. 1986!

Svetlana Alexievich ganhou o prémio Nobel de Literatura em 2015.
Utiliza entrevistas para a construção das suas narrativas. Aproxima-nos não da história em primeiro lugar, mas de quem a conta. Demite-se da função de narradora e entrega aos outros a capacidade de revelarem a sua própria alma. 
Tem relatos comoventes, duros, cruéis, ingénuos. Fiquei com uma sensação de impotência perante toda a força humana dentro das circunstâncias.
Confesso que apesar de tudo continua a ser uma realidade dificil de alcançar. Inatingível. Tão inatingível como quando ouvimos o discurso de guerra nuclear. Como quando vemos guerra a civis, carne humana, a vida que tem uma perceção diferente. 
Está além da minha capacidade materializá-lo e perdoem-me, defini-lo como uma ameaça.
Talvez porque viva no Ocidente, talvez porque por aqui e por este dias existe uma definição diferente para o valor da vida humana.

"Uma solitária voz humana" é o primeiro texto contado por Liudmila Ignatenco, mulher de um falecido bombeiro que foi chamado para apagar o fogo em Chernobyl como se de um simples incêndio se trata-se. Só para terem uma ideia, os primeiros bombeiros foram apagar um fogo nuclear com o "fatinho que tinham no corpo" e nada mais.
Síndroma Aguda de Radiação matou-os a todos em catorze dias.   
A minha pergunta é. E se fosse no Ocidente?

A escritora tem vários livros publicados, todos neste tom. Testemunhos. Tema principal? A Guerra. Parece que a Leste a perceção da vida faz-se pela existência ou não da guerra. Sempre a guerra. 
Foi muito importante ler este livro. Não há melhor maneira de compreender os outros do que ler o que eles contam, a sua voz.
Não vou voltar a ler Svetlana. Não porque não gostei, mas precisamente porque gostei.

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