8 de julho de 2022

 


OBRAS COMPLETAS MARIA JUDITE DE CARVALHO - LIVRO II



Se no primeiro volume, o memorável "Tanta Gente Mariana" e "Palavras Poupadas", foram contos que nunca irei esquecer, aqui não posso deixar de referir "Paisagens sem Barcos", um conto perfeito sobre a solidão permanente, e "Armários Vazios", uma história poderosa sobre a compreensão do luto, as subtilezas dos outros, as relações entre pessoas que nada tem em comum, mas que se mantém unidas em nome de alguém desaparecido. O amor dedicado a quem morreu é o móbil para uma vida por metade.
Em "Armários Vazios", compreendemos que o luto vai para além do próprio amor, ou o que se julga dele, mas da convicção plena que a vida tem esse sentido e sempre terá.
Somos a nossa própria clausura, carregada de momentos de felicidade que arrumamos nos armários tão vazios de roupa como de desejo, vida e sonho. Tudo se perde com os anos e a entrega a todos e a tudo menos a si próprios. 
"Armários Vazios", fala da dedicação do ser humano, especificamente a mulher na relação e na falta dela com os outros. Esses, são só gente que estão depois da linha que divide a vida. Dora Rosário anula-se como ser humano e dedica-se ao marido inútil e à filha. Quando ele morre, ela mantém a linha que separava a sua vida ou não-vida dos outros, como se eles fossem, aí está, apenas gente inalcançável.
Li-o com a lentidão merecida, na esperança realizada de encontrar em cada palavra o caminho da alma feminina complexa, distante e capaz de surpreender.

Muito à dizer sobre estes contos. Sobre Maria Judite de Carvalho, espero que as vozes nunca se calem.
Com um prefácio interessantíssimo de Batista-Bastos; "distante dos rataplãs da publicidade; não vai a sessões de autógrafos, não cultiva as encenações de actor em que muito autores (e alguns bons autores) se travestiram. Recusa a vida parda, a existência polvilhada de futilidades."
Achei graça à palavra rataplãs, comparando com a actualidade, este texto de Batista-Bastos, escrito em 1989, tem um quê de modernidade e não deixará de ser uma reflexão sobre o verdadeiro objetivo do escritor. 
Maria Judite de Carvalho escreveu, deixou a promoção da sua obra a outras instâncias; as mesmas, hoje, não deixam esquecer o seu trabalho e a prova são estes seis volumes com toda a sua obra publicada. 
Valerá toda ela a pena, a julgar por estes dois primeiros volumes. 
É para ler devagar, é para descobrir a mulher portuguesa do século XX nas suas linhas. É para olharmos para a fotografia da nossa avó, bisavó (desconheço a vossa idade) e para o rosto da nossa mãe, e reconhecê-las nestas linhas tristes, solitárias e belíssimas. Vão descobrir semelhanças que nunca deram conta.


Isso. Amar de mais.

Depois, a pouco e pouco, fui-me encontrando comigo própria. Mais tarde apareceu o Duarte. E depois desapareceu. Fiz o possível por segurar a sua imagem, a sua recordação. Mas com que esforço! Era preciso estar sempre alerta, nunca me distrair. Distraí-me por fim. Obrigaram-me a isso.

Todos acham um pouco estranho este género de atitudes, embora esperem pela desistência para começarem a censurar-nos.   

Nunca havia horas tão importantes como aquelas em que estava sozinha. As outras eram igualmente ficção e só depois, a sós consigo própria, adquiriam uma certa consistência e uma atualidade relativa.   


2 comentários: