30 de agosto de 2022

 



A CIDADE DE ULISSES - TEOLINDA GERSÃO


Um soco no estômago.
Talvez o tenha interpretado mal, mas este Paulo Vaz não me despertou nenhuma empatia.
Teve, contudo, um feito (dois), a sublinhar; tornar Cecília Branco inesquecível e recriar a vida da mãe, um pequeno exemplo da sociedade portuguesa do século XX.

Até há sublime história de sua mãe, o seu discurso pouco ou nada me interessou. Repleto de vaidade, muito narcisista, Paulo Vaz expõem-se como alguém muito importante e muito distante dos outros.
Soube captar a minha atenção na história de Ulisses, mas essa história não era dele, mas de Cecília.
Estragou tudo com o espelho que se fez a si próprio do pai, apesar da busca desesperada de fugir do seu sangue.
Paulo Vaz tinha uma teoria solidificada assente na sua infância, no caracter dúbio e mesquinho de seu pai, na vida sofrida e solitária da sua mãe; um talento abandonado ao despotismo da época e ao rancor de um homem que se considerava acima de si mesmo. 
Paulo Vaz acreditava pouco na palavra família, Cecília acreditava muito nessa palavra. Impôs sempre as suas limitativas condições.
Considerava-se a excepção, aquele que aceitava o talento da mulher, mas via o mundo pelo prisma de um homem. Compreendi, por fim, nessa fase da narrativa, quando se assume como alguém excecional nesse campo, que não fez mais do que se enganar a si próprio.
Da vida retirava uma parte, o todo, segundo Paulo, limita. O todo destrói o talento; abdicar compromete a arte. 

Quando refiro que a narrativa é um murro no estômago, refiro três pontos da história:
A vida da mãe contada por ele que inclui a sua pequena atitude egoísta. O pai soberbo, altivo, senhor do seu pequeno espaço onde dita as leis; todos os homens sonham com o seu reino, e ele está quase sempre no seu lar. Mas Paulo Vaz é egoísta; há um leve toque em que ele se apercebe disso, mas é tarde demais.
Quando ele perde Cecília pelos seus atos. Se ele compreendesse o todo teria decifrado as últimas palavras de Cecília.
"-Estou bem na minha vida e não quero mudá-la."
"-Mas ter-te conhecido foi o mais importante que me aconteceu."  

Tudo o que escrevo é discutível, será até alvo de outra interpretação de leitoras mais atentas, mas as interpretações são isso mesmo, próprias e pessoais.
Por isso, Paulo Vaz não me suscita nenhuma empatia, apesar de tudo, apesar do fim e da cedência.
Paulo Vaz teve medo de tornar Cecília e tornar-se ele próprio a sua mãe, acreditava que o talento murcha se não for regado com o egoísmo. 
Cecília mostrou-lhe com a sua própria existência que tudo pode ser precisamente o contrário; só ele teria de ser diferente.

É o meu primeiro caminho com a Teolinda Gersão e devo dizer que gostei muito da sua escrita. Esta viagem pelas escritoras do século XX está a ficar muito bonita. 


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