22 de outubro de 2022

 



TEORIA KING-KONG - VIRGINIE DESPENTES



O livro é controverso; não digo para o mundo mas para mim. Quando terminei de lê-lo apenas o silencio sobressaiu dele.
Tentei perceber porquê e não encontrei a resposta. Foi necessário esquecê-lo na mesa para chegar à conclusão da relutância em escrever sobre ele. Talvez os ideais estejam intrincadamente nítidos nas suas páginas e aflorá-lo pede também que os meus ideais sejam nítidos.
Nunca dei grande importância em exprimi-los, em deixar clara a minha posição ou julgamento; fui ensinada a estar calada e a submeter os meus julgamentos para o meu íntimo. 
Talvez haja relutância em compreender porque nos calamos ainda, mas a verdade é que o fazemos.
A maioria da população portuguesa foi criada dentro de um regime fascista; esses ideais morreram com o 25 de Abril e com a liberdade mas não morreram dentro das paredes das casas. Não se mata uma educação com um cravo na lapela. Se para muitos o dia da liberdade foi o primeiro dia das suas vidas, para outros foi um dia igual ao anterior - nasci dois anos depois e sempre recordei o dito da minha mãe quando lhe perguntavam sobre aquele dia; não dei por nada, foi o vosso pai que me contou quando chegou a casa do trabalho - esta mulher que não deu por nada porque cuidava da casa, não tinha TV e, nem ligava o rádio, não foi tão servil assim quando anos antes escreveu com o seu punho uma carta a Marcelo Caetano, já este primeiro ministro, reclamando os meses excessivos que o seu marido passava na guerra; 36 meses a aguardar que o seu pelotão fosse rendido. Não obteve resposta e foi seguida pela PIDE. Consigo imaginar o tom da reclamação quando a observo, também consigo imaginar que aos dias de hoje a reclamação subiria de grau, seria mais vincada e torpe.
Esta viragem que deu lugar à revolta e ao cansaço não reclama ideais que se alteraram mas mágoa e arrependimento.
O que muitas vezes altera a nossa maneira de ser; a espontaneidade da esposa, a luta e o próprio amor é a mágoa de nos deixarmos calar. É o lugar secundário onde nos colocam, é o espelho onde se querem ver refletidos, amados e considerados.
É desgastante olhá-los dia após dia e presenciar ao seu alienamento por questões tão básicas como a substituição do eu pelo nós; falo de questões básicas. Imaginem questões básicas, não falo sequer de assuntos essenciais.

Teoria King-Kong será ainda controverso; esse olhar para o outro lado do espelho, não para vê-lo a ele, mas para nos vermos a nós próprias com outros olhos e despidas de preconceitos e sofismo.
Muitas de nós teremos de nascer de novo.
Mas quem são elas? De quem falo eu afinal?
Falo das caladas; das ainda caladas; das que morrem às mãos dos homens; das velhas e coxas que são humilhadas na via pública pelo velho, coxo e nojento marido; por todas aquelas que são apelidadas de cabras num banco do jardim porque foram viver a sua vida e ele não gosta.
Podem dizer que os direitos femininos são hoje uma realidade nunca antes presenciada, mas tenham cuidado com a alegria e a liberdade.
Essa realidade das caladas atravessa gerações de gerações e miúdas com acesso a educação e a exemplos continuam a calar a sua voz numa relação com outro homem. Não nos consideramos superiores, muitas vezes não nos consideramos iguais; os homens tem tendência a exaltar-se e as mulheres a eliminar-se.
Temos tendência também a vermos coisas diferentes; numa loja de roupa a minha mãe admira um vestido cumprido e encontra-lhe sedução, para mim é apenas um trapo. Nunca veremos coisas iguais.       


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