20 de junho de 2020



A Educação de Eleanor - Gail Honeyman

Um livro sobre a fragilidade humana


Uma coisa boa que este blog me trouxe foi a plataforma GOODREADS.
Para os incautos como eu, Goodreads é uma plataforma tipo "rede social", mas apenas para quem gosta de ler. "Que maravilha!". Podemos pedir amizades, trocar críticas e dar a nossa opinião sobre os livros que lemos e aquilo que queremos ler. Serve também como agenda literária onde vamos actualizando as nossas leituras e no futuro sabemos perfeitamente quando foi que lemos determinado livro e a opinião que tivemos e a opinião que os outros tiveram. A parte que nos estimulamos a nós próprios com objectivos de leitura não deixa de ser engraçada e encorajadora.

Foi nessas andanças que descobri o livro "A Educação de Eleanor" de Gail Honeyman, escritora de Glasgow.
Com diversos prémios internacionais foi inclusive nomeado em 2017 como livro do Ano pela Goodreads. Asseguro, o livro tem mais prémios, e garantidamente na minha opinião todos merecidos.
A opinião de um "amigo" do Goodreads, João Sampaio deu-me o empurrão final para a compra do livro. 
Não aqueceu na prateleira á espera de vez. Eleanor Oliphant, na fila de livros para ler, ria-se para mim, com a urgência de menina mimada de quem não pode esperar pelo seu doce de chocolate!

Dividido em duas partes, começamos por perceber o quotidiano e o modo de pensar e agir de Eleanor.
É extremamente peculiar a personagem. Cheguei a pensar em certas situações que estaria a contactar com um ser humano de outro espaço. 
Comecei por considerar a personagem invulgar pelas suas atitudes e pelos seus pensamentos.
"Sempre me orgulhei muito de conseguir gerir a minha vida sozinha. Sou uma sobrevivente solitária: sou Eleanor Oliphant. Não preciso de mais ninguém: não há nenhum grande vazio na minha vida, não falta peça nenhuma no meu puzzle particular. Sou uma entidade autónoma."

É uma mulher jovem que vive sozinha. Quando digo sozinha não me refiro ao facto de morar sozinha, mas Eleanor é mesmo um ser humano sozinho.  Vive só no seu apartamento, trabalha numa empresa há 9 anos onde não mantém amizade, conversa ou relação com ninguém. Vai sempre ás mesmas lojas ou cafés. Não se arranja por ali além, nem investe em si, ou no seu meio ambiente (casa).
É essencialmente uma mulher "limpa" "embora não seja elegante nem virada para a moda, estou sempre asseada: assim, pelo menos, posso estar de cabeça erguida quando assumo o meu lugar no mundo, por mais insignificante que seja." e considera-se insignificante aos olhos do mundo.
Preocupada com os micróbios, com o tabaco e os seus malefícios, com os alimentos que fazem bem á saúde. 
Não entende nem aceita a linguagem moderna e em algumas opiniões sobre o comportamento ficou lá atrás no tempo. "Acho a falta de pontualidade de uma extrema má-criação; é uma grande falta de respeito, pois sugere, sem margem para dúvidas, que a pessoa se considera, a si própria e ao seu tempo, mais valiosa do que os outros.".
Seria até irritante e desagradável, mas há determinados contextos na história que Eleanor é tão engraçada e cruelmente lógica que nos vamos encantando por este personagem disfuncional. 
Dei por mim a rir com certas respostas que dá, e certos pensamentos que têm, pois parece que estamos perante uma velhinha de 90 anos que se desloca de andarilho.! "-afinal de contas de que serve comer fora se nós é que temos de levantar a mesa? Assim, mais valia ficar em casa."

A sua solidão que de inicio parece uma consequência destas suas atitudes desconexas com a realidade actual, vai-se transformando não numa consequência, mas algo que a personagem alimenta. Por volta da página 82 fiquei com essa opinião, mas já aí tinha a sensação que muito havia por revelar.

Não quero aqui contar toda a história, acredito que o livro merece a leitura de todos nós. Todos que temos vidas normais, com amigos e família e cujas adversidades atravessamos como aprendizagem, e todos a quem a vida, ou o espírito não deu nada disso e vivem com dificuldade de adaptação, com falta de amor, com visões distorcidas. 
Eleanor tinha uma maneira de viver que a protegia da dor, de mais dor, mas eliminava tudo o resto.

Lá pela página 220, assistimos ao desmoronar psicológico e físico de Eleanor. 
É um vazio que nos entra no corpo e na alma. "... desprovida de amor, indesejada, danificada para lá de toda a esperança."
Confesso que tive que me recostar no sofá para atravessar aquelas páginas e aceitar aquela realidade.
Saber que existem momentos na vida das pessoas que o fio da lucidez se parte criou-me para além de um vazio, a capacidade de perceber que somos todos diabolicamente frágeis. 

Raymond, o amigo improvável, aquele que comia com a boca toda, aquele que ao longo do livro não teve mais do que gestos e atitudes de compaixão, amizade, protecção, resistência e amor desinteressado, foi a pessoa que dentro da sua atitude meiga lhe mostrou o caminho de volta.

Eleanor descobre que ao contrário do que julgava é respeitada e admirada por muitos. O caminho será amar-se e respeitar-se a si própria. Eleanor calca dentro de si a tragédia que lhe aconteceu quando tinha 10 anos. Aceita ainda dentro do seu subconsciente as reprimendas da mãe. Vive ligada a um estigma cuja libertação é dolorosa.

O livro é uma história de amor, não a história de amor entre um homem e uma mulher, mas de como a amizade pura e desinteressada entre um homem e uma mulher, entre os seres humanos, pode transformar a vida das pessoas.

É um livro a ler. Sempre a ler. Há muitas Eleanor Oliphant que passam por nós na rua. 

   







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