STONER - JOHN WILLIAMS
"Eis o que torna o amor mais forte:
amara quem está tão próximo da morte."
(Sonetos de Shakespeare)
A vida de William Stoner é retratada neste livro, de uma forma perfeita.
Aparentemente uma vida sem grande sentido, sem atos heroicos, sem grandes histórias de amor inesquecíveis, sem nenhum rasgo transcendente. É apenas um homem que não deixa marca ao longo do tempo.
"Os colegas de Stoner, que não lhe tinham uma estima por aí além, quando era vivo, raramente falam dele agora..."
Seria pois um livro comum. Foi considerado um livro comum durante largas décadas e do qual pouco se ouviu falar. Stoner foi escrito em 1965 e várias décadas depois, com uma tradução francesa, conheceu o sucesso de vendas.
É descrito por vários escritores como "quase perfeito", ou "um romance formidável de uma latejante tristeza.", ou "magnificamente escrito, numa prosa simples mas brilhante."
Foi esta capa notável que me seduziu e devo dizer que adorei lê-lo.
William Stoner é um homem de origens humildes, cujos pais lhe dão a oportunidade de ir para a Universidade em Columbia. Esta possibilidade mostra a Stoner um mundo diferente daquele que os seus olhos viam, e aí toma consciência de si próprio como nunca antes lhe tinha acontecido.
É nas paredes daquela Universidade, naqueles corredores e edifícios que Stoner descobre-se a si mesmo, como alguém ligado aquele espaço de forma irremediável.
Stoner nunca mais deixou aquele espaço. Foi ali que estudou, e foi ali que deu aulas até ao fim da sua carreira de professor.
Stoner pode ser caracterizado pela solidão que paira sempre na sua vida. A forma contida como a vive, e o que isso influenciou também as pessoas que o rodearam ao longo da vida.
Stoner atravessou as duas grandes guerras mundiais sem participar diretamente nelas. Na primeira tomou a opção de não se alistar e foi o único dos três amigos que continuou dentro da Universidade a dar aulas enquanto os homem tombavam nas trincheiras da Europa. Dos dois amigos de Stoner que foram para a guerra só um voltou, e apesar de manterem a amizade até ao fim dos dias de Stoner, esta disparidade de opiniões sobre a guerra e a morte tornou-os diferentes.
Na segunda guerra mundial já não tinha idade para combater, mas sentiu-a de uma forma diferente. Como um vazio, como um desperdício de seres humanos, e isso afetou-o um pouco mais.
Casou-se, mas não teve um casamento feliz. Pela inexperiência, pela incapacidade da mulher para o amor, por eles os dois, o casamento perdurou atado por arames e essencialmente pela atitude de passividade de Stoner sobre a vida e a realidade.
Stoner personifica uma personagem que não vive no mundo real, nem tem contacto direto com as realidades da vida. Refugiado na sua profissão de professor, com valores bem marcados, defende-os como pode, mas vive no mundo dos livros, na irrealidade da realidade.
Amou a filha profundamente quando esta nasceu e adorava a sua companhia no seu escritório enquanto trabalhava. Mas quando a mulher lhe retirou esse prazer e impôs à filha realidades distorcidas, Stoner não a confrontou nem impediu. Era também infelizmente um homem apático.
A mulher, Edith é uma mulher difícil de explicar. É a personagem mais ambígua desta história. Com comportamentos erráticos, é uma mulher que tanto podia estar do direito como do avesso.
"Era filha única e a solidão foi uma das primeiras condições que conheceu na vida."
O livro é de uma frescura surpreendente. A história é tão comum, mas a linguagem e o texto tão corrido e suave que quando dava por mim já tinha evoluído consideravelmente na história. É daquelas histórias que nos envolvem de mansinho e quando damos por nós estamos lá dentro.
Stoner amava o livro e a literatura acima de tudo, e isso é-nos apresentado de forma sublime;
"Esse amor à literatura, à língua, aos mistérios da mente e do coração que se revelaram nas ínfimas, estranhas e inesperadas combinações de letras e palavras, na tinta mais negra e fria..."
Stoner começou por ser um professor medíocre, mas com o tempo e com a capacidade de ser entender a si próprio, transformou-se num professor adorado e amplamente requisitado.
"Sentia-se finalmente a começar a ser um professor, que é simplesmente um homem para quem o livro é verdadeiro, a quem á dada uma dignidade artística que pouco tem que ver com a tolice ou fraqueza ou insuficiência enquanto homem."
Toda a sua vida é desfiada neste livro de uma forma subtil. Uma vida comum, diríamos, sem grandes episódios que desfaçam a sua aparente normalidade quotidiana. Poderíamos pensar que seria um livro aborrecido no seu todo, mas subtilmente não o é.
Stoner é confrontado na sua profissão pela desonestidade de um aluno, protegido por outro professor que há conta deste episodio relega-o para um plano secundário até ao final da sua carreira.
Stoner aceita de forma estoica e até natural esta realidade sem nunca se sentir injustiçado ou revoltado.
Toda a sua vida é pautada assim, por uma autêntica ausência de revolta sobre seja o que for.
Em certa altura, Stoner conhece o amor extraconjugal, por alguém tão absorto, tão longe da realidade como ele próprio.
Torci muito por eles. Por aquele amor desinteressado que deu a Stoner outra luz.
"No seu quadragésimo terceiro ano de vida, William Stoner aprendeu o que os outros, muito mais jovens do que ele, tinham aprendido antes de si: que a pessoa que amamos no início não é a mesma que amamos no fim, e que o amor não é uma meta e sim um processo através do qual uma pessoa tenta conhecer outra." (...)
"Por fim, tornaram-se como muitas pessoas que são extraordinariamente tímidas: abertos um para o outro, sem barreiras, perfeita e despudoradamente à vontade um com o outro."
Este amor puro, terá que ser interrompido por pressões da sociedade e convecções da própria Universidade. Quando se veem confortados com a perseguição que Lomax faz a ela para o atingir a ele, os dois tomam a opção natural de deixarem de ser ver.
Stoner é literalmente perseguido por Lomax até ao final da sua carreira.
Katherine vai-se embora e apesar de Stoner sofrer com isso ao ponto de ficar doente, encara essa realidade como tantas outras, na sua infindável solidão, na sua constante capacidade de tornar os atos sem importância.
Mais tarde, muito mais tarde já Stoner tinha chegado aos 60 anos, foi editado um livro de Katherine que Stoner comprou assim que pode. Descobriu que a dedicatória do livro lhe era dirigida.
" Era tão bom como imaginara. A prosa era elegante, e a paixão, disfarçada por uma frieza e uma inteligência límpida.
Percebeu que, no que lia, a via a ela e espantou-se por conseguir vê-la de uma forma tão verdadeira, inclusive passado tanto tempo.
De repente, foi como se ela estivesse na sala ao lado e ele estivesse acabado de sair de junto dela."
Os últimos capítulos retratam os últimos dias de Stone, que adoeceu com cancro. Mostra-nos mais uma vez um homem preso à solidão, mas essencialmente preso a uma capacidade para aceitar a vida e a morte tal como ela é. Assim, como em toda a sua vida aceitou as derrotas e os revezes sem mágoa nem rancor, também nos últimos dias aceita o seu destino de uma forma serena.
Stoner à sua maneira não deixa de ser um protagonista. Fez sempre o que gostava de fazer. Encontrou o seu verdadeiro sentido dentro das paredes de uma Universidade. Tinha uma verdadeira paixão e noção do ético, honrando-a até ao fim.
Nesse sentido, Stoner foi feliz e realizado. Foi acima de tudo um homem que sentia e compreendia o livro. As suas sob realidades e caminhava por elas a maior parte do tempo.
É um romance extraordinário pela sua beleza e lucidez.
Fica na lista :)
ResponderEliminarE fica muito bem, vais gostar!
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