20 de setembro de 2021

 


UM QUARTO SÓ SEU - VIRGINIA WOOLF



Algo de estranho aconteceu com este livro.
Já cirandava à volta da Virginia Woolf há algum tempo, mas a coragem fugia-me sempre no último momento.
Nunca li nada dela e hoje tenho aquele ar de arrependimento.
Um quarto só seu, não é um romance mas um belíssimo ensaio sobre a condição das mulheres na literatura ao longo dos séculos.
A sua prosa é melódica e dei por mim a sublinhar o livro em inúmeras passagens e a enchê-lo de Post'in de marcação.
A minha admiração pelo livro ficou bem marcada.

É um livro que terá de ser relido inúmeras vezes pela maneira como esvazia o nosso entendimento.
Essencialmente Virginia Woolf fala na importância das escritoras femininas e da sua evolução ao longo dos séculos.
É interessante dar-me conta de como demoramos séculos a passar de uma inexistência literária para aquilo que elas representam hoje dentro do mundo literário. Virginia Woolf leva-nos por esses caminhos do entendimento de uma maneira tão luxuosa que é difícil não entranhar na pele dessa realidade.
Algures por ali existe a seguinte frase "dentro de um século... as mulheres terão deixado de ser o sexo protegido."
Voltei atrás e procurei na biografia a data da edição deste livro (1929).
Estamos a delinear esse século e apesar de termos progredido como nenhum outro, ainda não deixamos de todo de ser o sexo protegido.
As suas conclusões são simples e tremendamente realistas. A mulher não tem as mesma condições que o homem. Não parte na linha de partida ao mesmo nível. 
Comparando, digamos que já conseguimos começar a correr ao mesmo tempo, mas o cantil da água dele está confortavelmente mais cheio e os seus sapatos tem melhor rasto.
Sempre foram bem alimentados e acarinhados e isso permite-lhes criar algo mais integro.

"As mulheres têm servido ao longo de todos estes séculos como espelhos que possuem a magia e o delicioso poder de refletirem a figura do homem com o dobro do seu tamanho natural."
Somos o seu contraponto, ele olha e pode continuar a afirmar "a melhor mulher era intelectualmente inferior ao pior homem."
Este tipo de mutilações foram geradas, alimentadas e enfatizadas durante séculos relegando a mulher para o papel de gerar filhos, cria-los e alimenta-los. 
O curioso é que sempre se escreveu sobre mulheres. Aparentemente somos o animal mais discutido do Universo.
"Na imaginação, tem a mais alta importância; na prática, é completamente insignificante. É omnipresente na poesia de uma ponta à outra; está praticamente ausente na história. Domina a vida dos reis e conquistadores na ficção; de facto, era a escrava de qualquer rapaz cujos pais lhe pusessem à força uma aliança no dedo. Algumas das palavras mais inspiradoras, alguns dos pensamentos mais profundos da literatura caem nos lábios dela; na vida real, praticamente não sabia ler, mal conseguia soletrar e era propriedade do marido."

Por isso e por muitas outras coisas, a falta de rendimento próprio, a falta de um quarto só seu; "As mulheres nunca têm uma meia hora... que possam chamar sua." o caminho da mulher na ficção é feito de tentativas e erro, de interrupções (acabei de ser interrompida!), de falta de espaço, de falta de estímulo.
E o desejo de nos ocultarmos ainda nos possuí! Certo?!
"O anonimato corre-lhe no sangue." Na maioria das vezes sim.

Muito há a dizer sobre este livro. Este pequeno livro que a Penguim House incluiu na sua coleção de Penguim Clássicos.
Este livro que pretende destapar o véu da igualdade ou a falta dela. Essa luta tão antiga quanto justa.
A mulher tem levado essa luta de forma paulatina.
A glória é um conjunto de caminhos, não o caminho em si.
Virginia Woolf termina de maneira soberba a insistir na necessidade de não nos perdermos nesse mesmo caminho da igualdade e arrisco-me também a dizer da integridade.
 "e se cada uma de nós tiver quinhentas livras por ano e um quarto só seu; se tivermos o hábito da liberdade e a coragem de escrever exatamente o que pensamos; se escapar-mos um pouco da sala de estar comum e se virmos os seres humanos não apenas nas suas relações com os outros mas em relação com a realidade; e o céu, também, e as árvores ou o que quer que seja em si mesmos; se encararmos o facto, pois é um facto, de que não há um braço que nos ampare, mas que caminhamos sozinhas e que a nossa relação é com o mundo da realidade e não apenas com o mundo dos homens e das mulheres."

As últimas linhas deste ensaio é um tributo e incentivo ao esforço e ao trabalho de quem corre na estrada em condições diferentes, mas mesmo assim corre.
E o contributo individual não é mais do que o vestido que colocamos no nosso corpo, pois as poetas não morrem.
"Mil canetas estão prontas a sugerir o que deverão fazer e o efeito que vão ter."
Por isso preparem as canetas, escolham os cadernos, ou até porque estamos numa era mais moderna e luxuosa, abram uma folha de texto, coloquem uma aplicação de notas no vosso telemóvel e escrevam. Pela igualdade!


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