SKIFF - "OS GATOS"
TEXTO INÉDITO
De vez em quando Skiff descia as escadas sorrateira. Distraía-se na cozinha e voltava a subir.
Espreitava pelo parapeito da janela e colocava o nariz de fora. Era Verão. O Sol era ensurdecedor, o calor proibitivo.
O quarto era incomodo, a sala sufocante. A janela aberta ao fim da tarde era um prenúncio de libertinagem.
E Skiff olhava. Skiff deitava o nariz de fora, voltava a descer as escadas e demorava-se e voltava a subir.
Miou aos meus pés. Olhou-me com um olhar de descrédito. Eu distraia-me constantemente e isso irritava-a. Senti no seu olhar a recriminação.
Confesso que dei conta deste frenesim mas não lhe fiz caso. Assimilei-o, mas não o compreendi completamente.
Tomei-o como aborrecimento. Eu, ao contrário dela, não estava nada aborrecida. Eu tinha um mundo diante dos meus olhos. O início da tradução de um livro.
O que quer que fosse que a Skiff estaria a sentir eu não poderia curar. E aborrecimento era o seu nome do meio, por isso, seria uma independência que ela teria de aprender a lidar.
Voltou a miar perante o meu desapego. Bem vistas as coisas, eu não saíra do lugar. Eu não me mexera sequer. Eu não lhe prestara nenhuma atenção.
-O que é que tu queres Skiff? A janela já não te chega?
Ela voltou a miar e a subir o parapeito. Colocou o nariz de fora.
Eu levantei-me da cadeira arreliada, a contragosto. Também eu exigia respeito pelo meu silêncio.
Os valores inestimáveis da minha condição independente. As minha manifestações não de deveres, mas de vontades.
Puxei-lhe a orelha quando encostei o meu corpo ao seu. Também eu pus o meu nariz de fora. Cheirei o ar quente e doce. O cheiro a Sol e Serra.
Fechei os olhos e respirei fundo.
Abriu-os e olhei para a porta. Lá em baixo o gato da vizinha duas casas abaixo, olhava para cima. Em silêncio, perdia os seus olhos amarelos e vítreos nos nossos.
Era um gato gordo. Pelo seco e cansado. Barriga generosa da idade.
-Tens a certeza, Skiff? - Perguntei-lhe.
Ela olhou-me, não respondeu. Voltou a pôr o nariz de fora e retribuiu-me um olhar de dúvida.
Eu puxei-lhe a outra orelha e dei-lhe um beijo no lombo.
-Pois! Eu também acho. Este é velho e chato. Haverá outros princesa! Haverá outros...