SKIFF - "OS OUTROS"
(TEXTO INÉDITO)
(TEXTO INÉDITO)
Os outros eram-lhe indiferentes.
Quedava-me a olhá-la por vezes. O seu comportamento desviante perante os outros seres humanos.
Não sentia nada por eles. Não alimentavam o seu ego, nem lhe remoíam o espírito e isso era inquietante.
As visitas eram saudadas com indiferença.
Por vezes dormia. Se a visita se alongava pela tarde toda como a Joana fazia, ela dormia.
-Consegues perceber que a tua gata é tão anti social como tu?
Foi uma pergunta tonta mas cheia de sentido. A miúda raiava os catorze anos e tudo o que dizia estava impregnado de confiança e sabedoria.
Não lhe respondi, olhei a Skiff que dormia no parapeito da janela e ressonava ligeiramente.
Ninguém ressona cá em casa. Só ela! Ligeiramente.
-Eu não sou anti social - acabei por dizer.
A minha voz acordou-a e ela desceu do parapeito. Sentou-se no sofá ao lado da Joana que se perdia num desenho.
Olharam-se. Avaliaram-se e Skiff olhou o desenho. Era o seu perfil adormecido. Despertou um pouco. Largou aqueles olhos ensonados e aborrecidos. Perdeu-se também ela ali um pouco. Sentia-se ligeiramente reconhecida.
Retirei o meu olhar dos livros, da folha de texto do computador, olhei a janela e senti o calor morno do Sol.
Skiff mantinha os seus olhos presos no desenho hipnotizada, fascinada.
-Não parece tão anti social assim - respondi acanhada.
A verdade é que nem eu acreditava nisso. Ela era solitária e cultivava a sua própria solidão. Havia um abismo chamado silêncio no qual ela, exigia respeito.
Seria porventura a sua própria independência. Algo que devemos a nós próprios. Ela gritava-o como um valor inestimável.
Joana bufou perante o olhar reconhecido mas impenetrável da gata. Olhou-a e colocou a ponta do seu lápis por baixo do seu queixo. Subiu-lhe ligeiramente a cabeça e uniu os seus olhos aos da reservada Skiff.
-Como és diabólica, Skiff. Tão fria, tão severa. Como és impenetrável. Como estás ligada a este lugar, diabólica Skiff.
Skiff não lhe fez caso. Retirou o seu rosto do peso do lápis e olhou-a com desdém. Voltou ao parapeito da janela e adormeceu.
-Meu Deus, como tu a desumanizaste!
Voltei o meu olhar para os meus livros e procurei entre eles o meu valor inestimável.
-Eu! - soltei a minha expressão mais inocente. - Que tenho eu a ver com isso?
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