9 de fevereiro de 2022

 


A HISTÓRIA DE LISEY - STEPHEN KING



Estas coisas são tramadas. Tantos anos a fugir de Stephen King, para esbarrar nele num livro sobre escrita.
Senti-me uma filha a receber lições condescendentes de um pai. Senti-me na obrigação de lhe ler a obra e compreender o que tinha compreendido dele como ser humano. 
Confesso que andei meio perdida na escolha do primeiro título. "Misery" e "Carrie", estiveram na lista, mas acabei por decidir-me por esta "A história de Lisey"
E que livro, meu Deus! Jesus, Maria José!
Que lago de palavras e expressões. Que voltas soberbas que King deu à história. Que pontas que se vão juntando, umas a seguir às outras com a delicadeza de quem sabe o que faz.

Vou dizer algo muito estranho, mas custou-me muito lê-lo. É sem dúvida uma sensação estranha. Duas semanas intermináveis que me pesaram na alma. Eu não conseguia avançar condignamente. 
Há uma necessidade do autor de manter-nos presas ao lago e se não tivermos cuidado, também nós não conseguiremos sair dele.
Em determinada altura eu acreditei que Lisey não teria forças para o fazer. Scott só  o conseguiu graças a ela. Ora aí está, a suprema importância da pequena Lisey, da apagada, insignificante, a que seguia uns passos atrás, a que não era referida, ou apenas pela esposa, a cujo nome raramente era mencionado. A pequena Lisey que mantinha à tona da realidade humana o génio, a estrela, a vedeta Scott. 

Em retrospetiva todo o livro assenta na possibilidade ou não de desistir. Até que ponto estamos mesmo dispostos a aguentar, ou a simplesmente desistir.
"Aguenta sempre que possas", uma das expressões mais carismáticas de Scott. Ele dava-lhe com que beber, ela devolvia-lhe o alento para continuar.
Vou contar-vos outro segredo. Também a história de Lisey é uma história de amor e de luto. Ignoramo-lo até ao limite das possibilidades. 
Confesso que esta pintura não estava nos meus planos. 

O espaço temporal desta história difere em dois anos da morte de Scott.
Lisey, atreve-se a recordar o marido, a fazer-lhe o luto e a despedir-se dele.
As lembranças estão sempre presentes, mas teimamos em sobrepor-lhe camadas sobre camadas. 
Adicionar-lhe palidez e opacidade. Transformamo-las em sacos de plástico descartáveis.

Vou contar-vos outro segredo. Também estamos perante uma história de ilusão. De floresta encantada, de um lago que cura, de um sol ao entardecer puro no local onde vamos todos beber as palavras. Há ilusão.
Onde o eu criança se perde na terra do nunca e o eu adulto esquece o caminho para lá voltar. Os que não esquecem tem sempre um pé lá e outro cá. São acometidos pela soberba de genialidade, vivem no mundo paralelo. Quem sabe os únicos que realmente vivem. A realidade por vezes é dura demais.

Esta é uma história cheia de recursos. Por vezes, no meu entender um pouco longa. Não fica nada por dizer, nem nada por explicar. Uma história para afogarmos a nossa capacidade de entendermos as várias nuances da loucura humana e pasme-se! Como estamos tão perto dela.
Como ela nos roça devagar e insinua descaradamente. Como "a coisa", que pode ter pelos, ou escamas, mau hálito ou cheirar a esgoto ou quem sabe, vir adocicado com um profundo cheiro a rosas (um dia vão compreender), está ali, ao virar da esquina
Aí tudo pode acontecer "meu velho". 


"Dizia que escrever um livro era como encontrar um fio colorido entre as ervas e segui-lo para onde ia dar. Às vezes o cordel partia-se e ficava-se sem nada. Outras vezes, quando se tinha sorte, coragem e perseverança, encontrava-se o tesouro. E o tesouro não era o dinheiro que se ganhava com o livro; o tesouro era o livro(...) O que nunca lhe tinha dito (mas ela sempre havia desconfiado) é que se o cordel não se partia o levava sempre de regresso ao lago. Ao lago onde todos vamos beber, onde lançamos as nossas redes, onde nadamos, e onde por vezes nos afogamos."



2 comentários:

  1. Nunca li, mas esta foto levava-me para um romance :)

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  2. Sim, não deixa de ser um romance. Não deixa de ser uma história de fantasia, de luto, de dor e de uma enorme dose de loucura. O tema principal é contudo o amor.

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