22 de maio de 2022

 


MENDEL DOS LIVROS - STEFAN ZWEIG



... os livros só se criam com o fim de unir as pessoas para além da sua própria existência e, assim, de ser defender do inexorável oponente de tudo o que vive: fugacidade e o esquecimento.

Começo com a voz do próprio Stefan Zweig. Começo com a voz dos livros. A sua própria existência.
Contudo, somos feitos de fugacidade e esquecimento, e este pequeno conto de Mendel dos Livros, relembra essa perspetiva inquieta, oblíqua que atravessa a vida.
Apenas as histórias, os livros, os enredos e as narrativas, os poemas fogem do inexorável sentido da finitude.
Cada escritor, apenas nos sussurra; eu não posso ser eterno, eu serei esquecido, mas as minhas personagens não. Talvez por isso, elas, as personagens, são sempre maiores do que quem as escreve, tem vida própria e transfiguram as linhas onde o escritor as quer encerrar. 

Mendel era um ser, livro, viveu a sua vida dentro do próprio livro. Tudo o que o cercava era eternamente pouco, por isso ele não lia os jornais, não ouvia os outros, não perspetivava as transformações do mundo.
O que ele sabia estava no livro.
O seu espaço era uma pequena mesa do café Gluck que ocupava de manhã à noite. Vendedor ambulante, porque não tinha licença.
E de facto aquele Jakob Mendel não via e não ouvia nada do que acontecia à sua volta.
Mendel, era pois, o estereotipo de muitos sonhadores, concentrados no seu mundo sábio, de rara beleza, de pura, trágica e verdadeira obsessão.
Se o mundo me permitisse, eu, do mesmo modo, ficaria assim.
Pois lia como outros rezam, como os jogadores jogam e os bêbados atordoados, olham para o vazio, lia com uma concentração tão comovente que, desde aquele momento, todo o tipo de leitura feita por uma outra pessoa me parecia sempre qualquer coisa de profano.
Também para Mendel, o mundo provou não ser próprio para os sonhadores, para os concentrados da transcendência da palavra, e os acontecimentos dos homens práticos trataram de o chamar à realidade destruidora.
Não se adaptou, Mendel.
À exceção dos livros, este homem estranho não sabia nada do mundo.
Eu, pouco ou nada sei do mundo, e reconheço que raramente sei de livros. Não posso, portanto ser um Mendel, não tenho metade do seu despreendimento.
Foi triste ver Mendel quebrar com a guerra e o mal, mais triste vê-lo fragmentar-se aos tempos do lucro.
Já deram conta, como estamos a ser engolidos pelo lucro e pela imagem?
Se tiverem tempo, leiam este "Mendel dos Livros"
O tempo roubado é relativo. Na fugacidade do tempo a relatividade é um assunto, algo eterno.
Os livros têm o seu destino de acordo com o poder de compreensão do leitor.
 

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