13 de maio de 2022

 


TANTA GENTE, MARIANA / AS PALAVRAS POUPADAS - MARIA JUDITE DE CARVALHO



Na sua escrita melódica, encontro a desesperança, o lúcido e o profundo.
Não foi um livro fácil de ler, e confesso que Tanta Gente, Mariana, sobrecarregou o meu entendimento.
Foi necessário prosseguir devagar, compreender nas entrelinhas do próprio texto.
Não compreendi muito bem, a minha própria dificuldade. 

Reencontrei um certo caminho com esta obra. Senti-me perdida de início, incapaz de lhe dar espaço, mas habituei-me à necessidade de a ler, como precisa de ser lida.
Sem aforismos, desprendida dos meus conceitos, eles, por vezes atrapalham mais do que ajudam.
Tanta Gente, Mariana, provocou-me estranheza de início. Voltei atrás e reli-o novamente. O que nos quer dizer está escondido na narrativa que descreve o quotidiano desta Mariana com a vida enganada.
O que nos quer dizer, na maioria das vezes, nós não queremos ouvir.
A solidão, de habitarmos num mundo carregado de outros, feitos da mesma matéria. O movimento da existência fragmentado em pequenos nadas, que nada nos dá.
Tanta Gente, Mariana é um grito surdo das mulheres de ontem, de hoje, e inevitavelmente, nas do amanhã. 
Utopias à parte, a mulher têm ficado sempre, com a pior parte da equação ilegitimamente distribuída.
É neste ciclo vicioso que saímos do primeiro conto e entramos nos outros, carregados de protagonistas femininas, do seu papel na sociedade Portuguesa no século XX.
Da sua eterna solidão.
Ainda existe esta mulher definida por Maria Judite Carvalho. Acho que existirá sempre. 
Escondidas, no luto da cor da roupa que carregam, na lentidão dos gestos, na postura altiva e desafiante, nas suas tardes de monotonia pelas ruas sem afazeres aparentes, nos seus amanheceres apressados, na mesa do café em que só elas ocupam uma cadeira, dia após dia, após dia. Fechadas nas suas casas, entre a sala e o quarto, habituadas ao silêncio, à lentidão, ouvem até o som da sua respiração. Na alegria dos dias de pagarem as contas, porque podem sair de casa, do olhar complacente, paciente que fazem perante a resposta arrogante do marido. O deixarem-se estar, "Estou a incomodar, menina?"; "Posso sentar-me aqui um bocadinho menina?" e falam até mais não, ou calam, "Gostam tanto de si, menina.", sem me conhecerem de lado nenhum.
Muitas trazem ausência, alegria, paciência, ou falta dela, todas, solidão.

Não quero terminar esta opinião sem referir o conto "As Palavras Poupadas". 
Pessoalmente, considero-o de extrema beleza e simplicidade. Toca, como sempre no que já referi, solidão. Toca, para além disso, na culpa.
Também ela, é o veneno que nos corroí os dias.

É o primeiro livro que leio de Maria Judite de Carvalho, e a profundidade da sua tristeza, o modo lúcido como retrata a mulher portuguesa cativou-me.
A minha lista de escritoras portuguesas, está cada vez mais bonita. 

Agora que sei o que me espera, acho-lhe qualquer coisa de morte, pelo menos qualquer coisa de intermédio, de nebuloso. Ainda não é morte, mas já não é inteiramente vida. Nunca o foi, suponho eu. Vida verdadeira já eu não seria capaz de viver, porque lhe perdi o hábito.

Gostava de dizer muitas coisas que no fundo não sentia, porque era e seria sempre, um resultado da educação que tivera.

Talvez o amor nas mulheres seja mais elástico e mais passivo do que nos homens. Eles escolhem, nós quase sempre vimos a gostar de quem nos escolheu.

Sozinha na cidade enorme para onde viera estudar, embriagara-se com uma liberdade que não utilizava porque não sabia que fazer dela.
 

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