19 de abril de 2020


Ainda Luís Sepúlveda...
( Parte I )

Recebi a noticia da morte de Luís Sepúlveda, com mágoa.
Acompanhei desde o inicio a informação, e acreditava sinceramente que o escritor iria conseguir resistir a mais uma prova.
A 14 de Março vi na RTP, a entrevista que ele e a sua esposa deram no evento "Corrente d´Escritas", e tomei como certo que um homem que politicamente tinha passado por tantas dificuldades e duras provas, não seria o Covid-19 que o iria levar.
Mas tarde surgiu a noticia que tinha melhorado, e não pensei mais no assunto. Dei-o como mais uma batalha ganha por Luís Sepúlveda, e que muito em breve teríamos um novo livro do escritor.

Nos finais da década de 90, inícios do novo milénio, Luís Sepúlveda era um dos meus escritores preferidos;
O Velho que lia romances de amor, História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar, Encontro de amor num país em guerra, Nome de Toureiro, Mundo do fim do mundo, As rosas de atacama, Diário de um killer sentimental, Patagónia Express.
Tenho todos eles em edições antigas, ainda das Edições ASA.

Mais tarde, muito mais tarde, depois da minha filha ler História de uma Gaivota e do gato que a ensinou a voar, foram aparecendo cá por casa outros títulos História de um cão chamado Leal, História de um caracol que descobria a importância da lentidão, História de um gato e do rato que se tornaram amigos e História de uma baleia branca.
Todos para ela ler, mas que eu lia também.

Em pesquisa recente, descobri que me falham alguns títulos.
Que houve uma época que me desviei deste propósito de seguir Sepúlveda.
Nas redes sociais neste últimos dias, várias homenagens tem sido feitas ao escritor, mas existe uma pela qual tenho muito respeito, uma frase dita pelo escritor;

"admiro os resistentes, os que fizeram do verbo "Resistir" carne, suor, sangue, e demonstraram sem espaventos que é possível viver, mas viver de pé, mesmo nos piores momentos"

Esta é uma razão que me faz continuar a seguir Sepúlveda... a Resistência!

Cada um tem a sua. A de Sepúlveda, e de muitos outros que lutaram pela liberdade de um país é de certo maior que a resistência do dia a dia.
Mas acredito, que quando Sepúlveda disse o que disse, não se referiu só aos presos e perseguidos políticos, mas fala de todos os tipos de Resistência, e principalmente há nossa Resistência diária.

Para que não esqueça a Resistência diária, vou trazer aqui ao blogue todos os livros de Sepúlveda.
Começo pelo primeiro que li na década de 90, e o primeiro que fui buscar agora para ler ou reler Sepúlveda.

O velho que lia romances de amor



- Ainda não morreste, António José Bolívar?
Antes de responder, o velho cheirou os sovacos.
- Parece que não. Ainda não deito mau cheiro

António José Bolívar é o velho desta história que vive no principio da Amazónia.
O livro é uma homenagem ao mundo da Amazónia.
Fala do respeito que devemos uns aos outros e quando falamos de outros, não se limita aos nossos irmãos, seres humanos, mas a toda a criação. Há Natureza e aos animais.
Fala de um homem que no nosso mundo dito civilizado não passa de um ignorante e simplista, que nunca foi á escola, que nunca trabalhou numa empresa, e que a casa é sempre uma barraca... sem luxos nem adereços. Só com o que é preciso.
No entanto é um homem que sabe aquilo que nós não sabemos, pois viveu com os Índios mas não é um deles. Vive na Amazónia e compreende o significado do ambiente que o rodeia com simplicidade e sem insolência.
Compreende os animais, mas muitas vezes não compreende o homem.
Bicho difícil de compreender... o homem!
Com a passagem breve de um missionário pela aldeia, descobre o livro, e a partir desse momento vemos um velho que se reinventa para aprender a ler, descobrir o seu género literário e fazer do livro o seu momento de contentamento.
Há parte desta história poética, corre também a história da caçada a uma Onça que vai matando por onde passa em vingança pela morte da sua ninhada.
Esta narrativa paralela em que o velho participa como caçador, não por queira, mas porque é levado a fazê-lo denuncia a fraqueza de carácter humano do administrador da localidade, do medo de quem não compreende o lugar onde vive e a natureza daquilo que o envolve.

O velho compreende e sabe como pensa o animal e caça-o a principio contrariado, mas quase até ao fim de igual para igual.
Quase até ao fim...
"O velho acariciou-a, ignorando a dor do pé ferido, e chorou de vergonha, sentindo-se indigno, envilecido, de modo nenhum vencedor daquela batalha."
A Onça faz todo o seu caminho, um percurso limpo e honesto.
Quem dera que a maioria dos homens soubessem fazer o mesmo!


 

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