14 de abril de 2020


Em tudo havia beleza [Ordeza] - Manuel Vilas



"Ter alguém á nossa espera algures é o único sentido da vida, e o único êxito."

O meu pai, leu algures uma nota sobre este livro á pouco mais de um mês, e perguntou-me se tinha o livro ou conhecia o livro.
Confessei a minha ignorância. Nunca tinha visto o título, nem sequer o autor, e pensei cá para os meus botões onde "raio", ele o tinha encontrado.
Confesso que quando procurei informações a capa atraiu-me automaticamente. 
A minha primeira paixão são as capas dos livros... raramente compro um livro se não gostar da capa.
A minha mãe faz pior, tem de gostar da capa e da última página do livro. 
São crenças irracionais que nem sempre dão certo e produzem as melhores escolhas, mas são crenças inevitáveis na minha condição de ser humano imperfeito.
Seja como for, para além da capa o resumo ou texto na contra-capa indicado na "Wook", manteve a minha curiosidade activa e respondi ao meu pai, que sim, que o livro deveria ser BOM. 
Queres comprar? Não... acho caro, mais de 20,00€. Não existe disponível na Internet?
Havia 29 páginas disponíveis no site da "Wook", que imprimi e lhe dei. 
Que não li, porque não gosto de ler primeiras páginas e depois? 
Se é mesmo bom e não tenho o resto do livro para ler?! Mais crenças irracionais!!?
Assim que pude comprei o livro e assim que deu comecei a ler.

A história assenta nas lembranças e memórias que o autor tem dos progenitores. Do pai e da mãe.
Os dois já morreram e o autor vive uma vida sem sentido, porque perdeu ainda em vida dos mesmos o elo que o ligava a eles. Perdeu em vida, procura após a morte. E essa procura é inquietante e dramática. É ao mesmo tempo uma alegoria de ternura por aquilo que ser perdeu.
A história é contada de uma forma muito simples e subtil e o livro até está incluído no PNL (Plano Nacional de Leitura), para formação de jovens adultos.
Fala de uma Espanha igual a qualquer outro país, em que as desigualdades económicas trazem um desalento á alma humana.

" Nunca me habituarei a ser pobre. Chamo pobreza ao desamparo. Confundi pobreza e desamparo: têm o mesmo rosto. Mas a pobreza é um estado moral, um sentido das coisas, uma forma de honestidade desnecessária. Uma renúncia a participar no saque do mundo, é isso a pobreza para mim. Talvez não por bondade ou por ética ou por um qualquer ideal elevado, mas por incompetência na hora de saquear."

"Se cheiras a limpo, é porque outros estão sujos, não te esqueças."

Fala de como a sociedade encara certas profissões e as desumaniza, como é o caso da profissão do autor (Professor), ou melhor, fala de como as próprias pessoas se desumanizam ao longo da vida, naquilo que fazem e naquilo que são

"Aqueles miúdos eram humilhados e ofendidos pelos professores, esses medíocres com rancor pela vida. Nem todos eram assim. Havia professores que amavam a vida e tentavam transmitir esse amor aos seus alunos. É a única coisa que um professor deve fazer: ensinar os seus alunos a amar a vida e a entendê-la, a entender a vida a partir da inteligência, de uma festiva inteligência; deve ensinar-lhes o significado das palavras, mas não a história das palavras vazias, antes o que significam; para que aprendam a usar as palavras como se fossem balas, as balas de um pistoleiro lendário.
Balas apaixonadas.
Mas eu não via isso a ser feito.
Os professores estão mais alienados do que os seus alunos."

Quantos de nós estão encerrados nas páginas deste livro. 
Em quantas camadas da nossa pele estão os nossos mortos.
O autor fala de muitas coisas que eu identifico na minha vida, que todos nós, acredito que suportamos.
A morte de alguém próximo, o fim da juventude, o termo da inocência, a cessação dos sonhos. 
Mais do que tudo, o desmoronar das certezas.

" Lembrei-me de quando o tinha, quando tinha um futuro.
É a sensação mais valiosa da vida, quando ainda nada começou. Quando o pano ainda não subiu, esse momento.
Sei que há pessoas que nunca mais verei, pessoas que foram importantes na minha vida, e que já não voltarei a ver, não por terem morrido, mas porque a vida tem leis sociais, culturais, sei lá, na realidade são o leis políticas, são leis atávicas, leis que ajudaram a montar isto a que chamamos civilização.
Funcionam assim os seres humanos: há pessoas com as quais, embora estando vivas, nunca mais voltaremos a relacionar-nos, e que alcançam assim o mesmo estatuto que os mortos."

A meio do livro, a escrita flui para um ponto de convicção. O valor do amor, a importância daquilo que somos e a certeza daquilo que nos define.

"...Daí ser tão importante a paternidade, porque anula a dúvida, nunca duvidamos. Daremos sempre a nossa vida pelo nosso filho. Tudo o mais que há no mundo é confusão, vacilação, perplexidade, egoísmo, indecisão, incerteza, nenhuma grandeza..."
"A paternidade e a maternidade são as únicas certezas. Tudo o mais quase não existe."

Mais do que isso, a importância da vida, não se define pela quantidade de objectos que acumulamos ao longo desta, mas pelo amor que temos pelos outros e pelo amor que esses nos tem a nós. 

"Enfim, mamã, não sabia que te amava tanto.
Já tu sabia-lo, porque sempre soubeste tudo."

É de certeza um livro a ler e a guardar com carinho.


   

Sem comentários:

Enviar um comentário