22 de julho de 2020

Amália Rodrigues - Lágrima (com letra)

Amália Rodrigues - Nem chegaste a partir!

No dia 23 de Julho, comemora-se o centenário da nascimento de Amália Rodrigues.
Aqui, neste Blogue de Livros, gosto de falar de livros, mas hoje queria-vos falar de Amália.


Comecei a olhar para Amália Rodrigues, no dia em que ela morreu. (6 de Outubro de 1999). Nunca antes tinha perdido muito tempo com Amália. 
Era nova, e o fado não me seduzia.
Amália quando aparecia na TV (só a via na TV, nunca a vi ao vivo, ou sequer a conheci), considerava-a muita atabalhoada.
Como disse, era nova e era difícil ter um bom julgamento das pessoas, pelo menos um julgamento justo.
Acho que só refinamos isso com os anos, muitos de nós nem refina e outros onde eu me incluo, por ser uma menina mal comportada, ás vezes refino, outras vezes não.

Mas lembro-me perfeitamente do dia em que Amália Rodrigues morreu. Lembro-me de uma multidão em frente á sua janela a aplaudir, e que este gesto me percorreu a espinha e que fiquei triste durante muito tempo. Senti-me uma pessoa injusta.

A partir daí deixei de ver Amália da mesma forma. Comecei a respeita-la e até a compreender o seu comportamento em público.
Uma mulher que precisava de público para se sentir viva. Isso deixava-a vaidosa. E uma mulher vaidosa é uma mulher alegre, nem que por dentro esconda grandes tristezas.



Como aqui falo de livros, queria aqui para além de falar de Amália, falar de um livro que li, no Verão de 2017, com o título Amália - O Romance de uma vida da escritora Sónia Louro.
Foi o primeiro livro que li da escritora, e aquilo que tenho de mais importante a dizer sobre ela é; Leiam todos eles!!! (Amália Rodrigues, Fernando Pessoa, Eça de Queiroz), todos escritos por Sónia Louro de uma forma magistral e com uma profunda pesquisa.

Quando li o livro sabia pouco ou nada da vida pessoal de Amália. Já tinha desfolhado algumas revistas com histórias sobre Amália, e algumas até com histórias contraditórias.
Refiro-me a questões políticas e a questões amorosas, que vem com alguma frequência retratadas em revistas. Acredito que é isso que vende.
No livro de Sónia Louro essas questões são tratadas de uma forma secundária. É claro que se fala de Salazar, como não poderia deixar de ser, mas Amália nunca é retratada como fascista, nem comunista.

Se gostei do livro? Gostei muito.
Sónia Louro apresenta-nos uma Amália sem jóias nem adereços. Uma Amália genuína e simples como realmente ela deveria ter sido.
Se tinha fama? Tinha. Se era fútil? Como qualquer artista, como qualquer pessoa conhecida que anda na boca do mundo.
"Eu nunca tive publicidade! Mas, muito mais esperta do que a caricatura que até ela sabia fazer de si própria, logo corrigiu: "Bem, quem sou eu para dizer que não preciso... se até o sino da igreja tem badalo?!"



O que mais me fascina em Amália é que ela não se limitava a cantar o fado, ela vivia o próprio fado. Intimamente ela era uma pessoa que se alimentava da tristeza, da mesma forma que o fado se alimenta da tristeza e da saudade. Talvez por isso o soubesse cantar tão bem.
Descobri também que Amália escrevia, e que algumas letras das músicas eram da sua autoria.
É o caso de "Estranha forma de vida" e "Lágrima".
Poemas profundamente tristes que na voz de Amália ressoam nos nossos ouvidos, foram nada mais nada menos que escritos por ela.

Politicamente Amália Rodrigues sofreu na pele a inveja Portuguesa.
Em Portugal depois da revolução era considerada uma estrangeira. Nesses tempos e porque o Estado Novo aproveitou a sua imagem foi acusada de fascista e era lá fora nos palcos de Paris ou em Nova Iorque que tinha sucesso. 
Amália percorreu o mundo. França, Itália, EUA, Brasil, Argentina, Israel e Japão. Só em 1987, com a música "Povo que lavas no rio" é que o público reencontrou Amália e esqueceu a inveja, ou talvez não. Talvez depois fosse "coll" gostar de Amália já que os outros países a amavam.

Diva, Rainha do Fado, a VOZ.
Tudo isto se pode dizer desta mulher extraordinária que por um acaso e só por um acaso é a maior artista Portuguesa.
Levou Portugal aos maiores palcos do mundo, foi invejada por Edith Piaf, assediada por Onassis, cortejada por estrelas de Hollywood e amada por todos os que a ouviam cantar.
Aqui para nós que ninguém nos ouve, se se derem ao trabalho de procurar as fotografias publicadas de Amália ao longo de todos os anos e se olharem com carinho também conseguem ver que Amália sempre foi uma mulher extremamente bonita. De uma beleza latina. Até ao final.
É não é?

Na capa de dentro do livro temos uma citação de Filipe La Féria "Amália, o romance da sua vida, é um livro que Amália gostaria de ter lido, sorrindo ás vezes, chorando nas páginas que descobrem o seu imenso coração de mulher."
Quem o lê, descobre que Amália sempre foi uma mulher madura, mas também uma mulher desamparada pela sina da tristeza. Sempre a tristeza. 
Teve o mundo a seus pés, mas não teve felicidade nem autoconfiança. Precisava do amor e da admiração dos estranhos para se sentir minimamente viva. E gostava de aplausos, ansiava por eles. Para um artista, são uma droga de felicidade. Não há que censurar.

Num programa "Olha que dois", que ainda pode ser visto no canal Youtube, Amália explica o significado que as palmas tinham para ela;
"As pessoas que cantam, que são artistas durante muito tempo, sobretudo assim como eu, têm duas mortes: uma é quando deixam as palmas, outra é quando morre realmente. Toda a gente tem uma tendência para adiar a morte, eu adio as duas."

Em 1990, num concerto no Coliseu, Amália mostrou aquilo que sempre fora. Uma mulher excepcional que amava acima de tudo o seu país e o seu povo. Note-se bem... o seu povo!
Na pág. 350, Sónia Louro recorda esse momento. Sentimos Amália junto de nós. Sentimos Amália como ela era. Grande!
"O público estava de pé, aplaudia-a e chamava-a e ela ainda nem um "aí" dissera. Tirou o microfone do tripé e disse:
-Muito Obrigada![...]- Muito Obrigada. Eu já tenho tido muitas noites bonitas que me podiam dar uma segurança maior em mim, mas não tenho nenhuma. Ainda bem que vossemecês são sempre muito simpáticos. Bem-Hajam! E cá estão mais uma vez. Muito Obrigada. Muito obrigada por terem vindo. Que Deus me perdoe."
"Amália chorou a cantar e o público acompanhou-a nas lágrimas."
"Que Deus me perdoe", Amália pedia muitas vezes perdão a Deus por não ser uma pessoa mais contente.
Não é que Amália não fosse uma pessoa agradecida, mas pedia constantemente perdão a Deus, por Ele dera-lhe tudo sem ela procurar nada e, no entanto não conseguia ser feliz.

Mas só uma pessoa com tristeza na alma, pode canta assim...





"Se a minha alma fechada
Se pudesse mostrar,
E o que eu sofro calada
Se pudesse contar, 
Toda a gente veria
Quanto sou desgraçada
Quanto finjo alegria 
Quanto choro a cantar..."


Se quiserem perdem um tempo das vossas vidas para coisas do passado, existe também no Canal do Youtube https://youtu.be/1ARyt6_gDkk, o programa Parabéns de Hermano José e Amália Rodrigues no Ano de 1994.
São 50 minutos de pura Amália...


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