8 de março de 2021

 


O MEU NOME É LUCY BARTON - ELIZABETH STROUT



"Esta é a historia de uma mãe que ama a sua filha. De modo imperfeito. Porque todos nós amamos de forma imperfeita."

O que posso dizer de Elizabeth Strout. Que é uma escritora e tanto.
Em 2020 li pela primeira vez um romance seu, "Olive Kitteridge" e também nessa altura aconteceu-me o mesmo.
Livro lido num curto fim de semana, a perder-me no sofá dentro das suas páginas.
Tanto Olive como Lucy são personagens que marcam.
Com Olive, a irritante Olive, aprendemos a apurá-la, depois a compreende-la e por fim a amá-la.
Com Lucy é diferente. Lucy não tem nada no seu temperamento, que não pudéssemos gostar e os pensamentos que vai desfiando são tão puros e honestos e arrastam uma devoção de afectos carregada de solidão.
Sim! Acima de tudo solidão.

A narrativa é despretensiosa. Cativante até. Saltitamos de um pensamento de Lucy para outro. De uma pequena história para outra. De um encontro fugaz com alguém, de um sentimento reservado e gentil por outro.
Fala essencialmente de amor. Do amor contido, das palavras não ditas, mas que estão lá entre mãe e filha. 
Os diálogos de Lucy e a mãe quando esta, está no hospital são uma revelação subtil disso mesmo.
A aparente "fria" mãe que não tem, nunca, em momento algum a capacidade de dizer a palavra "amo-te, filha" demonstra-o por gestos e acções.
"Senti que as pessoas podiam não compreender que a minha mãe nunca foi capaz de dizer a palavra [amo-te]. Senti que as pessoas podiam não compreender. Não fazia mal."

A mãe de Lucy teria até essa incapacidade em expressar por palavras os seus sentimentos mais profundos, mas tinha dentro de si a devoção própria e a forma própria de o demonstrar. 
A forma carinhosa como falava do filho, irmão de Lucy. A forma como esteve cinco dias sentada à cabeceira da cama de Lucy no hospital.
A forma suave como lhe dizia "dorme, Wizzle, se não consegues dormir, descansa." A forma como lhe dizia que iria ficar tudo bem.
Até quando correu o hospital à sua procura a meio da noite, só porque Lucy demorou muito tempo a fazer um exame.
Sempre o acto, a forma... nunca as palavras... aquelas palavras. 
Este compromisso moral entre mãe e filha fica escancarado quando os papeis invertem-se e é a mãe que está no hospital a morrer. 
Numa espécie de "Quis dar-lhe o que me tinha dado a mim, o mesmo tipo de constância, de atenção bem desperta, daqueles dias que tinha passado comigo", Lucy, também ela sai da sua casa e vai de encontro á mãe.
O diálogo entre as duas é comovente.
Gostaria de o transcrever, sei que é um pouco extenso, mas é só para tentarem perceber o que eu quero realmente dizer;
" - Lucy, preciso que faças uma coisa.
- Sim - respondi - Diz-me.
- Preciso que te vás embora - disse-o calmamente, e não escutei qualquer zanga na sua voz. Ouvi determinação. Mas, na verdade, senti pânico [...]
-Está bem, mãe. Certo. Amanhã?
Ela olhou para mim, com os olhos rasos de lágrimas. Os seus lábios contraíram-se. Sussurrou.
- Agora, por favor. Querida, peço-te.
-Oh, mamã... [...]
-Wizzle, peço-te.
-Vou sentir a tua falta [...]
-Sim, vais sentir."
Mais uma vez aqui Lucy diz-lhe que a ama, mas a mãe não lhe responde. Já o tinha subentendido na conversa que tiveram.
Vamos por partes.... acredito que nem todas as pessoas tenham o mesmo entendimento desta conversa entre mãe e filha do que eu estou a ter. Nunca ponho em causa o amor que esta mãe tem pela sua filha. Não ponho!
 Acredito que este afastamento que a mãe de Lucy pediu à filha é um acto de amor. Mais uma vez acredito que a mãe não o sabe expressar por palavras, ou simplesmente pela palavra "amor", mas faz pelas acções que toma e naquilo que diz "Agora, por favor. Querida, peço-te."; "Sim, vais sentir." 
É uma atitude complexa.
Somos seres humanos, muito, muito enganadores. Mas a devoção entre nós sem sempre é tida e sentida da mesma maneira.

"A Sarah Payne, no dia em que nos disse que escrevêssemos sem fazer juízos de valor, lembrou-nos que nunca sabemos, e que nunca saberemos, o que é compreender inteiramente outra pessoa. Parece uma ideia simples, mas, à medida que vou ficando mais velha, vejo cada vez mais que ela precisava de dizer aquilo." 
Esta é uma história sobre o amor. Também é uma história sobre solidão;
"Apesar da minha plenitude, estava só. A solidão foi o primeiro sabor que provei na vida, e esteve sempre lá, escondida nas frestas da minha boca, para mo recordar."
É também uma história sobre escuta;
"Adormeci ao som da voz da minha mãe. Pensei: A única coisa que quero é isto."
A voz da mãe de Lucy ficou no meu ouvido. A sua presença naqueles cinco dias no hospital é talvez a possibilidade de uma felicidade.
"Wizzle, como é que consegues viver sem céu?"


3 comentários:

  1. Fiquei muito curiosa! Vou seguir o blog.

    jiaescreve.blogspot.com (Sou nova neste mundo dos Blogs, por isso quando tiveres algum tempinho livre faz-me uma visita e deixa uma opinião)

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