16 de setembro de 2021

 



UMA PAIXÃO SIMPLES - ANNIE ERNAUX



"Não quero explicar a minha paixão, quero simplesmente, expô-la."

Mentalmente é deveras intrigante este pequeno livro. 
Os lamentos de uma mulher mais velha, sobre o seu amor por um homem mais novo que é apenas o seu amante.
Digo amor dela, porque da parte dele não existe nenhuma indicação que também assim seja.
E de repente temos setenta pequenas páginas em que uma mulher culta, independente e já mulherzinha (com filhos adultos), assume a sua vulnerabilidade a um mundo já limitado a entender a vulnerabilidade.

Profundamente honesto, na maneira como a escritora em estilo biográfico ou não, se expõe à fragilidade dos sentimentos.
Provavelmente terá sido olhado com um misto de pena e desprezo.
Como diz a própria, é uma espécie de dádiva invertida.
Admitir, escrever as várias transformações vividas à conta de uma paixão carnal, como se o próprio sentimento fosse fútil sem o ser.
Existe um prolongar daquelas sensações para além do durável. Um prolongar que o texto deu corpo e até algum sentido.
Não sei se o viveu ou se o imaginou na maior parte das vezes. Senti por esta mulher não uma vergonha, pela condição diferente daquela que se espera hoje das mulheres, mas mais do que isso, da sua capacidade de fazer daquilo que não existe, uma história de amor da sua parte. 
Uma entrega "sem limites às sensações e às histórias imaginárias da minha paixão", como diz a própria.

O tempo é o maior aliado da razão.
"Graças a ele, aproximei-me do limite que me separa da alteridade, a ponto de imaginar, por vezes, ter passado para o outro lado.
Medi o tempo de outra maneira, com o corpo todo. Descobri do que somos capazes, ou seja, de tudo. Desejos sublimes ou mortais, ausência de dignidade, crenças e comportamentos que achava insensatos nos outros porque nunca me tinha acontecido recorrer a eles. Sem querer, ele ligou-me mais ao mundo."
Por vezes temos de o viver para o compreender.
Para uma mulher é um misto de emoções, nem sempre fáceis de suportar ou admitir ou até de assistir, mas é acima de tudo um livro profundamente honesto. 

"Quando eu era criança, para mim o luxo era casacos de pele, vestidos compridos e vivendas à beira-mar. Mais tarde, pensei que fosse ter uma vida de intelectual. Agora parece-me também que é poder viver uma paixão por um homem ou por uma mulher."
E para vós o que é um luxo? 


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