Eliete - A Vida Normal - Dulce Maria Cardoso
Comprei este livro na Feira do Livro no Palácio de Belém, em 2019. Olhando para trás, esse dia quente está muito distante e para mim foi uma festa. Já não ia a "Feiras de livros", sei lá! Tanto tempo que já nem recordava o sabor doce de uma festa do livro.
Em 2019 havia duas hipóteses, a Feira do Livro de Lisboa ou a Feira do Livro no Palácio de Belém. Fiquei pela de Belém, era mais pequena, por isso as probabilidades de eu me perder lá dentro eram menores.
Fomos a um Domingo, creio até que o último dia de Feira e a fila para entrar era enorme. O calor das duas horas da tarde era ensurdecedor e a "safa" foi a oferta de umas garrafinhas Luso fruta fresquinhas que nos deram logo na entrada.
Dos livros que comprei, Eliete de Dulce Maria Cardoso faz parte deles. O outro foi A Vida no Campo de Joel Neto que já falei aqui neste Blogue... comprei um terceiro (como veem fui bastante poupadinha!), foi um livro Ser Blogger de Carolina Afonso e Sandra Alvarez que foi o grande apoio para a criação deste Blogue.
Voltando a Eliete, já há muito tempo que queria ler alguma coisa de Dulce Cardoso. Tinha lido boas criticas dos seus livros, nomeadamente de Retorno e quando saiu Eliete fiquei verdadeiramente interessada e a Feira do Livro foi a desculpa perfeita.
A história é sobre Eliete, e roda em torno da sua vida, da vida da sua mãe e da vida da sua avó. Eliete é sem dúvida a parte principal e todas as outras, tal como os filhos e o seu marido fazem parte dos ingredientes deste bolo. Bolo mesmo é a própria Eliete.
Tenho o livro bastante sublinhado e marcado. Descreve a condição de ser mulher e mãe de forma minuciosa. Senti-me por vezes espelhada em situações da minha própria infância e adolescência. Principalmente nas maneiras de pensar, de ver o mundo.
Dulce Cardoso é genial nesse sentido. A mulher é retratada de uma forma perfeita e comovente até. A forma como logo nas primeiras páginas descreve o início da transformação do corpo feminino remeteu-me para memórias esquecidas.
"Ambos sabíamos que o meu corpo tinha mudado e que me arrastava irremediavelmente na mudança. A mudança começara sem alarido com os dois montinhos de carne que se empinaram sobre o meu peito acanhado..."
O livro retrata ainda a difícil convivência entre as pessoas, e a incapacidade para o perdão, mesmo quando os estados emocionais estão tão longe do nosso horizonte.
Eliete atravessa as memórias da sua vida enquanto lida com uma avó que já não tem capacidade para viver sozinha, com uma mãe que não perdoa a sogra por situações do passado, por um casamento que se vai despedaçando e pela perda da sua suprema importância aos olhos das filhas.
"Enquanto as miúdas precisaram dos meus cuidados, dei-lhes sempre comida a horas e preparei as refeições tendo em conta que uma não gostava de iscas, ervilhas e coco, e que a outra não gostava de peixe cozido e pimento, não permiti que fossem para a escolha sem o banho tomado, ainda que isso, muitas vezes, implicasse birras extenuantes, mantive a casa limpa, garanti-lhes as horas de sono suficientes, estive atenta ás listas do Pai Natal, e aos medos de escuro e dos ladrões, inscrevia-as na natação, na música, no ioga e no canto, escangalhei os meus fins de semana para as levar às festas das amigas, cansei-me com elas nos saldos sem comprar nada para mim, mudei-me para o quarto delas sempre que me chamaram num febrão, diarreia ou pesadelo.
Ninguém podia acusar-me de eu não ter sido uma boa mãe no que dizia respeito aos aspetos práticos, tal como ninguém podia acusar-me de eu não ter esforçado para me manter próxima das miúdas quando elas deixaram de precisar dos meus cuidados."
Eliete vagueia em desacerto com a vida, está naquela idade lá mais para a frente em que começamos a colocar em causa o que somos e os caminhos que tomamos. Eliete faz uma analise crua do que foi a sua vida e descobre que não tem muito de bom.
Esta perspetiva permite-lhe tomar outros caminhos e pôr em causa tudo o que viveu. O seu maior desconforto será descobrir-se irremediavelmente só.
Gostei muito de ler este livro. Gostei muito da forma de escrever de Dulce Cardoso e já lá vai mais de um ano e continuo pacientemente sentada à espera do segundo volume.
Acho que vou ler este livro outra vez!
Ah,como é bom ler! E sobretudo quando o tipo de leitura nos diz tanto...
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