CONTAR OS NOSSOS DIAS - QUE COISAS SÃO AS NUVENS
JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA
Não sei se estão familiarizados com as crónicas de José Tolentino Mendonça à revista do Expresso todas as semanas.
Da minha parte, é das melhores coisas que a revista tem, e apesar de não ser uma assídua compradora do Expresso, tenho acesso ás revistas com mais frequência do que seria normal.
No passado dia 31 de Dezembro, já o ano de 2020 contava os seus últimos suspiros, e todos nós ou quase todos queríamos dar um enorme pontapé ao ano maldito - acho que havia um sentimento geral que a mudança de ano significaria mais do que realmente significou - saía na revista do Expresso a crónica "Contar os nossos dias".
Estou tentada a transcreve-la por inteiro... na verdade estou aqui a olhar para o ecrã e a olhar para a crónica sem saber bem o que faça!
Bem! Vou apresentar algumas frases, será o suficiente para podermos conversar!
"Os acontecimentos grandes ou pequenos do mundo, os factos da nossa vida pessoal, quaisquer que eles fossem, vimo-los perfurados pelo zumbido dos números."
"O que quer que venha a seguir não pode ser um mero virar de página. De um modo que não pensávamos o futuro entrou-nos pela porta"
"Um modo de descrever a estranheza e a dor, mas também a oportunidade deste ano das nossas vidas é, por exemplo, este: constatar a importância que, de repente, passaram a ter os números."
"Dentro de nós, a impressão que tantas vezes tivemos é a de que os dias não se contaram por palavras ou por imagens como estávamos habituados, mas sobretudo por números."
"... números que enigmaticamente nos chamavam - e nos chama - à atenção para que vejamos como a vida se declina também em medidas exatas, em concretos números."
"Mas falam também do primado reconhecido à vida, da resiliência que descobrimos possuir, do emprenho, da dádiva de tantos, do reencontro connosco próprio, da reconstrução e do cuidado."
"No meio dos flagelos aprendemos que existe nos seres humanos mais coisas para admirar do que para desprezar."
"Talvez a mascara nas se cole definitivamente ao rosto. Talvez o distanciamento seja apenas uma forçada esquadria externa que o nosso interior não confirma, bem pelo contrário."
"Talvez que entre as competências que mais passemos a treinar estejam a gentileza e a fraternidade."
"Talvez, finalmente, nos preocupemos mais com o que iremos transmitir do que aquilo que vamos herdar."
Se não percebermos que não somos só números não temos rosto.
Se não percebermos que cá estaremos para servir o outro e que o amor é o único caminho possível nesta equação, esta nossa vida não faz sentido.
Faz sentido para vocês? Concordam?
Desde Março de 2020 que a nossa cabeça encheu-se de números.
Tudo é assumido como um número e na correria do parar, deixamos de ter capacidade para pensar. De repente, mandaram-nos sentar no sofá, e a maioria de nós que não sabia o que isso era, perdeu-se naquilo que seria o seu dia-a-dia.
Muitas opiniões foram dadas, mostradas, pisadas e exploradas. Como tudo seria diferente, como poderíamos ver tudo isto como uma aprendizagem, como era agora que iriamos passar tempo de qualidade com os nossos filhos, como o meio ambiente iria recuperar dos nossos erros e de como seriamos melhores pessoas quando tudo isto acaba-se.
Acabar, acabar, nunca acabou, mas de mudanças pouco houve. A maioria de nós, até fez questão de mostrar que nada existiu ou continuava a existir e voltou à sua condição de ser humano despreocupado e atento ás suas próprias necessidades,
Podemos, podemos, direitos, eu quero!
Se teremos de transmitir alguma coisa ao mundo, este é o momento... A preocupação do que herdaremos terá de ficar para depois. Será que já nos demos conta que qualquer um pode cair?
Será que nos demos conta que o gesto e a proximidade terão de ser substituídos e não eliminados!
Como diria um antigo professor, Inovem, caraças!
E os números... por Deus! os números não são só números... são rostos!
Os rostos de um irmão ou de um vizinho. Do nosso primo lá da outra terra, da mulher de um dos nossos clientes que ainda a chamava de menina.
Com perto de 90 anos, com uma dor no peito que a maioria não tem capacidade de ter, hoje tive um cliente a chorar ao balção porque a sua menina, a sua mulher morreu.
Se não percebermos o que é o amor, e o que é o outro nesta equação, a nossa vida não faz sentido.
E no fundo é apenas isso que temos de fazer... Criar a nossa vida com um sentido!
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