MOMENTO DESASSOSSEGO...
(176-) [1929?]
"Ah, é um erro doloroso e crasso aquela distinção que os revolucionários estabelecem entre burgueses e povo, ou fidalgos e povo, ou governantes e governados. A distinção é entre adaptados e inadaptados: o mais é literatura e má literatura. O mendigo, se é adaptado, pode amanhã ser rei, porém perdeu com isso a virtude de ser mendigo. Passou a fronteira e perdeu a nacionalidade.
Isto me consola neste escritório estreito, cujas janelas mal lavadas dão sobre uma rua sem alegria. Isto me consola, em o qual tenho irmãos os criadores da consciência do mundo - o dramaturgo atabalhoado William Shakespeare, o mestre-escola John Milton, o vadio Dante Alighieri,
e até, se a citação se permite, aquele Jesus Cristo que não foi nada no mundo, tanto que se duvida dele pela história. Os outros são de outra espécie - o conselheiro de estado Johann Wolfgang Von Goethe, o senador Victor Hugo, o chefe Lenine, o chefe Mussolini
Nós na sombra, entre os moços de fretes e os barbeiros, constituímos a humanidade.
De um lado estão os reis, com o seu prestigio, os imperadores, com a sua glória, os génios com a sua aura, os santos, com a sua auréola, os chefes do povo, com o seu domínio, as prostitutas, os profetas e os ricos...Do outro estamos nós - o moço de fretes da esquina, o dramaturgo atabalhoado William Shakespeare, o barbeiro das anedotas, o mestre-escola John Milton, o marçano da tenda, o vadio Dante Alighieri, o que a morte esquece ou consagra, e a vida esqueceu sem consagrar."
Para os esquecidos da vida!
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