8 de março de 2022

 


AS MARGENS E A ESCRITA - ELENA FERRANTE


Bem, bem, bem... O que dizer!
Em tempos tentei ler "A Amiga Genial" e não consegui.
Senti-me desiludida comigo própria pela minha fraca capacidade. Compreendi que o erro era meu.
Desde então tenho fingido que Elena Ferrante não está em lado nenhum. Tenho tentado, mas é dificil conseguir. Eu explico porquê!
Algo em Elena Ferrante fascina-me. O seu anonimato. A prova de que o livro e a história sobrevive ao seu próprio escritor e à possível ideia que qualquer um pode ter dela.
São duas fases da mesma moeda, para compreender a sua escrita é importante conhecer o ser que a habita e de Ferrante não lhe conhecemos nem o rosto. Mas será que é mesmo necessário conhecer?
Este fascínio por algo tão bem conseguido faz-me segui-la e muito tenho lido sobre os seus livros. Sobre eles, apenas sobre eles. Leio as noticias, opiniões, publicações em revistas da especialidade. 
Nunca prestei tanto interesse a quem não passei das primeiras páginas de uma única tentativa de leitura.

"As Margens da Escrita" editado já este ano pela Relógio d´Água, caí como uma necessidade nos dias que correm. Uma necessidade minha, confesso.
E este livrinho pequenino do género ensaio, a circular com alguma (relativa) frequência nesta casa é uma verdadeira pérola.
Quem leu "Um Quarto só seu" de Virginia Woolf  não deixará de lhe encontrar estreitezas.
Cem anos separam a escrita de Virginia Woolf da escrita de Elena Ferrante, mas a essência, as razões obscuras que dividem o "escrevinhar" de um homem do "escrevinhar" de uma mulher ainda é tema.
"Tendo como certo que entre pena e pluma, tanto no masculino como no feminino, existe uma espécie de descompensação congénita, eis que stampa me dizia que a pluma feminina, precisamente por ser imprevista dentro da língua escrita de tradição masculina, tinha de fazer um esforço enorme, muito corajoso - tanto há cinco séculos como hoje -, para violar o <usado jogo> e adotar <astro e estilo>"

Digo-vos! É um livro interessantíssimo e profundamente despretensioso. "Diz as coisas como elas são." tem o seu quê de simplicidade na técnica. Dizer as coisas como elas são, sem malabarismos ou floreados, sem pretensões de segundo ou terceiro grau, não nos limita mas liberta. 
O meu exemplar está uma lástima, sublinhado, marcado, ponto de notas.
Vou dar-me a mim mesma uma segunda oportunidade. Vou tentar ser uma menina bem-comportada. Vou ler Elena Ferrante.

"Para mim, a escrita verdadeira é isto: não um gesto elegante, estudado, mas um ato convulso."

"Diz as coisas como elas são."

"Construía personagens tomando como modelos pessoas que havia conhecido e que conhecia. Tomava nota de gestos, e de maneiras de falar, tal como os via e ouvia."

"... insisto: não se narra sem os empurrões dos outros; este velho princípio manteve-se bem firme -, numa espécie de solipsismo, sem o qual, porém, antevia para mim, autora, apenas o regresso a histórias não autênticas."

"Devemos renunciar, durante um longo período de tempo, à distinção entre quem faz só livros medianos e quem fabrica universos verbais inevitáveis."

"Escrever, pelo contrário, é entrar, em cada uma das vezes, num cemitério interminável, onde cada sepultura está à espera de ser profanada. Escrever é tomar assento entre tudo aquilo que já foi escrito...e fazer, nos limites da sua vorticosa e congestionada individualidade, por sua vez, escrita. Escrever é apropriar-se de tudo quanto já foi escrito e aprender, devagarinho, a gastar aquela enorme fortuna."

"Por isso, quando falo do meu eu que escreve, deveria logo acrescentar que estou a falar do meu eu que leu, mesmo quando se tratou de uma leitura distraída, a mais enganadora de todas as leituras. E deveria sublinhar que cada livro lido trazia dentro de si uma multidão de outras escritas que conscientemente ou inadvertidamente assimilei." 


Sem comentários:

Enviar um comentário